sábado, 23 de junho de 2012

Eleições 2012 - São Paulo - PT e PP

A imprensa deleitou-se com fotos de encontro do ex-presidente Lula e do candidato do PT à prefeitura de São Paulo, Fernando Haddad, com o deputado Paulo Maluf. Destacaram, de forma intensa, o "acordo do PT com Paulo Maluf", nestes termos. Ou seja, para a imprensa ocorreu o acerto entre um partido político e uma figura política.

O enfoque escolhido pelos meios de comunicação tenta claramente proceder a uma distorção, com fins ideológicos. Em realidade, a aliança é entre PT e PP para a disputa da capital paulista. E nela, por lógico, não pode haver nada de muito estranho, haja vista que os dois partidos têm mantido civilizada convivência desde 2003, no primeiro governo Lula.

Destaque-se que, quando, há poucas semanas, o PR juntou-se ao PSDB na cidade de São Paulo, não se viram estampas do tipo PSDB se alia ao "mensaleiro" Valdemar da Costa Neto; tampouco houve quem tripudiasse sobre intelectuais tucanos terem que engolir Tiririca e Agnaldo Timóteo, ainda que somente pela corrida municipal deste 2012.

A aliança PT-PP, para fins eleitorais, com toda a simbologia da união, sacramentada por caciques tidos como díspares - Maluf e Lula - nada mais é do que um simples fato inserido no contexto histórico mais amplo que é o das combinações partidárias capazes de permitir resultados eleitorais inesperados e, principalmente, a garantir a tal da governabilidade.

Após a queda de Collor, parece que a caiu a ficha da necessidade de maior arrojo das coalizões. Para quem não se lembra, o ex-presidente Itamar Franco conseguiu, com a oposição do PT, até trazer para seu governo uma então estrela do partido, ninguém menos do que Luiza Erundina! Seu sucessor, Fernando Henrique Cardoso, sem maiores problemas aliou-se ao velho PFL; o mesmo FHC, na campanha de reeleição em 1998, a despeito de ter Mário Covas disputando o governo de São Paulo pelo PSDB, não viu problemas em aceitar o apoio -posando sorridente para fotos e tudo - do grande adversário do candidato de seu partido naquela ocasião: Paulo Maluf!

Pode-se até argumentar que talvez Lula e o PT estejam levando essa história de alianças e acordos ao paroxismo. Mas ela, com certeza, não é invenção do ex-presidente nem do seu partido. Aos trancos e barrancos, essa geleia geral tem permitido razoável governabilidade, a despeito dos entraves que provoca. Se é errada, o tempo dirá e julgará. E eventual condenação, num ambiente desapaixonado, por questão de justiça não poderá jamais recair somente sobre o Partido dos Trabalhadores e o seu mais importante fundador.


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sábado, 16 de junho de 2012

Profissionais na CPMI

No dia 12.06.2012, prestou depoimento à CPMI do Cachoeira no Congresso Nacional o governador de Goiás, Marconi Perillo, do PSDB. De forma um tanto masoquista, assisti a um trecho. Minha impressão, já naquele momento, foi a de que o goiano não se saíra mal.

Na noite daquele dia, no programa Entre Aspas, da GloboNews, o cientista político José Álvaro Moisés e a historiadora Maria Aparecida de Aquino decretavam: a "performance" de Perillo tinha, de fato, sido relativamente boa.

Minha mulher, sempre irritada com as tucanices do canal do sistema Globo, tripudiou sobre o termo escolhido pelos convidados: "performance". Ora, como assim, performance?, perguntava ela. Por acaso se tratava de um show?

Pois bem. Obtemperei que, infelizmente, tudo talvez não passasse mesmo de um show. Arrisquei, bem no escuro, que o governador deveria ter treinado muito sua participação, ter se reunido por horas com marqueteiros, assessores, especialistas em imagens etc, daí ter conseguido "atuar" bem naquele "palco" montado no Congresso.

No dia seguinte, 13.06.2012, foi a vez de Agnelo Queiroz, do PT, governador do Distrito Federal, enfrentar  os deputados e senadores da mesma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito. Mais uma vez, excelente desempenho (quase disse performance).

