domingo, 29 de novembro de 2009

Showzão gratuito no Parque da Independência

A tarde do domingo, dia 29.11.2009, foi especial pela apresentação grátis de Dianne Reeves e Buddy Guy, no Parque da Independência, em São Paulo. Foi mais uma edição do Telefonica Open Jazz, evento patrocinado pela horrorosa empresa espanhola de telefonia, referência da "privataria" e símbolo de ineficiência. A empreitada contou também com o apoio da Prefeitura do Município de São Paulo, do Governo do Estado de São Paulo e do Governo Federal. Acho importante destacar a atuação dos três níveis de governo na organização do evento, já que poucos se lembram do quanto é fundamental a participação do Poder Público para a realização de shows de qualidade gratuitos como este dos dois grandes artistas estadunidenses.

A cantora Dianne Reeves subiu primeiro ao palco, com repertório que misturava o jazz na linha interpretada pelas grandes divas do gênero, devidamente misturado ao soul e ao rhythm'n'blues. Foi um belo show de abertura, do tipo que esquenta a platéia. Platéia para a qual ela voltaria a dar uma "canja" um pouco mais tarde, cantando "It Feels Like Rain", ao lado de Buddy Guy.

O lendário guitarrista, influência confessa de nada menos do que Jimi Hendrix e Eric Clapton, realizou uma apresentação absolutamente incendiária, fazendo a guitarra gritar, chorar, cantar... Tocou com a camisa, com os dentes, de costas... A lenda viva do blues cantou com propriedade temas de Muddy Waters ("I'm Your Hoochie Coochie Man", "She's Nineteen Years Old", "Got My Mojo Workin'"), de John Lee Hooker ("Boom Boom") e do soulman Bill Withers (Use Me); do próprio repertório, levou a galera ao delírio com "Damn Right, I've Got the Blues".

Destaques: em primeiro lugar, o comportamento sensacional do público, que não arredou o pé do local, mesmo com uma chuva torrencial de cerca de 30 minutos. Em segundo, a ousadia do velho guitarrista, que, quebrando o protocolo, desceu do palco, empunhando a sua guitarra, e foi tocar junto da platéia, sendo prontamente cercado pelos fãs, munidos de seus celulares e câmeras para registrar o inusitado episódio.

Lembra de que falamos de quão importante foi Buddy Guy para a formação artística de guitar heroes como Hendrix e Clapton? Pois bem. Para finalizar, o moço mandou ver num medley de versões instrumentais de "Voodoo Chile" e "Sunshine of Your Love". A molecada, que quase não gosta de hinos roqueiros - desnecessário dizer -, foi à loucura.

Guy sai ovacionado, enquanto a banda toca "I Go Crazy", clássico na voz de James Brown. Showzaço!

Arriscamo-nos a tirar algumas fotos; ficaram horríveis. Ainda assim, preparamos um pequeno clipe com elas. Vale pela trilha sonora que escolhemos: "First Time I Met the Blues", com Buddy Guy, composição de E. Montgomery, gravada em Chicago, para o selo Chess, no dia 02.03.1960. Veja logo abaixo.

sábado, 28 de novembro de 2009

Não ouça a música, não veja o clipe, não compre o disco!

Um dileto amigo, leitor e comentarista de forma esporádica deste blog, recomendou-me um polêmico videoclipe de um grupo de rock alemão, exortando-me a escrever sobre o assunto neste espaço. Trata-se de clipe da canção denominada “Pussy”, da banda Rammstein.

O som é na linha de rock meio industrial, tão sem graça que me obrigou, em respeito aos alemães, a tirar a poeira dos meus velhos discos do Can, este, sim, uma glória para o rock germânico.

Porém, o meu amigo, penso eu, não queria tanto que eu avaliasse a música; ele pretendia que eu só assistisse ao vídeo mesmo. No e-mail que me encaminhara, avisava-me que a peça seria pornográfica e que eu tinha que ser rápido para apreciá-la, antes que a censurassem.

Com efeito, depois de um mês, quando resolvi dar uma olhada no YouTube, o videoclipe já estava devidamente limado, com cores fortes, “estouradas”, borradas nas cenas que – não foi difícil deduzir – poderiam mostrar as imagens mais “pesadas”.

