sábado, 22 de dezembro de 2012

Coisas que ouvi

De três temas que mobilizaram a opinião pública nos últimos meses ouvi diálogos que nos permitem ligeiras e superficiais reflexões. Aventureiros - se mais bem preparados -, se quiserem, podem até fazer longas viagens sociológicas e filosóficas com as historinhas. Fica a dica!

Os temas são o "caso goleiro bruno", a violência em São Paulo e a Ação Penal 470 do STF, vulgo mensalão.

Goleiro Bruno

Metrô lotado. Dois sujeitos conversam. Misto de tristeza e indignação com as suspeitas que recaem sobre o ex-goleiro Bruno, as quais não precisamos por ora repisar. Além de erroneamente já falar do caso como se o esportista já estivesse condenado, os dois concordavam noutro ponto:

-Como pode o cara cair numa dessas? Tinha tudo.

-Pois é. Fama, dinheiro. Jogar tudo isso fora...

-Será que na hora não pensa que vai pôr tudo a perder?

-E ele ia ter uma carreira bonita pela frente, hein?

Ouviram-se, aqui e ali, variações desse diálogo. O leitor certamente deparou-se com algum do tipo ou até mesmo repetiu coisa parecida por aí.

O triste da história é que o corolário de tal modo de pensar é que a gravidade do comportamento atribuído ao goleiro Bruno parece se circunscrever ao que ele perdeu.

Aparentemente, tendemos a aceitar que homens exterminem namoradas, mesmo com requintes de crueldade, se ele estiver no rol dos que não têm nada - ou têm muito pouco - a perder, ou seja, fizer parte da maioria esmagadora da população, infelizmente.

Bruno tinha aquelas coisas com que as pessoas em geral sonham de olhos abertos: sucesso, dinheiro, reconhecimento. E mandar tudo pelos ares por "umazinha qualquer"? No fundo é só o que leva a nossa sociedade desalmada a repudiar o suposto crime do ex-arqueiro do Flamengo.

Violência em São Paulo

A Record News apresenta uma reportagem sobre a onda de violência em São Paulo, destacando mais um caso de chacina ocorrido em cidade do entorno da Capital. Dentre os atingidos, um cidadão consegue safar-se com vida, apesar de ferimentos graves. Entrevistado, com a identidade evidentemente preservada, o jovem alvejado no ataque faz comentários surpreendentes:

-Não sei por que isso aconteceu. A moçada tava só conversando na rua. Ninguém tinha passagem...

-Ninguém tinha passagem pela polícia? - pede confirmação a incrédula repórter.

-Ninguém. Pode checar.

 Não é difícil chegar à conclusão de que, ao que tudo indica, é perfeitamente compreensível que justiceiros exterminem, com a maior tranquilidade, jovens que já tenham frequentado o sistema prisional ou, para usar o jargão, carreguem alguma "bronca". Se tal ponto de vista é expressado pelas próprias vítimas - de fato ou em potencial -, o que esperar daqueles que se sentem imunes ao risco de cair na mão - ou de ficar no caminho - de grupos de extermínio, sejam de que origem for?

 Ação penal 470

Foi no local de trabalho. Duas amigas, juristas das boas, falavam acerca do mensalão. A mais empolgada delas não perdia as transmissões da TV Justiça e recomendava efusivamente que a outra colega as acompanhasse também, para usufruir da excelente qualidade do voto dos ministros do Supremo Tribunal Federal.

-Você precisa ver a argumentação dos caras. O caso, você sabe, é complexo. Os caras fazem uma ginástica intelectual de tirar o fôlego - disse ela, com ênfase na expressão "ginástica intelectual".

Só esclarecendo, tratava-se claramente de um elogio.

Não tenho o conhecimento jurídico de minha amiga. Por isso, fico dependente da análise dos bons especialistas da matéria. Uma das melhores sobre o caso pertence ao professor da PUC-SP Pedro Estevam Serrano, também colunista da revista Carta Capital. Em texto naquele hebdomadário (vale pesquisar no site da publicação), o jurista chamava a atenção para o fato de que no caso mensalão o STF estaria julgando uma ação penal originária do Tribunal, tendo que se portar, neste particular, como corte criminal e não política.

Sob tal leitura, é especialmente preocupante que os integrantes da Corte tenham tido que caprichar tanto na argumentação, que tenham tido de fazer tanta "ginástica intelectual". Melhor seria terem se baseado em provas irrefutáveis. Na falta delas, tiveram mesmo que usar de muita "ginástica intelectual", é o que se supõe.

Em casos em que age como corte constitucional, essencialmente política, não raro seus ministros precisam mesmo de muita ginástica intelectual, pois estão em jogo interpretações dependentes de leituras várias, de entendimentos interdisciplinares, de busca de informações históricas etc. Agindo como corte criminal, diferentemente, é de se preocupar que precisem tanto de "ginásticas intelectuais", sobretudo quando é para condenar pessoas, inclusive com penas de restrição de liberdade. Em suma, as tais "ginásticas intelectuais" em julgamentos criminais deveriam ser antes motivo de lamento, de indignação, em vez de ocasião para elogios aos espalhafatosos ministros do Supremo.