sábado, 17 de abril de 2010

A primeira semana de 2010

Com o lançamento da pré-candidatura do tucano José Serra, quase dois meses após do da petista Dilma Rousseff, o quadro das eleições presidenciais de 2010 definitivamente fica mais induvidoso, com a possível repetição da polarização - PT e PSDB - que marca a política nacional desde 1994.

Mais do que nunca, a mídia se destaca como figura importante, atuante, da pendenga. Dessa feita, a afirmação não parte das constatações de analistas independentes ou de políticos ligados à esquerda ou à base de Lula, mas da própria presidente da ANJ (Associação Nacional de Jornais), Maria Judith Brito, que admitiu, sem qualquer cerimônia, que a imprensa atua como um "partido de oposição". Confira a declaração dela, com os nossos grifos:

A liberdade de imprensa é um bem maior que não deve ser limitado. A esse direito geral, o contraponto é sempre a questão da responsabilidade dos meios de comunicação. E, obviamente, esses meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada. E esse papel de oposição, de investigação, sem dúvida nenhuma incomoda sobremaneira o governo.

A confissão da presidente da ANJ apenas reforça o que todos no fundo já sabiam. Agora, que a campanha já começou, já dá para perceber a tônica de como a disputa se dará (aparecerá) na mídia: crítica virulenta ao governo Lula, esforços para tornar negativa a agenda da candidata Dilma e, por fim, simbiose entre imprensa e candidato da oposição.

Peguemos alguns fatos (ou factoides) da semana e sua divulgação (análise) nos meios de comunicação.

Quem ignora quem?
A Folha de São Paulo, em 14.04.2010, veio com a seguinte manchete: "Obama ignora Lula e pede sanções imediatas ao Irã". A chamada principal de O Estado de São Paulo na mesma data foi "Obama ignora Lula e mantém pressão por sanções ao Irã". As manchetes quase idênticas, além de darem uma boa pista da "diversidade" no império midiático, comportam uma dificuldade para os diários paulistanos, genuínos depositários do complexo de vira-latas brasileiro, na feliz expressão de Nelson Rodrigues.

Com efeito, levando em conta que temos um presidente da República não raro admoestado nos editoriais dos mesmos jornalões por sua soberba, sempre convidado a lembrar-se de nossa desimportância, fica estranho de repente incluí-lo entre os que tiram o sono do chefe de Estado mais importante do mundo, mandatário-mor da nação mais influente do planeta. Se Lula é somente um megalomaníaco a quem ninguém dá ouvidos, por que justo o Obama esquentaria a cabeça com ele, ainda que fosse para ignorá-lo, a ele se opondo? Mais sensato, parece-nos, seria a nós dispensar a indiferença com a qual toda a vida nos acostumamos.

A melhor leitura do caso parece ter sido a do historiador Gilberto Maringoni, que em depoimento ao sítio Carta Maior sugeriu que seria mais prudente a inversão das manchetes da Folha e do Estadão para algo do tipo "Lula ignora Obama e mantém negociações com o Irã". Em nossa opinião, Maringoni mandou bem e venceu o jogo no próprio campo dos principais jornais de São Paulo. Afinal, como ser crítico feroz da política externa do governo Lula reconhecendo de forma tão categórica a importância internacional das posições adotadas pelo País?

Ah, só para lembrar, os principais críticos do governo Lula, incluindo a mídia, depositam esperanças na possibilidade de que a oposição, se vitoriosa, mude os princípios independentes e assertivos da atual política externa brasileira.

O "problemão" de Dilma
No mesmo 14.04.2010, o Estadão avisa que Dilma tem problemas com alianças em 15 estados da Federação, o que atingiria, pela conta do jornal, 63% do eleitorado brasileiro. Sabe a que se resume o problema da candidata do PT, caro leitor? Ao excesso - isso mesmo, "excesso" - de palanques!

Acredite se quiser, amigo (e)leitor: o que talvez fizesse Serra abrir alguns de seus raros - e pouco francos - sorrisos é, segundo o centenário jornal paulistano, um problemão para a candidata Dilma. Deve ser verdade. Já imaginaram se a ex-ministra tiver que, na mesma semana, visitar o candidato a governador X às segundas, quartas e sextas, e nas terças, quintas e sábados precisar subir ao palanque com o candidato Y, ferrenho adversário de X? Que confusão! Imagina a ciumeira entre eles!

Como bem definiu o deputado federal Brizola Neto (PDT-RJ) em interessante postagem em seu blog, trata-se de um caso de wishful thinking do Estadão, ou seja, vejo as coisas na ótica que entendo ser mais favorável para mim ou como gostaria que elas se revelassem. Na dura realidade, porém, o excesso de aliados nos estados não é problema de Dilma Rousseff; a falta deles é que é para Serra.