Antes de mais, lembremos que o recurso a imagens de conteúdo erótico não é muito raro nos clipes: mulheres bonitas e provocantes, roupas sumárias, homens chegando junto, sugestões de sadomasoquismo e coisas do gênero. Sem as imagens pornográficas, o vídeo do Rammstein parecia apenas mais um dessa mesma linhagem.

Porém, na maior curiosidade, com alguma pesquisa, não foi difícil encontrar o site oficial da banda, onde pude acompanhar o trabalho sem cortes e sem truques. Os maiores de idade que se arriscarem a fazer a busca terão facilidade em achar a peça. Antes que me perguntem, já vou dizendo que, exceto pela curiosidade, não vale a empreitada.

Pois bem. Depois de muitas insinuações, já nos segundos finais da canção, é que aparecem as tais imagens de conteúdo pornográfico. Como pornografia, entenda-se, neste caso, a exposição de genitálias desnudas. Como certa feita bem disse a sexóloga Marta Suplicy, os filmes de sexo explícito, em sua maioria, condiriam mais com a verdade se fossem denominados de “filmes de genitais explícitos”. De fato, é por demais surpreendente que um vídeo de rock - peça de divulgação por excelência nesses tempos em que imagem é tudo - radicalize de tal maneira, mostrando os genitais de seus integrantes “dividindo a cena” com os genitais e outras partes do corpo de atrizes especialmente (imagino!) convidadas para a difícil tarefa.

Tudo isso tem a ver com o fluxo do tempo, a mudança de mentalidades, o embate do velho e do novo, os costumes que se substituem ou se sobrepõem. O chocante de hoje será o normal, quiçá o “natural”, de amanhã. Enfim, todo aquele blá-blá-blá que cansaria os raros mas exigentes leitores desta página.

A propósito, dia desses recordava da sessão de cinema brasileiro chamada “sala especial”, sucesso na TV Record em meados dos anos 1980. Qualquer homem com mais de 30 deve se lembrar da expectativa para que se chegasse a sexta-feira para assistir, escondido, ao filme que, não raro, em quase duas horas talvez mostrasse três ou quatro imagens fugidias de maior apelo erótico. Era um must para todos os garotos daquela época! Atualmente, qualquer novelinha da Globo está recheada de cenas mais picantes do que as apresentadas naquelas películas dirigidas por gente como Alfredo Sternheim, David Cardoso, Aníbal Massaini Neto, entre outros.

Conta-se que, também na década de 1980, uma série da Globo chamada “Amizade Colorida”, com Antônio Fagundes, teve sua exibição autorizada somente para depois das 22 horas, em virtude de sua temática adulta. Porém, quando da retrospectiva de 30 anos da emissora carioca, episódios do programa foram exibidos no período vespertino! Que me lembre, não houve nenhuma comoção a respeito.

Tudo isso para dizer que não tarda o tempo em que se travarão polêmicas acerca da exibição de cenas de sexo explícito em alguma novela ou em algum filme de Hollywood. Da mesma forma que um dia causou espécie um simples beijo de Vida Alves e Walter Forster, chegará o momento em que vozes contra e a favor certamente se levantarão acerca da primeira vez em que se mostrará, com riqueza de detalhes, a conjunção carnal de dois namoradinhos do Brasil – ou dois rostinhos bonitinhos da América - em um folhetim da Globo ou, melhor ainda, da Record do bispo Macedo, ou em alguma produção cinematográfica “séria” norte-americana.

E a expansão da TV por assinatura e da internet tende a ajudar na antecipação desse processo. A TV aberta, como exemplo de mídia velha e ultrapassada, talvez fique com as cenas mais light, enquanto a TV fechada e a rede mundial de computadores trariam, aos que se predispusessem a pagar, os trechos mais quentes não mostrados na concessão pública.

Vendo por esse prisma, o videoclipe dos alemães do Rammstein pode ser considerado inovador e verdadeiramente revolucionário, a despeito de ser uma bela de uma porcaria. Como diria o meu amigo Clichê dos Chavões: “só o tempo dirá”!

domingo, 22 de novembro de 2009

Sonny Boy Williamson. Qual deles?

