segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Meus 70 e poucos anos

Nos últimos tempos, vem causando agradabilíssima surpresa o posicionamento, não raro de cunho radical, de alguns setuagenários historicamente ligados à linhagem mais conservadora da sociedade brasileira. (Agradabilíssima, bem entendido, para este escriba. Para alguns amigos, vem provocando estranheza mesmo!).

Há alguns anos, Cláudio Lembo, então governador do estado de São Paulo, na crise do PCC, desancou, em entrevista à Folha, o que chamou de minoria branca brasileira.

Recentemente, o ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira fez elogios rasgados ao perfil democrático do presidente Lula e, causando maior espécie, teve posicionamento equidistante – o que é quase o mesmo que defender - ao sempre demonizado MST.

Em entrevistas, além de em artigos, o também ex-ministro Adib Jatene defendeu aumento na cobrança de impostos, opondo-se, assim, a velho dogma da direita e das classes média e alta, mesmo que não necessariamente de direita.

Por fim, Delfim Netto brada aos quatro cantos para que se reconheça a superioridade do governo Lula em relação aos que lhe antecederam, especialmente em virtude de suas políticas inclusivas.

Delfim, hoje filiado ao PMDB, foi da ARENA e integrou os governos militares; Lembo pertence ao DEM, esteve ligado a figuras polêmicas como Paulo Maluf e Jânio Quadros; Jatene, além de ter sido idealizador da CPMF no governo de Fernando Henrique Cardoso, foi ministro de Collor e secretário de Paulo Maluf.

De todos, talvez Bresser seja o que mais se entristeceria de estar, aqui, sendo qualificado como homem conservador, haja vista já ter se autodenominado de centro-esquerda e por ter, indubitavelmente, maiores ligações históricas com as forças democráticas. Em todo caso, foi partícipe dos governos de José Sarney e de FHC, ambos muito longe de poderem ser classificados como progressistas.

Impossível não se lembrar da famosa (infame?) frase de Willy Brandt: “Quem aos 20 anos não é comunista não tem coração; e quem assim permanece aos 40 anos, não tem inteligência”. Com os nossos amigos Lembo e companhia limitada, porém, parece que a coisa se deu de forma inversa: tinham muita "cabeça" aos 20, mas agora, não aos 40 mas aos 70, são só coração!

Não se trata, evidentemente, de comunismo, palavra que está por demais surrada. Por outro lado, dá para se falar de “direita” e “esquerda”.

O filósofo Norberto Bobbio, poucos anos após a queda do Muro de Berlim, tentou avaliar a sobrevivência e o significado da polarização entre direita e esquerda, em livro lançado no Brasil pela Editora Unesp, em 1995, intitulado justamente Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política. Bobbio expõe conceitos fundamentais para se entender a recolocação da velha dicotomia. Dentre os mais importantes está o de “igualitarismo”:

(...) o elemento que melhor caracteriza as doutrinas e os movimentos que se chamam de “esquerda”, e como tais têm sido reconhecidos, é o igualitarismo, desde que entendido não como a utopia de uma sociedade em que todos são iguais em tudo, mas como tendência, de um lado, a exaltar mais o que faz os homens iguais do que o que os faz desiguais, e de outro, em termos práticos, a favorecer as políticas que objetivam tornar mais iguais os desiguais. [2ª edição, p. 125]

Penso que quem ler as entrevistas e artigos indicados das personalidades citadas neste post perceberá a preocupação - ainda que não manifesta - com a questão da igualdade, seja na forma de propostas para minimizá-las, seja na defesa do uso de mecanismos corretores da perversa desigualdade que marca o Brasil. Neste sentido, devidamente agasalhado pelo teórico italiano, os nossos amigos estão parecendo velhos militantes da esquerda!

Muitos podem não levar tão a sério o que dizem e até mesmo pensar que eles possam estar fazendo “tipo”, ou, o que é pior, avaliar que não dá para confiar em “figuras” como essas. Todavia, o efeito da fala deles, em nossa opinião, não deve ser negligenciado, pelos seguintes motivos: elogios às bem-sucedidas políticas de transferência de renda do governo Lula feitas por seus correligionários já seriam esperadas, passando despercebidas mesmo que muito bem fundamentadas; "desabafos" como o de Cláudio Lembo, se feitos por políticos de esquerda, seriam – não tenho dúvidas – tachados de fascistas; comentários “simpáticos” ao MST, normalmente classificados como defesa do “terrorismo”, se ouvido de um Bresser-Pereira, ao menos ganha alguma atenção; e, finalmente, a antipática bandeira na defesa de cobrança de impostos, quando corajosamente empunhada por políticos de esquerda, só ganha espaço na mídia se for com o objetivo de satanizá-los.

Já os senhores Lembo, Jatene, Bresser e Delfim, com seus mais de 70 anos de idade, não têm que ficar dando muitas satisfações a ninguém, tampouco se preocupar com as "terríveis" repercussões de suas falas. Justamente por isso, vale bem a pena prestar atenção ao que dizem.

Um comentário:

Érico Cordeiro disse...

Muito arguta a sua análise, IendiS.
Vindo de quem vem, as palavras desses septuagenários - alguns deles são verdadeiras instituições do conservadorismo - sugerem que o governo Lula não é nem de longe essa Grande Satã que pinta o PIG (aliás, o povo também não parece ter comprado essa versão disseminada pela imprensa conservadora).
Abração!!