Naquela mesma data, em telejornal noturno, dessa feita na RecordNews, o jornalista Luiz Monteiro relata a participação considerada bem-sucedida do governador do DF, surpreendente em razão de Agnelo ser apontado como homem "tímido", com dificuldades de expressão etc. Mas eis que havia explicação: nos dias anteriores, segundo o repórter da Record, o governador havia passado horas reunido com assessores da área jurídica e de comunicações, passando e repassando os temas que poderiam ser motivo de questionamento naquela sessão do Congresso. Confirmava-se, pois, minha suspeita quanto à justificativa para as boas "performances" dos governadores.

Não dá para imaginar "políticos profissionais" sem pensar em "profissionais da política". Estas pessoas debruçam-se sobre os temas, pressentem armadilhas, estudam estratégias; ensinam a aparecer em vídeo, a olhar para a câmera e o uso das palavras certas na hora certa; mostram as situações em que tem que parecer firme, ou fingir indignação, quiçá demonstrar humildade.

De se concluir disso que "pesos-pesados" na política tendem a oferecer muito pouco numa Comissão de Inquérito ou em qualquer outra Comissão importante do Congresso. Horas de ensaio e o envolvimento de, talvez, dezenas de profissionais levam a "atuações" que tendem a propiciar, no mínimo, a simpatia do grosso dos espectadores. A excelência dessas preparações tende, inclusive, a tornar cada vez mais sem graça os já não muito empolgantes debates eleitorais.

Neste quadro, não é descabida a seguinte pergunta: a convocação ou convite de nomes de peso do cenário político para depoimentos em CPIs ainda tem alguma serventia?

A resposta é sim. Serve ao menos para mostrar a correlação de forças. Se figura importante da oposição tem sua convocação aprovada, com o fim de que compareça para prestar esclarecimentos, decerto que se deduz haver ali um tento do governo, dos situacionistas e da base aliada. Depreende-se o contrário quando um bambambã ligado, de algum modo, ao grupo situacionista é chamado a dar explicações. Parece que não muito mais do que isso. Infelizmente.


sexta-feira, 8 de junho de 2012

Ray Bradbury (1920-2012)

Em 05.06.2012 morreu, aos 91 anos, o escritor estadunidense Ray Bradbury. Normalmente classificado como autor do gênero ficção científica, ele poderia, em verdade, estar mais associado à literatura fantástica em geral, com suas histórias de certo nonsense, denunciando de forma sub-reptícia alguma mazela de nosso cotidiano ou explorando nossos temores, alguns deles não muito confessáveis.

Sua principal obra, Fahrenheit 451, é um clássico das distopias, rivalizando com 1984 e Admirável mundo novo, entre outros. O romance, de 1953, insiste em não perder a atualidade e ao longo do tempo vem despertando renovado interesse inclusive em razão da versão cinematográfica de François Truffaut na segunda metade da década de 1960.

Neste nosso espaço, ousamos, em novembro de 2009, fazer uma relação entre o argumento do célebre conto A multidão e o açodamento midiático na exploração de eventos de grande repercussão nacional, normalmente com dissimulados objetivos políticos e anseios partidários, estes absolutamente inconfessáveis.

Colaremos abaixo, na forma de homenagem, aquele post de então, com alguns ajustes. Assim como nos trabalhos de Bradbury, apesar de passado algum tempinho, ele permanece - tristemente - atual.