Não são raros os casos de artistas musicais que ostentam o mesmo nome. Raros, porém, são os casos em que isso chega a provocar muita confusão. Os bons ouvintes dificilmente se confundem, pois, a despeito do nome idêntico, um vem dos anos 1960, enquanto o outro pertence à década de 1980; se um provém da Nova Zelândia, o outro, da Argentina; se um é muito famoso, o outro é quase desconhecido. Um exemplo: no boom do rock nacional dos anos 1980, o crítico Kid Vinil liderou, no Brasil, um grupo chamado Magazine, o mesmo nome de uma banda inglesa importante da cena pós-punk. É difícil imaginar que algum incauto tenha levado para casa um disco do grupo paulistano quando queria, em realidade, ter adquirido uma bolacha da banda de Manchester.

Por outro lado, pode haver certo problema quando artistas homônimos pertencem ao mesmo gênero, são igualmente cantores e compositores e, ainda por cima, tocam, de maneira exímia, o mesmo instrumento. Foi o que ocorreu no mundo do blues com o(s) gaitista(s) Sonny Boy Williamson. Qual deles? Ora, os dois.

Os iniciados dão números a ambos, de modo a diferenciá-los: há o Sonny Boy Williamson I e o Sonny Boy Williamson II. O primeiro deles era mais jovem e morreu mais cedo. Seu nome verdadeiro é John Lee Williamson, nasceu em 1914 e faleceu em 1948. Apesar de ser o primeiro, é provavelmente o menos famoso. Quando você ouvir alguém falar de Sonny Boy Williamson, pura e simplesmente, é bem possível que esteja se referindo ao Sonny Boy II.

Alex Ford "Rice" Miller, o Sonny Boy Williamson II, nasceu em 1899 e morreu em 1965. Entrou no mundo da música já depois dos 40 anos, após, portanto, do seu homônimo mais jovem. Diferentemente do estilo folk do primeiro, este Sonny Boy é adepto do blues mais moderno, elétrico e urbano.

O primeiro dos gaitistas, como toda boa lenda do blues, teve suas músicas gravadas por blueseiros também legendários, como Junior Wells, Muddy Waters, Johnny Winter e outros; o segundo, até pelo seu punch mais roqueiro, foi homenageado por New York Dolls e Alman Brothers Band e chegou a gravar com os Animals e os Yardbirds.

No Brasil, há uma ótima coletânea de Sonny Boy Williamson I, lançada pela Sony-BMG, com o título Blue Bird Blues, destacando 24 gravações cometidas entre 1937 e 1947, além de belo encarte com texto, fotos e curiosidades.

Já de Sonny Boy Williamson II, com um pouco de sorte talvez ainda se encontre em sebos uma coletânea lançada na década de 1990 pela Movieplay chamada Don’t Start Me To Talkin’, com 20 faixas para o selo Chess no período 1955-1961. Vale a procura.

Ouçamos abaixo os dois Sonny Boy Williamson. Primeiramente, o John Lee Williamson, o "I", com “Good Morning, School Girl”, gravada no Leland Hotel, em Aurora, Illinois, no dia 5 de maio de 1937.
Em seguida, o Alex "Rice" Miller, o "II", com “Don’t Start Me To Talkin’”, gravação realizada em Chicago, no dia 12 de agosto de 1955.
As fotos que ilustram os clipes pertencem a Showtime Archives e a Michael Occhs Archives, respectivamente.


sábado, 21 de novembro de 2009

"Taxab" e o IPTU: eu apoio

Qualquer pessoa responsável deve ser inexoravelmente a favor do equilíbrio nas contas públicas. Até mesmo nosso ordenamento jurídico posiciona-se de modo radical em relação a essa questão, haja vista a famigerada Lei de Responsabilidade Fiscal. Para o bem de todos, não se deve, em nenhuma hipótese, permitir a deterioração das contas públicas.

O leitor decerto obtemperará com o argumento de que não há nada de distinto no fato de se apegar à necessidade – ou exigência – da saúde das contas públicas. De fato, nada mais é do que o óbvio ululante. O que se pode, em verdade, é ter soluções diferentes para quando um eventual desequilíbrio se avizinha.

O autor destas maldigitadas, por exemplo, é da opinião de que não se deve cortar investimento público para fechar as contas. Defendemos, antes, se for o caso, o aumento da receita. As maneiras mais simples – porém não as mais fáceis – de fazê-lo são através do aperto na fiscalização e, por óbvio, do aumento dos impostos.