O que foi que você disse?
O dia 14.04.2010 parece ter sido profícuo no discurso unificado da imprensa. Na mesma data, dessa vez na Folha, o colunista Fernando Rodrigues comenta a polêmica, disseminada na mídia, sobre frase que, aliás, não foi dita por Dilma Rousseff. A petista, em discurso no ABC paulista, falou generalidades acerca de não abandonar a luta. Alguns interpretaram como críticas aos que se exilaram durante o período militar, como é o caso de Serra. Pior do que isso, a mesma Folha transcreveu incorretamente o que disse a ministra, incluindo trecho sobre exilados em sua fala, o que de fato não ocorreu.

O mais interessante, porém, foi Rodrigues puxar a orelha da petista, buscando ensinar-lhe que, em política, "tudo o que precisa ser explicado não é bom". Acrescentou que "Dilma Rousseff tem se explicado muito". Teorizou que "são apenas sinais da inexperiência de Dilma quando se trata de ficar sob a tensão de uma campanha".

Rodrigues deve estar de brincadeira. Brincadeira pior do que quando, no programa Roda Viva com Protógenes Queiroz, sugeriu que agentes secretos deveriam fazer seu trabalho revelando a identidade! A questão é simples: Dilma precisa se explicar muito porque dela são cobradas explicações, inclusive sobre fatos inverídicos. Suas falas "reais" não revelam inexperiência em campanhas; somente são frases fortes que chamam, naturalmente, a atenção na mídia, que quer a ela impor uma agenda negativa a todo custo - e não é de hoje, diga-se. À candidata, nada resta senão apagar os incêndios, os quais a muitos sequer deu causa. Não é justo, mas é assim que as coisas funcionam. Infelizmente.

Do outro lado, do candidato José Serra não são cobradas explicações. Por exemplo, o que fez a imprensa quando o governador soltou os cachorros para cima de repórter da TV Brasil que lhe fez pergunta incômoda numa coletiva de imprensa? Absolutamente nada. Ora, seria o caso de tentar ver se a sua defesa da liberdade de imprensa, cantada em prosa e verso inclusive no lançamento de sua candidatura, é para valer mesmo ou se, em caso de ser eleito, os jornalistas terão que lhe fazer apenas as indagações que lhe agradem.

Em resumo, não é Dilma que tem tido de se explicar muito. É Serra que não tem explicado nada.

Pitta estava para Maluf como Kassab está para Serra
Serra, como é de todos sabido, é o candidato da oposição mas, esquizofrenicamente, não quer fazer oposição a Lula. Vai entender...! Aposta tudo na comparação de sua biografia com a da ex-ministra. Ademais, ele está no melhor dos mundos, pois enquanto preserva o presidente brasileiro, seus jornalistas amigos trabalham arduamente para não somente fazer balanços negativos do governo como, especialmente, esconder os dados positivos, dentre os quais, a criação recorde de empregos no primeiro trimestre. É um bate-bola perfeito!

Vejamos a que ponto chega a tentativa de fugir do debate de projetos. Em entrevista à rádio Bandeirantes, para fustigar a candidata "desconhecida" do presidente mais popular da nossa história, o ex-governador valeu-se do exemplo do falecido Celso Pitta, o fracassado ex-prefeito de São Paulo, um "estranho" que se elegeu no vácuo da boa avaliação de Paulo Maluf. Serra, ainda por cima, aproveitou a ocasião para elogiar a administração de Maluf, concluindo que nem sempre a criatura repete o criador.

Primeiramente, observemos que boa parte das declarações na política não é feita de forma tão desinteressada. Com a simpática referência a Maluf, Serra pretende, num primeiro momento, reforçar a imagem positiva que vem obtendo junto ao eleitorado mais conservador, às vezes até de extrema-direita. No vale-tudo eleitoral, não dá para dispensar os velhos entusiastas do "rouba-mas-faz" e coisas do gênero; e não importa que tenham, Serra e Maluf, militado em lados opostos durante as respectivas trajetórias políticas. Todavia, não é isso o mais intrigante nesse caso.

O curioso, sem dúvida, é que Serra também tem o seu "Pitta". E o mais interessante é que se trata de um homem que foi, ironicamente, secretário de planejamento justamente do falecido ex-prefeito. Estamos a falar, é claro, do atual prefeito paulistano Gilberto Kassab. Político pouco conhecido, de partido sem grande representatividade em São Paulo, Kassab herdou a prefeitura porque Serra, descumprindo promessa de campanha, a abandonou para disputar o governo do estado. Já para a sua reeleição, o alcaide contou com o apoio velado de Serra, que traiu naquela feita o candidato Geraldo Alckmin, num dos mais notáveis casos recentes de cristianização na política brasileira.