SÁBADO, 14 DE NOVEMBRO DE 2009
Multidão de especialistas
No conto A multidão, de Ray Bradbury, o protagonista, ao sofrer um acidente de carro, incomoda-se com a rapidez da multidão que, poucos segundos depois, se avoluma em frente ao ocorrido. A personagem principal começa a reparar que o mesmo se dá noutras situações da mesma natureza, o que o leva a investigar o porquê de aparecer com tamanha rapidez uma massa humana de curiosos quando do acidente de automóveis.
No Brasil, em vez da multidão de Bradbury, o que provoca estranheza é o grupo de especialistas que surge em eventos de grande repercussão, como, por exemplo, acidentes de avião. Está certo que, em situação diferente da galera nas batidas de carro, eles só aparecem porque são convidados pelos meios de comunicação, os quais, na primeira hora, estão tão destituídos de informações precisas quanto qualquer do povo. O próprio especialista não sabe de nada, mas, mesmo assim, não abdica de lançar suspeitas (no caso dos mais honestos), ou proferir certezas e vaticínios (quando mais ávidos de minutos de fama) acerca do evento ocorrido.
No conto A multidão, a turbamulta, aproveitando-se do anonimato, e fingindo-se de desentendida, contraria a clássica orientação dos paramédicos e mexe nos acidentados, deixando-os com graves sequelas ou até mesmo os levando a morte. Os especialistas que aparecem nos meios de comunicação em situações de desastres também fazem-se de bobo; porém, de forma diferente da multidão do conto, que tenta se aproveitar da ignorância que em geral se lhe atribui, os experts, por seu turno, valem-se justamente de sua suposta autoridade, servindo, assim - dependendo da natureza do sinistro – como “idiotas úteis” para um ou outro propósito político.
Ressalte-se que não são só os especialistas; costumam lhes fazer as vezes também alguns jornalistas, cheios de opiniões e certezas, mesmo antes de apurados os fatos nos quais estão metendo o bedelho. A multidão do conto a que nos referimos - observa seu protagonista -,quando chega em poucos segundos ao local do acidente, decide se o sujeito vai viver ou se vai morrer. Tem ela, portanto, o que se poderia chamar de “utilidade”. Os especialistas também são, conforme já dito, deveras úteis: servem ao teste de hipóteses a que certa feita se referiu Ali Kamel, o mandachuva do jornalismo da Globo.
O acidente da TAM em 2007, todos hão de se lembrar, era, num primeiro momento, culpa do chamado “caos aéreo”, o que, em última instância, significava que era responsabilidade exclusiva do Governo Federal. Todavia, em tempo razoável, já se sabia que a tragédia tinha outras causas, não diretamente relacionadas com a crise naquele setor. Foi aí que veio o Sr. Kamel desculpar não somente a si próprio mas a imprensa em geral, dizendo que estiveram todo o tempo imbuídos das melhores intenções, pois enquanto persistiam dúvidas, os “patrióticos” meios de comunicação ofereciam, generosamente, “hipóteses” ao público sedento de informações.
No caso do blecaute de 10.11.2009 percebe-se situação semelhante. Como bem observado por Eduardo Guimarães, no Cidadania.com, foi digna de “surpresa” a rapidez com que os jornais conseguiram fechar suas edições, com vasta cobertura de problema ocorrido após às 22 horas do dia anterior. No rádio, poucos minutos depois, já se ouviam os palpiteiros dando ideias do que havia ocorrido, na lacuna das informações oficiais, chegando a responsabilizar os pobres que andam comprando geladeiras e outros eletrodomésticos, graças à isenção de IPI! Alguns deles, sem dúvida, são mais rápidos do que a multidão do conto de Ray Bradbury...!
Uma boa objeção: talvez a culpa seja das autoridades, que, a exemplo do próprio caso TAM, no dia do blecaute demoraram para dar satisfações oficiais do ocorrido. Mesmo dentre os mais equilibrados ou menos críticos ao governo brasileiro, há quem pense que a demora em se pronunciar leva à derrota da comunicação. Trata-se, com efeito, de observação perspicaz e de crítica bastante razoável. Entretanto, é bom ponderar que, diferentemente de jornalistas irresponsáveis e de sabichões empolgados com câmeras e microfones, as autoridades não podem – ou não devem - se dar ao luxo de fazer uso de “achismos” inconsequentes antes da apuração dos fatos.
Há, pois, que se dar um desconto, afinal o governo e seus técnicos, no caso, são como as equipes de resgate em acidentes de carro: muito dificilmente conseguem chegar antes da “multidão”!

Para os interessados: A multidão está presente na seleção de contos O país de outubro, lançada pela editora Francisco Alves em 1981, juntamente com outras dezoito histórias do escritor estadunidense Ray Bradbury, autor do clássico Fahrenheit 451 e roteirista do filme Moby Dick, dirigido por John Huston em 1956.



sábado, 2 de junho de 2012

Mídia ou... Mídia!