Um dos mantras da classe média dos grandes centros urbanos, com o eco da grande imprensa, é a choradeira acerca do “abuso” do poder público na cobrança de impostos. Dificilmente se encontrará alguém que não reclame do peso da carga tributária e muito raramente se ouvirá falar de alguém que não tente, vez ou outra, sonegar para si ou ser complacente – ou até contribuir – para a sonegação de outrem. Imposto, como o próprio nome prenuncia, é algo que só existe porque se sabe que as contribuições não nasceriam da boa vontade e da iniciativa dos cidadãos organizados.

De qualquer maneira, está-se a todo momento usando dos serviços que são pagos com o dinheiro dos impostos, seja nos hospitais públicos, seja a polícia, a organização do trânsito etc. A própria roda do sistema – no nosso caso o modelo capitalista – gira, conforme cantado em prosa e verso pelo cultuado Max Weber, amparada na existência de uma ordem dependente de um aparato burocrático que exige o suporte de toda a sociedade. Já tive a oportunidade de desafiar: a classe média que tanto gosta do nosso status quo, experimente parar de pagar impostos, e certamente não gostará de ver abaladas as pilastras que seguram o modelo político-econômico que lhe permite ter uma identidade e representar algo para o mundo; ora, isso tem preço e alguém precisa pagar por ele!

Tudo isso para dizer que, em princípio, não nos opomos ao aumento do IPTU aventado pela prefeitura de São Paulo. É preciso, ainda, entender melhor as motivações do aumento que, segundo a imprensa, pode chegar à casa dos 60%. De todo modo, num primeiro momento não vemos problemas na "garfada", desde que seja de forma progressiva e com aplicação de justiça tributária. Afinal, o prefeito paulistano poderia, se quisesse, vir com o papo furado do corte de despesas, pois esse seria o caminho que agradaria a classe média chorona que o elegeu e a mídia intrometida que lhe vem dando sustentação, não tanto pelo bem dele mas sim para agradar o seu padrinho, o governador José Serra. Mas, ao propor aumento de impostos, o prefeito ao menos sinaliza estar disposto a enfrentar o problema sem paralisar a cidade.

Não dá para simplesmente aceitar que uma cidade como São Paulo congele investimentos ou corte serviços. Portanto, se necessário for, que se aumentem as taxas e tributos, com serenidade e justiça. Paciência! Se me permitem uma opinião antipática, devo dizer que, até pelo menos onde conheço - falando inclusive em causa própria -, o IPTU paulistano é bastante camarada. Porém, que fique claro, ao defender o aumento e o rigor na cobrança de tributos, estou imaginando que o prefeito Gilberto Kassab esteja pensando em assegurar sua aplicação no social, na saúde, na educação, na valorização do funcionalismo. Que ele não me decepcione!

Mas é chegada a hora do sarcasmo nosso de cada dia! Se não nos falha a memória, a ex- prefeita Marta Suplicy, adversária no segundo turno da eleição municipal de 2008, também derrotada por Kassab em chapa com o padrinho dele em 2004, ganhou a alcunha de “Martaxa” entre a elite e classe média chorona da capital . E o atual prefeito deve boa parte do apoio e dos votos que recebeu - tanto na condição de vice em 2004, como de titular em 2008 - ao discurso fácil do corte dos gastos públicos, o qual tende a refletir numa certa moleza tributária, tanto que deu certo explorar o apelido colado na adversária. E agora, com o aumento do IPTU, como é que fica?

Vamos esperar para ver o comportamento da classe média e da imprensa em relação a esse evento. Já rola por aí o apelido de “Taxab”. É de se presumir que ele ganhe os noticiários e o boca-a-boca com a mesma velocidade do “Martaxa”. E apesar de ainda estar um pouco longe, vamos ver como serão os debates no pleito de 2012. Será que algum candidato da direita terá a coragem de incorporar o discurso antitributos e, mais do que isso, acusar o candidato de esquerda mais competitivo de ser um perdulário criador de impostos?

