sábado, 28 de novembro de 2009

Não ouça a música, não veja o clipe, não compre o disco!

Um dileto amigo, leitor e comentarista de forma esporádica deste blog, recomendou-me um polêmico videoclipe de um grupo de rock alemão, exortando-me a escrever sobre o assunto neste espaço. Trata-se de clipe da canção denominada “Pussy”, da banda Rammstein.

O som é na linha de rock meio industrial, tão sem graça que me obrigou, em respeito aos alemães, a tirar a poeira dos meus velhos discos do Can, este, sim, uma glória para o rock germânico.

Porém, o meu amigo, penso eu, não queria tanto que eu avaliasse a música; ele pretendia que eu só assistisse ao vídeo mesmo. No e-mail que me encaminhara, avisava-me que a peça seria pornográfica e que eu tinha que ser rápido para apreciá-la, antes que a censurassem.

Com efeito, depois de um mês, quando resolvi dar uma olhada no YouTube, o videoclipe já estava devidamente limado, com cores fortes, “estouradas”, borradas nas cenas que – não foi difícil deduzir – poderiam mostrar as imagens mais “pesadas”.

Antes de mais, lembremos que o recurso a imagens de conteúdo erótico não é muito raro nos clipes: mulheres bonitas e provocantes, roupas sumárias, homens chegando junto, sugestões de sadomasoquismo e coisas do gênero. Sem as imagens pornográficas, o vídeo do Rammstein parecia apenas mais um dessa mesma linhagem.

Porém, na maior curiosidade, com alguma pesquisa, não foi difícil encontrar o site oficial da banda, onde pude acompanhar o trabalho sem cortes e sem truques. Os maiores de idade que se arriscarem a fazer a busca terão facilidade em achar a peça. Antes que me perguntem, já vou dizendo que, exceto pela curiosidade, não vale a empreitada.

Pois bem. Depois de muitas insinuações, já nos segundos finais da canção, é que aparecem as tais imagens de conteúdo pornográfico. Como pornografia, entenda-se, neste caso, a exposição de genitálias desnudas. Como certa feita bem disse a sexóloga Marta Suplicy, os filmes de sexo explícito, em sua maioria, condiriam mais com a verdade se fossem denominados de “filmes de genitais explícitos”. De fato, é por demais surpreendente que um vídeo de rock - peça de divulgação por excelência nesses tempos em que imagem é tudo - radicalize de tal maneira, mostrando os genitais de seus integrantes “dividindo a cena” com os genitais e outras partes do corpo de atrizes especialmente (imagino!) convidadas para a difícil tarefa.

Tudo isso tem a ver com o fluxo do tempo, a mudança de mentalidades, o embate do velho e do novo, os costumes que se substituem ou se sobrepõem. O chocante de hoje será o normal, quiçá o “natural”, de amanhã. Enfim, todo aquele blá-blá-blá que cansaria os raros mas exigentes leitores desta página.

A propósito, dia desses recordava da sessão de cinema brasileiro chamada “sala especial”, sucesso na TV Record em meados dos anos 1980. Qualquer homem com mais de 30 deve se lembrar da expectativa para que se chegasse a sexta-feira para assistir, escondido, ao filme que, não raro, em quase duas horas talvez mostrasse três ou quatro imagens fugidias de maior apelo erótico. Era um must para todos os garotos daquela época! Atualmente, qualquer novelinha da Globo está recheada de cenas mais picantes do que as apresentadas naquelas películas dirigidas por gente como Alfredo Sternheim, David Cardoso, Aníbal Massaini Neto, entre outros.

Conta-se que, também na década de 1980, uma série da Globo chamada “Amizade Colorida”, com Antônio Fagundes, teve sua exibição autorizada somente para depois das 22 horas, em virtude de sua temática adulta. Porém, quando da retrospectiva de 30 anos da emissora carioca, episódios do programa foram exibidos no período vespertino! Que me lembre, não houve nenhuma comoção a respeito.

Tudo isso para dizer que não tarda o tempo em que se travarão polêmicas acerca da exibição de cenas de sexo explícito em alguma novela ou em algum filme de Hollywood. Da mesma forma que um dia causou espécie um simples beijo de Vida Alves e Walter Forster, chegará o momento em que vozes contra e a favor certamente se levantarão acerca da primeira vez em que se mostrará, com riqueza de detalhes, a conjunção carnal de dois namoradinhos do Brasil – ou dois rostinhos bonitinhos da América - em um folhetim da Globo ou, melhor ainda, da Record do bispo Macedo, ou em alguma produção cinematográfica “séria” norte-americana.

E a expansão da TV por assinatura e da internet tende a ajudar na antecipação desse processo. A TV aberta, como exemplo de mídia velha e ultrapassada, talvez fique com as cenas mais light, enquanto a TV fechada e a rede mundial de computadores trariam, aos que se predispusessem a pagar, os trechos mais quentes não mostrados na concessão pública.

Vendo por esse prisma, o videoclipe dos alemães do Rammstein pode ser considerado inovador e verdadeiramente revolucionário, a despeito de ser uma bela de uma porcaria. Como diria o meu amigo Clichê dos Chavões: “só o tempo dirá”!

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