sábado, 26 de julho de 2008

Palpites sobre "eleições municipais - São Paulo - 2008"

A mais recente pesquisa Datafolha sobre a corrida pela Prefeitura de São Paulo mostra uma clara polarização entre as candidaturas da petista Marta Suplicy e do tucano Geraldo Alckmin, que deverão estar disputando o segundo turno no último domingo de outubro deste ano.

Aldo Rebelo ou Campos Machado?
Este blog humildemente insiste na tese de que nem Marta nem Alckmin ficará os quatro anos à frente da Prefeitura. Por isso, é bom que o eleitor se lembre de que ao sufragar qualquer um dos dois está também votando no seu vice, a saber, Aldo Rebelo pelo lado de Marta, e Campos Machado, por parte de Alckmin: um deles pode acabar herdando a administração da maior cidade da América do Sul.

Tal cenário, se confirmado, pode infelizmente estar configurando uma tendência: políticos de peso em nível nacional candidatam-se a prefeito da maior cidade do país não para solucionar os seus enormes problemas, mas para usá-la como atalho para caminhos mais vastos e mais longos.

Não duvido que outros candidatos tentarão explorar a possibilidade de tal situação e que até mesmo os eleitores questionem os dois principais postulantes do pleito sobre suas reais intenções. Daí é só esperar que uma ação coordenada demova a ex-prefeita e o ex-governador da secreta idéia de se candidatar a governador ou até mesmo a presidente da República em 2010.

E como são só conjeturas, o jeito é torcer que, para o bem da cidade, o blog esteja apenas cometendo alguns de seus já notórios erros de análise.

Marta ou Alckmin?
Dada a situação de polarização entre a candidata do PT e o do PSDB, já se pode pôr as bolas de cristal para funcionar e começar a imaginar para onde migrarão os votos dos eleitores que insistirão em votar noutros candidatos. É um pouco cedo ainda, mas os exercícios de futurologia parecem ser francamente favoráveis a Geraldo Alckmin.

As pesquisas mostram o tucano ligeiramente atrás da ex-ministra, mas ainda dentro da margem de erro, ou seja, na condição de empate técnico. Longe da corrida, mas com respeitáveis intenções de voto, há dois candidatos que se pode classificar como “de direita”, são eles o prefeito Gilberto Kassab e o lendário Paulo Maluf. A tendência é que a maioria esmagadora dos eleitores de ambos prefira Geraldo Alckmin no mais do que provável segundo turno. Eu iria um pouco além e arriscaria dizer que no decorrer da disputa talvez até vigore o chamado voto útil em favor do candidato do PSDB, o que o deixaria na frente da petista ainda no primeiro turno.

De uma perspectiva mais ampla, Marta ainda deve sofrer com a piora no cenário nacional, com ligeira queda de popularidade do presidente Lula, o que certamente será explorado em nível local.

O certo agito inflacionário, uma vez propagado pela mídia, trará um pequeno mas importante descontentamento com o Governo Federal, prejudicando os candidatos aliados do Planalto. De quebra, o segundo semestre deve ainda apresentar a conta da “mãozinha” dada pelo Banco Central, que com o aumento dos juros está fazendo a famosa aposta no círculo vicioso representado pela equação do “menos crescimento, menos emprego e menos renda que geram menos crescimento, menos emprego e menos renda”. Decerto que tudo isso trará desgaste para os candidatos que tenham proximidade com o presidente. Desgaste desnecessário, diga-se; afinal, tal despertar inflacionário está mais ligado à conjuntura internacional e talvez sobreviva mesmo com o aumento de juros domésticos, o que insinuará um ambiente desalentador: inflação levemente persistente num clima de crescimento retraído. Em tal ambiente, não há negar que Marta perde e Alckmin - que ainda teve a seu favor o fato de ter sido o antagonista de Lula nas últimas eleições presidenciais – ganha.

Alia jacta est!

sábado, 19 de julho de 2008

Espetáculos e espetáculos

O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, após reunião com o presidente Lula e o ministro da Justiça, Tarso Genro, buscou esclarecer, em entrevista coletiva, o seu ponto de vista em relação aos supostos abusos de autoridade que ele vem observando nas ações de agentes públicos no Brasil.

O ministro alegou que os abusos não vêm apenas da polícia e do Judiciário, mas também de parte de outras instituições públicas, como a Receita Federal e demais órgãos com atribuições de controle e fiscalização. Gilmar Mendes tentou demonstrar que o combate a supostos exageros é, em larga medida, uma iniciativa em prol da própria coisa pública, pois, segundo ele, os implicados não raro pedem socorro na Justiça e acabam recebendo gordas indenizações do erário. Noutras palavras, o presidente do Supremo quis dar a entender que está, em última instância, preocupado com os cofres públicos. E como republicanismo pouco é bobagem, o ministro esclareceu que os casos de grande repercussão, como os que envolvem a exposição de banqueiros ou políticos poderosos, podem trazer luzes às humilhações rotineiramente praticadas contra os mais pobres.