A propósito, há uma questão que me incomoda desde a eleição de 2008. Por que a candidata Marta Suplicy não usou em sua campanha o fato de a administração Serra/Kassab não ter abolido a taxa de iluminação pública cobrada na conta de luz? Quer dizer, não é de hoje que esses dois apenas fingem – com interesses eleitoreiros – ser tão contrários a impostos. No fundo, governante nenhum é. Pobre da classe média que acredita no tro-lo-ló deles.

sábado, 14 de novembro de 2009

Multidão de especialistas

No conto A multidão, de Ray Bradbury, o protagonista, ao sofrer um acidente de carro, incomoda-se com a rapidez da multidão que, poucos segundos depois, se avoluma em frente ao corrido. A personagem principal começa a reparar que o mesmo se dá noutras situações da mesma natureza, o que o leva a investigar o porquê de aparecer com tamanha rapidez uma massa humana de curiosos quando do acidente de automóveis.

No Brasil, em vez da multidão de Bradbury, o que provoca estranheza é o grupo de especialistas que surge em eventos de grande repercussão, como, por exemplo, acidentes de avião. Está certo que, em situação diferente da galera nas batidas de carro, eles só aparecem porque são convidados pelos meios de comunicação, os quais, na primeira hora, estão tão destituídos de informações precisas quanto qualquer do povo. O próprio especialista não sabe de nada, mas, mesmo assim, não abdica de lançar suspeitas (no caso dos mais honestos), ou proferir certezas e vaticínios (quando mais ávidos de minutos de fama) acerca do evento ocorrido.

No conto A multidão, a turbamulta, aproveitando-se do anonimato, e fingindo-se de desentendida, contraria a clássica orientação dos paramédicos e mexe nos acidentados, deixando-os com graves sequelas ou até mesmo os levando a morte. Os especialistas que aparecem nos meios de comunicação em situações de desastres também dão uma de bobo; porém, de forma diferente da multidão do conto, que tenta se aproveitar da ignorância que em geral se lhe atribui, os experts, por seu turno, valem-se justamente de sua suposta autoridade, servindo, assim - dependendo da natureza do sinistro – como “idiotas úteis” para um ou outro propósito político.

Ressalte-se que não são só os especialistas; costumam lhes fazer as vezes também alguns jornalistas, cheios de opiniões e certezas, mesmo antes de apurados os fatos nos quais estão metendo o bedelho. A multidão do conto a que nos referimos, observa seu protagonista, quando chega em poucos segundos ao local do acidente, decide se o sujeito vai viver ou se vai morrer. Tem ela, portanto, o que se poderia chamar de “utilidade”. Os especialistas também são, conforme já dito, deveras úteis: servem ao teste de hipóteses a que certa feita se referiu Ali Kamel, o mandachuva do jornalismo da Globo.

O acidente da TAM em 2007, todos hão de se lembrar, era, num primeiro momento, culpa do chamado “caos aéreo”, o que, em última instância, significava que era responsabilidade exclusiva do Governo Federal. Todavia, em tempo razoável, já se sabia que a tragédia tinha outras causas, não diretamente relacionadas com a crise naquele setor. Foi aí que veio o Sr. Kamel desculpar toda a imprensa, dizendo que a intenção era das melhores, pois enquanto persistiam dúvidas, os “patrióticos” meios de comunicação ofereciam, generosamente, “hipóteses” ao público sedento de informações.

No caso do blecaute de 10.11.2009 percebe-se situação semelhante. Como bem observado por Eduardo Guimarães, no Cidadania.com, já foi digna de “surpresa” a rapidez com que os jornais conseguiram fechar suas edições de quarta-feira, com vasta cobertura de problema ocorrido depois das 22 horas do dia anterior. No rádio, poucos minutos depois, já se ouviam os palpiteiros dando ideias do que havia ocorrido, na lacuna das informações oficiais, chegando a responsabilizar os pobres que andam comprando geladeiras e outros eletrodomésticos, graças à isenção de IPI! Alguns deles, sem dúvida, são mais rápidos do que a multidão do conto de Ray Bradbury...!

Uma boa objeção: talvez a culpa seja das autoridades, que, a exemplo do próprio caso TAM, no dia do blecaute demoraram para dar satisfações oficiais do ocorrido. Mesmo dentre os mais equilibrados ou menos críticos ao governo brasileiro, há quem pense que a demora em se pronunciar leva à derrota da comunicação. Trata-se, com efeito, de observação perspicaz e de crítica bastante razoável. Entretanto, é bom ponderar que, diferentemente de jornalistas irresponsáveis e de sabichões empolgados com câmeras e microfones, as autoridades não podem – ou não devem - se dar ao luxo de fazer uso de “achismos” inconsequentes.

