A política vive de coisas sérias e de coisas banais; de
conceitos filosóficos e sabedoria popular; teorias rebuscadas e frases feitas.
Duas delas (não sei classificar se “lendas”, “teorias” ou seja lá o que for)
são relevantes para entender o Brasil contemporâneo.
Do Brasil se dizia há algum tempo que havia um chamado
efeito “pedra no lago”: algumas pequenas ondas se formavam no "centro", por meio
de formadores de opinião e de gente bem informada e articulada, tipicamente de classe média para cima, e iam aos poucos
atingindo as "margens", ou seja, um público supostamente mais desinformado, pouco
politizado, menos instruído, invariavelmente formado pelos mais pobres.
No Brasil ganhou corpo também o famoso bordão “é a economia,
estúpido”. Sacado pelo marqueteiro James Carville, da equipe do então candidato Bill Clinton, quer dizer que, no fundo, o cidadão vai sempre se deixar guiar, em suas
decisões e avaliações políticas, pelo quadro econômico, pelo bolso.
Da “pedra no lago” se chegou a decretar o fim. A reeleição
de Lula, em 2006, parecia mostrar que grandes movimentos de classe média urbana
e escolarizada, com apoio ostensivo da mídia, já não detinham mais a
capacidade de levar o povão na lábia.
E as ondas não chegavam às margens justamente porque “é a
economia, estúpido”! O bem-estar econômico era, por assim dizer, um dique que segurava as ondas.
Como bem demonstrado por André Singer em “Os sentidos do
lulismo”, Lula foi reeleito em 2006 praticamente com a mesma votação de quatro
anos antes, contudo graças a eleitores de perfil extremamente divergente
daquele que votara nele no pleito anterior. O motivo era simples: conservador,
o (muito) pobre brasileiro quer segurança, nada de aventuras, e se possível uma
melhorazinha de vida. Passado o primeiro mandato, Lula, que historicamente assustava os muito pobres e conservadores, mostrou-se perfeito: não promoveu mudanças de fundo
na sociedade nem na economia, mas implementou e incrementou políticas que
melhoraram significativamente a vida de um segmento historicamente abandonado. Um "reformismo fraco", diz o eminente cientista político e ex-porta-voz do governo
Lula, garantiu ao metalúrgico o apoio massivo dos mais pobres.
A direita brasileira entendeu - mas não aceitou - as duas
coisas: apresentava dificuldades de acreditar que o povo insolentemente não se deixasse levar pela
ilustrada pregação antipetista diuturna, geralmente de caráter moralista, com o
tema da corrupção à frente; e consciente de que a situação econômica era o que
garantia a fidelidade ao petismo, os simpatizantes da direita lamentavam,
cínica e preconceituosamente, o fato de as pessoas, segundo elas, votarem com o estômago e com tamanha
mesquinhez!
A avassaladora crise internacional e um possível esgotamento
do modelo baseado no mercado interno e inclusão social tenderiam já a trazer
adversidades para a economia brasileira, revelando, assim, dificuldades para o segundo mandato de Dilma Rousseff. A coisa, porém, foi ganhando azedume com a operação Lava Jato.
A direita brasileira, como dissemos, entendeu muito bem o
que vinha acontecendo no País. O moralismo hipócrita e seletivo típico da UDN
está presente nos estratos médios, de modo que, dele, não se abre mão. Mas
martelar histórias de corrupção, com economia bombando, renda crescendo e
emprego em alta, não tem apelo popular. E mais: independentemente da situação, seria como se o tema tivesse que ser explorado - contra os adversários, claro - nem que fosse por uma
questão de honra.
A operação Lava Jato, porém, não mexe só com os ódios e
medos da corrupção. Ela também afeta a economia, pois no escândalo estão
envolvidos a maior de nossas empresas de economia mista e grande parte do PIB nacional, trazendo um inexorável relaxamento dos
espíritos empreendedores do País.
A Lava Jato, portanto, vem com grande força moralizadora (e de forma
seletiva, como tem ocorrido em outros escândalos do País), ao mesmo tempo que mina forças da
economia brasileira. Convenhamos: não parece haver coisa melhor para quem
apostava no discurso da corrupção como arma política, mas sempre via ele ser barrado
pela sensação de bem-estar do povão.
Com a economia mais devagar, estúpido, não tem jeito: as ondas no lago
acabam inevitavelmente chegando até os que estão à margem!
Se eu acreditasse em teorias da conspiração, diria que a
Lava Jato foi realmente pensada para fazer a ligação das duas coisas. E se estamos no campo das comparações e metáforas, ela é a
tempestade perfeita que a direita tanto esperava.