Fosse mais corajoso, Serra esqueceria Maluf e Pitta. Para acusar Dilma de "poste", falaria de si mesmo e de Kassab.

Pelo jeito, em sua campanha, o presidenciável do PSDB não se esconderá somente de FHC. Decerto também dará uma de desentendido no caso do implacável Gilberto Kassab. Uns dirão que é deslealdade; outros, cautela.

sábado, 3 de abril de 2010

É claro que é política!

O Governo de São Paulo acusa a greve do professorado do estado de possuir viés político. Nisso é acompanhado por colunistas da mídia e por importante parcela dos "opiniões formadas", ou seja, seus devotados leitores.

Ora, mas é claro que a greve dos professores de São Paulo é política! Em última análise, qualquer movimento paredista no seio do funcionalismo público tem, sim, cunho político. Afinal, está-se a exigir salário ou melhoria de condições de trabalho de um órgão político, de alguma instância governamental comandada por um político e assessorada por políticos.

Impossível não pensar no clássico poema "O Analfabeto político", de Berthold Brecht, de que destacamos trecho:

O pior analfabeto
É o analfabeto político,
Ele não ouve, não fala,
nem participa dos acontecimentos políticos.

Ele não sabe que o custo de vida,
o preço do feijão, do peixe, da farinha,
do aluguel, do sapato e do remédio
dependem das decisões políticas.

É isso aí! Poder-se-ia acrescentar que o salário dos que ensinam nossas crianças e as condições das escolas em que elas estudam dependem, também, de atos daqueles que exercem cargos políticos, ou seja, de suas "decisões políticas".

Lembremos que mesmo em greves no setor privado, dependendo do contexto histórico, podem ser enxergadas implicações políticas. Vide as famosas greves dos metalúrgicos do ABC paulista, durante o regime militar, com vários de seus líderes enquadrados na famigerada Lei de Segurança Nacional.

Como o momento é de corrida sucessória, corre-se a afirmar que a paralisação dos professores pretende, antes de atender às demandas da categoria, interferir no processo eleitoral (o qual, diga-se, nem começou para valer). Acerca disso, aliás, o PSDB, o DEM e o PPS entraram com representação contra a APEOESP no Tribunal Superior Eleitoral por "contrapropaganda" eleitoral - seja lá o que isso queira dizer.

Aceitemos que, além da implicação política óbvia de movimento grevista de servidores públicos, possa haver também uma componente especificamente eleitoral na greve dos professores. Ora, isso não nega - sequer diminui - o fato de o estado de São Paulo pagar alguns dos piores salários para professores e apresentar dos piores índices de qualidade de ensino do Brasil. São Paulo, nos últimos anos, não vem reajustando o salário do professorado, sequer aplicando os índices de inflação oficial (prática, ademais, que vem sendo estendida a outras categorias de servidores estaduais, como é o caso dos serventuários da Justiça).

Seria fácil ao governo de São Paulo - e ao seu já ex-governador presidenciável - anular os supostos efeitos político-eleitorais da pendenga, se assim o quisesse. Bastaria aceitar a negociação e atender ao menos parte das reivindicações do conjunto do professorado, haja vista que o estado mais rico da Federação também é beneficiário dos incrementos de arrecadação observados por força do bom momento da economia nacional e teria plenas condições de conceder algum tipo de reajuste. Se o governo paulista não buscou negociar, preferindo o confronto, tudo indica que deva ser porque acredita no poder de sua campanha difamatória contra o sindicato, o que significa dizer que joga suas fichas na aliança com a mídia e seus "formadores de opinião" - além, é claro, de também apostar numa certa falta de capacidade de discernimento dos "estratos médios" paulistas.

O inteligente leitor pode até achar que seria mesmo perda de tempo sentar à mesa de negociação, pois talvez o sindicato não aceitasse migalhas, ou exigisse o "tudo ou nada" ou até estivesse só querendo fazer politicagem mesmo e, desse modo, a situação continuaria no impasse. Concedido. O governo de São Paulo, nesse caso, poderia, aí sim, dizer que teve boa vontade, fez um aceno à tentativa de negociação, mas como o outro lado só queria saber de tumultuar e "fazer política", não se chegou a um bom termo.

A estratégia de negociação acima exposta parece tão óbvia e tão mais, por assim dizer, "simpática", que torna muito assustadora - até para a democracia - a determinação de preferir o embate com os trabalhadores e de buscar a Justiça para tentar embaraçar a atuação de uma entidade representativa de classe. É perigoso... Não precisa ser uma Regina Duarte para ficar com medo!

Já imaginou se fosse na Venezuela?