Há, pois, que se dar um desconto, afinal o governo e seus técnicos, no caso, são como as equipes de resgate em acidentes de carro: muito dificilmente conseguem chegar antes da “multidão”!


Para os interessados: A multidão está presente na seleção de contos O país de outubro, lançada pela editora Francisco Alves em 1981, juntamente com outras dezoito histórias do escritor estadunidense Ray Bradbury, autor do clássico Fahrenheit 451 e roteirista do filme Moby Dick, dirigido por John Huston em 1956.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

De "apagões" e "blecautes"

Sempre se vê por aí gente querendo subtrair de Lula os méritos de seu governo. Agora, quando o assunto é apagão (na verdade um blecaute, como o de 10.11.2009), corre-se a se atribuir a responsabilidade ao mesmo Lula? Tudo bem, claro, é o ônus de ser governo!

Ora, mas, de qualquer forma, é muita injustiça com o conglomerado demotucano que governava o Brasil durante o racionamento de energia (o "verdadeiro" apagão) por longos meses nos anos de 2001 e 2002, pelos quais pagamos caro (literalmente) até hoje! Eles, sim, entendem muitíssimo bem de apagão, e as glórias de tal know-how não lhes poderiam ser arrancadas à força por conta de um evento isolado, ainda que reconhecidamente grave. E já que querem fazer exploração político-eleitoreira do acidente, nada mais razoável do que reconhecerem a espetacular experiência que, inegavelmente, possuem nessa matéria. Como eleitor ainda meio indeciso para 2010, gostaria de saber um pouco mais sobre os conhecimentos que esse grupo adquiriu nos tortuosos anos do "verdadeiro" apagão. Aliás, se o assunto ganhar dimensão eleitoral, posso até ofertar meu voto ao candidato indicado por eles, desde que demonstre estar mais preparado - até por conta da experiência - a enfrentar um problema que talvez se agigante nos anos vindouros - inclusive em razão do crescimento mais robusto que ora ostentamos, sobretudo se comparado àquele período.

De todo modo, não briguemos com os fatos: algum tipo de problema certamente existe e precisa, por óbvio, ser solucionado e devidamente explicado pelo atual governo. Como bem disse o jornalista Rodrigo Vianna, pelo menos dessa vez a oposição político-midiática tem um caso concreto nas mãos, e não as "linas vieiras" e "CPIs da Petrobras da vida", que claramente empobreciam o debate político no Brasil. Acho que para a democracia seria muito bom uma oposição atuante em temas relevantes, como é o caso em questão. Creio que a oportunidade é essa. Apesar de que, infelizmente para o país, já começaram mal...

Com toda sinceridade, acho que em vez de Arthur Virgílio e José Agripino Maia ficarem exigindo esclarecimentos da ministra Dilma Rousseff, baseados no fato de que ela foi responsável pela pasta de Minas e Energia até o já longínquo ano de 2005, eles poderiam, sim, como forma de enriquecer as discussões sobre o assunto, mandar a campo correligionários como José Jorge, Pedro Parente e até mesmo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (já que ele não se recolhe à condição de ex-presidente mesmo), pois todos eles, como já dito, poderiam trazer luz à questão, haja vista a já citada vasta experiência que possuem em crises energéticas. Neste particular, a ministra Dilma está em franca desvantagem, pois quando titular da pasta não enfrentou, que me lembre, nenhuma crise no setor. Honestamente, não vejo sentido em colocá-la no centro desse debate, pelo menos não nesse momento. Porém, se ela sair realmente como candidata, terá, é claro, que apresentar suas propostas para o setor, como todos os outros candidatos.

Aguardemos!

sábado, 7 de novembro de 2009

Vestidinho

O caso da moça hostilizada na Uniban, em São Bernardo, por estar usando um vestido curto provocou bastante polêmica e deixou muita gente perdida, sem conseguir dar explicações ou compreender o que de fato ocorreu.

Quando acontecem situações do gênero, não tarda a aparecer quem tenta dar explicações psicológicas ou sociológicas para o fato. A principal dificuldade, porém, é a falta de informações precisas de como o evento realmente se desenrolou.

