sábado, 7 de novembro de 2009

Vestidinho

O caso da moça hostilizada na Uniban, em São Bernardo, por estar usando um vestido curto provocou bastante polêmica e deixou muita gente perdida, sem conseguir dar explicações ou compreender o que de fato ocorreu.

Quando acontecem situações do gênero, não tarda a aparecer quem tenta dar explicações psicológicas ou sociológicas para o fato. A principal dificuldade, porém, é a falta de informações precisas de como o evento realmente se desenrolou.

A sugestão mais óbvia é a de que houve o chamado “efeito manada”: dois ou três começaram a agredir a garota, no que foram acompanhados por uma horda que não sabia exatamente o que estava fazendo, estimuladas pelo semianonimato. Se isso, por um lado, é uma espécie de desculpa, por outro, expõe a fragilidade de nosso sistema educacional, uma vez que seria de se esperar que a universidade fosse justamente um espaço de incentivo ao desenvolvimento do pensamento crítico e independente, não sendo lugar onde se conseguisse, com tanta facilidade, mexer com instintos primários de turbas enfurecidas.

Mas, conforme já dito, fica difícil uma análise que não seja exageradamente rasteira, quando não se tem certeza de como tudo começou, quem iniciou e por que o fez. Por outro lado, as justificativas oficiais e algumas opiniões esparsas, pescadas aqui e ali, dão mais o que pensar.

A própria escola, acompanhada por diversas opiniões independentes, acusou a aluna do curso de Turismo de estar vestida de forma inadequada, tendo sido, em última análise, a responsável pelo próprio infortúnio.

Trata-se de argumento fragílimo. E perigoso. Da mesma raiz daqueles que – absurdo dos absurdos – já tentaram justificar casos de estupro sob a alegação de que mulheres sensuais, no fundo, lhes dão causa! Mas, a favor dos que defendem tal ponto de vista, tomemos como verdadeira a premissa de que a moça poderia ter tido um pouco mais de “noção” e não ter ido à escola com a mesma roupa com que iria a uma festa. A partir daí, o assunto passa a ganhar uma dimensão ética e, por que não dizer, política.

A questão envolve temas como Estado de Direito, republicanismo, princípio democrático. Afinal de contas, na Uniban existe vedação para o uso de vestidos ousados? Se não existe, nada poderia ser cobrado da moça; se existe, ela deveria ter sido proibida de adentrar o campus. Simples assim.

Pertinente ressalva seria aquela que dissesse não ser necessária a norma positiva para que certas medidas de civilidade sejam “naturalmente” tomadas por cada um de nós. Poderia ser o caso: mesmo sem a regra, a garota deveria, conforme esse ponto de vista, ter tido um pouco de “semancol”. Ora, mas segundo relatos bastante verossímeis, não foi a primeira vez que a estudante usou roupas ousadas na Uniban. Fosse de fato reprovável a sua conduta, a universidade deveria tê-la ao menos advertido na primeira oportunidade. Além disso, foi afirmado também que outras alunas da instituição costumam, de quando em vez, usar vestimentas não muito compridas, sem também, ao que tudo indica, sofrer censuras ou sanções.

Não dá, portanto, para aceitar justificativas da escola e de seus funcionários, tentando passar para a vítima a responsabilidade de sua “má sorte”, insinuando que ela é que “procurou”. Ao contrário, isso só piora as coisas para a instituição, dando a entender que foi omissa e licenciosa.

O problema para os analistas, portanto, volta à estaca zero: se a mocinha já havia usado curto por lá e se outras garotas daquela escola costumam, da mesma forma, usar roupas mais “prafrentex” sem nunca terem sofrido hostilidades, o que explica, então, o absurdo caso envolvendo aquele grupo de futuros profissionais brasileiros?

P.S. Na semana da morte de Claude Lévi-Strauss é de se refletir sobre o ponto a que chegou a universidade brasileira. O antropólogo ajudou a criar o que deveria ser o ensino superior brasileiro, quando foi dos mais notáveis partícipes da formação da Universidade de São Paulo. Como homem do campo da educação e na qualidade de estudioso da cultura e das humanidades, é de se presumir que o cientista social, morto aos 100 anos, ficaria por demais chateado com o caso da garota da Uniban.

4 comentários:

Pablito Barros disse...

O vestido nem era curto, muito menos ousado. Esse caso está muito mal contado, tem coisa por trás aí, que eu não atrevo a especular.

iendiS disse...

Pablito, meu caro, o risco de você estar certo não é nada desprezível. Foi estranho demais.
Abraço!

Pablito Barros disse...

Acabou de sair um comunicado da UNIBAN. A aluna foi expulsa.

iendiS disse...

A expulsão da moça, fato só conhecido após a postagem deste, revela que o problema educacional, que, conforme colocado em nosso "post-scriptum", entristeceria Lévi-Strauss, ainda é pior do que imaginamos. Se é que dá mesmo para associar essa "empresa" com educação...