Em abril de 2009, este blog publicou uma postagem acerca de bate-boca no Supremo Tribunal Federal envolvendo os ministros Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes, este então presidente daquela Corte. Para entender a polêmica daquela época, clique aqui.


E em semana que mais uma vez Gilmar Mendes não apenas protagoniza caso que ganha a mídia (entenda um pouco aqui), mas ocupa, ele mesmo, muito espaço nos meios de comunicação, convém reproduzir aquele nosso texto de 2009, até porque ele parece, infelizmente, bastante atual. Confira:


DOMINGO, 26 DE ABRIL DE 2009
Mídia ou rua?
Estar nas ruas é uma coisa; estar na mídia é outra. É o que se pode depreender da censura do ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa dirigida ao presidente daquela corte, Gilmar Mendes (o leitor deve ter acompanhado).
Não se tratava de uma mera constatação, mas de uma crítica – por que não dizer um ataque – dirigida ao ministro Gilmar Mendes. Por isso, não nos parece despropositado supor que Joaquim Barbosa quis também dar uma cutucada na mídia. Foi como se ele dissesse que sair às ruas é bom; por outro lado, estar na mídia...
Creio que a assim chamada grande mídia, aquela representada pelas grandes oligarquias do setor, sentiu o golpe, tanto que deixou transparecer alguma simpatia por Gilmar Mendes e não escondeu certa reprovação (quem são eles?) por Joaquim Barbosa.
Não é caso de se entrar no mérito da questão que se discutia naquela sessão – que isso fique para os juristas e para as partes envolvidas na pendenga. Mas é bom ver se realmente a pobre da mídia merecia mesmo ter sido chamada a protagonizar tão áspero diálogo na mais alta instância do Poder Judiciário brasileiro.
Apenas um fato já seria suficiente para dar razão a Barbosa na sua indireta crítica aos meios de comunicação. E ela vem justamente da falta de ressonância de uma ousadia do ministro contra o presidente do Supremo. Ele disse qualquer coisa a respeito de capangas do Mato Grosso. Por que a mídia não foi atrás de saber do que se tratava, perguntou um atônito Luciano Martins Costa noObservatório da Imprensa. Não se trata de prejulgar nem de levar a sério a insinuação de Joaquim Barbosa; mas seria aplicação do bom jornalismo correr atrás de fatos e desnudá-los para que o cidadão que acompanha o caso não ficasse, digamos, “boiando”. Reparemos que, em virtude disso, o sempre sarcástico Mino Carta sugeriu que a revista que edita deve figurar entre as leituras de Barbosa!
E a mídia e as ruas, como ficam? Ora, basta ver os resultados das eleições presidenciais de 2002 e 2006; se não for o bastante é só acompanhar o índice de popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva: de fato, o descompasso entre mídia e rua é algo colossal, não?
Mas é claro que não se quer que a mídia (os formadores de opinião) tenha sempre posições que sigam as ruas, afinal não nos esqueçamos do maciço apoio popular de que gozava o nazismo na Alemanha, por exemplo, ou, em nível doméstico, lembremo-nos de como tende a se posicionar a população em relação a questões de direitos humanos. A sugestão seria que, para a mídia, estar nas ruas é fazer jornalismo de verdade, relatar fatos, não editorializar matérias, pautar-se pelo máximo equilíbrio possível, tomar partido se for o caso, mas de forma clara e de maneira honesta com o leitor - em suma, é basicamente seguir os manuais de redação da maioria dos órgãos!
Mas, para finalizar, as ruas bem que poderiam fazer uma observação e emendá-la a uma pergunta: não há, em princípio, maiores problemas no fato de o presidente do STF aparecer muito na mídia, afinal ele é pessoa pública e suas opiniões bem podem ser de grande interesse; mas, pergunta-se, por que ele tem tanto espaço na mídia? O que o leva a aparecer mais do que os presidentes anteriores? Deve haver alguma resposta – e pode até não haver nada de mais nela. Mas “as ruas” mereceriam saber...