A sugestão mais óbvia é a de que houve o chamado “efeito manada”: dois ou três começaram a agredir a garota, no que foram acompanhados por uma horda que não sabia exatamente o que estava fazendo, estimuladas pelo semianonimato. Se isso, por um lado, é uma espécie de desculpa, por outro, expõe a fragilidade de nosso sistema educacional, uma vez que seria de se esperar que a universidade fosse justamente um espaço de incentivo ao desenvolvimento do pensamento crítico e independente, não sendo lugar onde se conseguisse, com tanta facilidade, mexer com instintos primários de turbas enfurecidas.

Mas, conforme já dito, fica difícil uma análise que não seja exageradamente rasteira, quando não se tem certeza de como tudo começou, quem iniciou e por que o fez. Por outro lado, as justificativas oficiais e algumas opiniões esparsas, pescadas aqui e ali, dão mais o que pensar.

A própria escola, acompanhada por diversas opiniões independentes, acusou a aluna do curso de Turismo de estar vestida de forma inadequada, tendo sido, em última análise, a responsável pelo próprio infortúnio.

Trata-se de argumento fragílimo. E perigoso. Da mesma raiz daqueles que – absurdo dos absurdos – já tentaram justificar casos de estupro sob a alegação de que mulheres sensuais, no fundo, lhes dão causa! Mas, a favor dos que defendem tal ponto de vista, tomemos como verdadeira a premissa de que a moça poderia ter tido um pouco mais de “noção” e não ter ido à escola com a mesma roupa com que iria a uma festa. A partir daí, o assunto passa a ganhar uma dimensão ética e, por que não dizer, política.

A questão envolve temas como Estado de Direito, republicanismo, princípio democrático. Afinal de contas, na Uniban existe vedação para o uso de vestidos ousados? Se não existe, nada poderia ser cobrado da moça; se existe, ela deveria ter sido proibida de adentrar o campus. Simples assim.

Pertinente ressalva seria aquela que dissesse não ser necessária a norma positiva para que certas medidas de civilidade sejam “naturalmente” tomadas por cada um de nós. Poderia ser o caso: mesmo sem a regra, a garota deveria, conforme esse ponto de vista, ter tido um pouco de “semancol”. Ora, mas segundo relatos bastante verossímeis, não foi a primeira vez que a estudante usou roupas ousadas na Uniban. Fosse de fato reprovável a sua conduta, a universidade deveria tê-la ao menos advertido na primeira oportunidade. Além disso, foi afirmado também que outras alunas da instituição costumam, de quando em vez, usar vestimentas não muito compridas, sem também, ao que tudo indica, sofrer censuras ou sanções.

Não dá, portanto, para aceitar justificativas da escola e de seus funcionários, tentando passar para a vítima a responsabilidade de sua “má sorte”, insinuando que ela é que “procurou”. Ao contrário, isso só piora as coisas para a instituição, dando a entender que foi omissa e licenciosa.

O problema para os analistas, portanto, volta à estaca zero: se a mocinha já havia usado curto por lá e se outras garotas daquela escola costumam, da mesma forma, usar roupas mais “prafrentex” sem nunca terem sofrido hostilidades, o que explica, então, o absurdo caso envolvendo aquele grupo de futuros profissionais brasileiros?

P.S. Na semana da morte de Claude Lévi-Strauss é de se refletir sobre o ponto a que chegou a universidade brasileira. O antropólogo ajudou a criar o que deveria ser o ensino superior brasileiro, quando foi dos mais notáveis partícipes da formação da Universidade de São Paulo. Como homem do campo da educação e na qualidade de estudioso da cultura e das humanidades, é de se presumir que o cientista social, morto aos 100 anos, ficaria por demais chateado com o caso da garota da Uniban.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Meus 70 e poucos anos

Nos últimos tempos, vem causando agradabilíssima surpresa o posicionamento, não raro de cunho radical, de alguns setuagenários historicamente ligados à linhagem mais conservadora da sociedade brasileira. (Agradabilíssima, bem entendido, para este escriba. Para alguns amigos, vem provocando estranheza mesmo!).

Há alguns anos, Cláudio Lembo, então governador do estado de São Paulo, na crise do PCC, desancou, em entrevista à Folha, o que chamou de minoria branca brasileira.

Recentemente, o ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira fez elogios rasgados ao perfil democrático do presidente Lula e, causando maior espécie, teve posicionamento equidistante – o que é quase o mesmo que defender - ao sempre demonizado MST.

