Nesta semana, o MST realizou protestos em várias partes do país.
A marcha cometida em São Paulo provocou a ira do pessoal da Band.
Por dois dias seguidos, o canal BandNews destacou a confusão que as manifestações do MST teriam causado no trânsito de São Paulo.
Nas reportagens, foi dado destaque ao fato de que a marcha atrapalhava o acesso a hospitais. Alguns motoristas entrevistados pela emissora corroboravam a preocupação com a necessidade de se ter caminho livre para as casas de saúde da cidade.
É uma verdadeira pilhéria!
Todos sabem muito bem que o trânsito da capital paulista já é caótico todos os dias, com ou sem manifestações. É sabido também que as áreas que concentram hospitais não raro possuem tráfego intenso de veículos, o que é elemento dificultador para a chegada das ambulâncias ou de parentes que vão fazer visitas. A mídia superestima muito a burrice do telespectador quando sugere que ele é incapaz de observar trivialidades, como, por exemplo, essa de que o trânsito paulistano é horroroso em quaisquer circunstâncias. Ou será que eles acreditam que o idiota que está do outro lado vai achar que só há congestionamentos em São Paulo quando há manifestações de trabalhadores?
Com efeito, é cena comum na Avenida Paulista, por exemplo, ouvir o “grito” intermitente de sirenes de ambulância tentando, sem grande sucesso, furar o bloqueio de centenas de veículos particulares parados no trânsito, veículos estes que, em mais de 90% dos casos, carregam apenas o seu condutor.
A “satanização” dos movimentos sociais já é uma velha conhecida de todos que acompanham a mídia brasileira. E nada melhor do que usar algum apelo “sentimentalóide” para tentar desqualificar as manifestações de grupos organizados. É claro que demonstrar preocupação com vias livres para se ter acesso a hospitais passa a imagem de que não se está querendo criminalizar o movimento, mas sim que se está, em última análise, defendendo uma espécie de preocupação humanitária com quem precisa usar os serviços de saúde. Me engana...
Mas qual seria, amigo leitor, o impacto de reportagens do tipo, se mostrassem algum caso de pessoas que ficaram sem atendimento médico por não ter conseguido chegar a hospitais não por culpa do MST, mas sim em virtude de não ter podido, num dia qualquer, abrir, como por milagre, o caminho tomado por veículos particulares de um único ocupante?
Interessante observar que os motoristas entrevistados repetiam a mesma preocupação, falando mais ou menos assim: “o problema não é me atrapalhar, mas é atrapalhar aqueles que precisam ir para os hospitais”. É muita cara-de-pau! É de se presumir que os que realmente estejam preocupados com isso talvez usem menos o automóvel, para não atrapalhar o trânsito, e, especialmente, evitem trajetos que devam ser usados preferencialmente como acesso a hospitais. Aparentemente, não era o caso daqueles que foram entrevistados!
Despertou curiosidade também o distanciamento com que falavam dos manifestantes. Os integrantes do MST eram os “eles” (“eles” isso, “eles” aquilo, "se 'eles' querem tal coisa..."). Trata-se, com efeito, de uma falta de interesse e identidade com a causa, que reforça a dualidade brasileira tão bem trabalhada por teóricos das ciências sociais sobretudo a partir dos anos 1950. De fato, não seria absurdo, para descrever a mencionada falta de solidariedade, abusar de clichês como o dos “dois brasis”, “arcaico x moderno”, “agrário x industrial”, “atrasado x dinâmico”, e por aí vai. O pensamento da turminha da Band e dos motoristas paulistanos é o do que “eu não tenho nada a ver com a causa desses caras, por que tenho que pagar o pato?”.
De fato, o Brasil dos sem-terra não parece ser o mesmo da São Paulo tomada de carros. São outras as preocupações e anseios de São Paulo, cidade onde tudo é de pedra, inclusive os corações. Apesar de que os corações até que dão uma amolecida às vezes, principalmente quando algum malvado atrapalha a chegada aos hospitais!
Não é sobre liberdade (e eles sabem disso)
Há 5 semanas
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