Em entrevistas, além de em artigos, o também ex-ministro Adib Jatene defendeu aumento na cobrança de impostos, opondo-se, assim, a velho dogma da direita e das classes média e alta, mesmo que não necessariamente de direita.

Por fim, Delfim Netto brada aos quatro cantos para que se reconheça a superioridade do governo Lula em relação aos que lhe antecederam, especialmente em virtude de suas políticas inclusivas.

Delfim, hoje filiado ao PMDB, foi da ARENA e integrou os governos militares; Lembo pertence ao DEM, esteve ligado a figuras polêmicas como Paulo Maluf e Jânio Quadros; Jatene, além de ter sido idealizador da CPMF no governo de Fernando Henrique Cardoso, foi ministro de Collor e secretário de Paulo Maluf.

De todos, talvez Bresser seja o que mais se entristeceria de estar, aqui, sendo qualificado como homem conservador, haja vista já ter se autodenominado de centro-esquerda e por ter, indubitavelmente, maiores ligações históricas com as forças democráticas. Em todo caso, foi partícipe dos governos de José Sarney e de FHC, ambos muito longe de poderem ser classificados como progressistas.

Impossível não se lembrar da famosa (infame?) frase de Willy Brandt: “Quem aos 20 anos não é comunista não tem coração; e quem assim permanece aos 40 anos, não tem inteligência”. Com os nossos amigos Lembo e companhia limitada, porém, parece que a coisa se deu de forma inversa: tinham muita "cabeça" aos 20, mas agora, não aos 40 mas aos 70, são só coração!

Não se trata, evidentemente, de comunismo, palavra que está por demais surrada. Por outro lado, dá para se falar de “direita” e “esquerda”.

O filósofo Norberto Bobbio, poucos anos após a queda do Muro de Berlim, tentou avaliar a sobrevivência e o significado da polarização entre direita e esquerda, em livro lançado no Brasil pela Editora Unesp, em 1995, intitulado justamente Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política. Bobbio expõe conceitos fundamentais para se entender a recolocação da velha dicotomia. Dentre os mais importantes está o de “igualitarismo”:

(...) o elemento que melhor caracteriza as doutrinas e os movimentos que se chamam de “esquerda”, e como tais têm sido reconhecidos, é o igualitarismo, desde que entendido não como a utopia de uma sociedade em que todos são iguais em tudo, mas como tendência, de um lado, a exaltar mais o que faz os homens iguais do que o que os faz desiguais, e de outro, em termos práticos, a favorecer as políticas que objetivam tornar mais iguais os desiguais. [2ª edição, p. 125]

Penso que quem ler as entrevistas e artigos indicados das personalidades citadas neste post perceberá a preocupação - ainda que não manifesta - com a questão da igualdade, seja na forma de propostas para minimizá-las, seja na defesa do uso de mecanismos corretores da perversa desigualdade que marca o Brasil. Neste sentido, devidamente agasalhado pelo teórico italiano, os nossos amigos estão parecendo velhos militantes da esquerda!

Muitos podem não levar tão a sério o que dizem e até mesmo pensar que eles possam estar fazendo “tipo”, ou, o que é pior, avaliar que não dá para confiar em “figuras” como essas. Todavia, o efeito da fala deles, em nossa opinião, não deve ser negligenciado, pelos seguintes motivos: elogios às bem-sucedidas políticas de transferência de renda do governo Lula feitas por seus correligionários já seriam esperadas, passando despercebidas mesmo que muito bem fundamentadas; "desabafos" como o de Cláudio Lembo, se feitos por políticos de esquerda, seriam – não tenho dúvidas – tachados de fascistas; comentários “simpáticos” ao MST, normalmente classificados como defesa do “terrorismo”, se ouvido de um Bresser-Pereira, ao menos ganha alguma atenção; e, finalmente, a antipática bandeira na defesa de cobrança de impostos, quando corajosamente empunhada por políticos de esquerda, só ganha espaço na mídia se for com o objetivo de satanizá-los.

Já os senhores Lembo, Jatene, Bresser e Delfim, com seus mais de 70 anos de idade, não têm que ficar dando muitas satisfações a ninguém, tampouco se preocupar com as "terríveis" repercussões de suas falas. Justamente por isso, vale bem a pena prestar atenção ao que dizem.