Muito bem! Este blog mesmo, no post anterior, a propósito da operação Satiagraha, desfraldou humildemente esta bandeira, qual seja, a de que não se deve comemorar atos violentos e degradantes somente porque eles nos saciam e aparecem como uma espécie de vingança contra aqueles que sempre foram protegidos pela Justiça brasileira. Ressalvávamos, porém, que toda a indignação de Gilmar Mendes e de alguns políticos parecia um pouco seletiva demais...

Lembremos que Mendes falara de certa “espetacularização” nas ações da Polícia Federal. Ora, um espetáculo só ganha sentido quando dirigido ao público. E na era das comunicações, sociedade de massas, indústria cultural etc., o espetáculo precisa de um veículo para se propagar e, se for o caso, chegar a um maior número de pessoas. Deste modo, se, nas operações da PF, há de fato a “espetacularização” diagnosticada por Mendes, ela só se consagra com a sua difusão principalmente por meio de vídeos e imagens. Posto isto, é inegável o papel fundamental realizado pela mídia nesse processo, talvez especialmente – não unicamente - pela televisão.

Cada um trata dos problemas que lhe estão mais próximos, e talvez por isso Gilmar Mendes se sinta mais à vontade para falar das ações da PF, cujos efeitos tendem a parar de forma mais imediata na Corte que ele preside. Mas é do STF a guarda da Constituição. Por isso, em última análise, quaisquer abusos e “espetacularizações” da polícia ou nas ações de aplicação das leis por parte de qualquer órgão deveriam incomodar não apenas seu presidente mas todos os seus componentes.

Vejamos a propósito o que vem ocorrendo nas operações da chamada “lei seca”. Algumas reportagens de TV têm mostrado pessoas embriagadas, evidentemente fora de seu juízo normal, “pagando o maior mico” em rede nacional. Alguns dos que são expostos em tais “espetáculos” talvez nem sejam bebedores contumazes, mas por azar foram pegos justamente num dia em que abusaram do álcool, e uma vez mostrados em situações ridículas e humilhantes na tela, ficarão sempre marcados como “bebuns”, sofrerão prejuízos sociais e trarão dissabores para familiares e amigos. E onde estão o presidente do Supremo e os políticos do PSDB e do DEM para maldizer a “espetacularização” das prisões de embriagados? Os motoristas que têm sido pegos no teste do bafômetro sofrem sanções administrativas e podem, dependendo do caso, responder criminalmente pelos seus atos, o que é ótimo para um país campeão de acidentes de trânsito. Mas, pergunta-se, para que a “espetacularização”, sobretudo quando o sujeito está sem condições sequer de procurar evitar, por conta própria, a sua exposição pública e, ao contrário, acaba se entregando docilmente a um ridículo papelão que o deixará marcado pelo resto da vida?

Talvez alguns espetáculos sejam mais espetaculares do que outros...

sábado, 12 de julho de 2008

Nunca na história deste país...

Nunca antes na história deste país se viu gente tão importante passar noites na cadeia. Nunca antes na história deste país a Polícia Federal trabalhou tanto. Nunca antes na história deste país viram-se juízes tão firmes na realização de seu trabalho.

Mas, numa democracia, é natural que nem todos estejam tão contentes com essa situação, “nunca antes vista na história deste país”. O presidente do STF – acompanhado de alguns políticos, sobretudo dos partidos de oposição no Congresso – acha que está havendo exageros por parte da PF: houve reclamações quanto ao uso de algemas e também com a exposição pública dos presos pela operação satiagraha.

De tudo isso se presume que o ministro Gilmar Mendes e alguns de nossos políticos – como aliás seria de se esperar de homens tão refinados como eles – nunca assistiram aos populares programas policiais da TV, e conseqüentemente não tiveram oportunidade anterior para se indignar com a expiação pública de suspeitos, de acusados ou mesmo de condenados. Quanto às algemas, o famoso criminalista Alberto Zacharias Toron, em ocasião semelhante, já indicara sem muita cerimônia para que “tipo de gente” elas foram feitas.

Mas sejamos frios e sensatos, amigos: se realmente ocorrem abusos nas prisões e operações, eles devem ser por todos condenados. Não é porque ficamos de alma lavada com o fato de a polícia e a justiça estarem indo para cima de banqueiros, políticos e megaespeculadores que vamos aceitar um Estado “policialesco”. De todo modo, não se deve concordar com a idéia, mais brasileira do que “orwelliana”, de que “alguns são mais iguais do que os outros”. Noutras palavras, poder-se-ia aproveitar tais episódios para abrir uma discussão acerca das diferenças de tratamento nas questões policiais e jurídicas no Brasil: quem nunca viu pobres suspeitos sendo tranqüilamente chamados de “bandidos” pela imprensa? Já os homens de classe média que espancam empregadas domésticas em pontos de ônibus são simplesmente chamados de “jovens de classe média que espancaram uma empregada doméstica num ponto de ônibus”! A mídia e de resto todos nós entendemos como perfeitamente normal os dois pesos e duas medidas. Quando aceitamos esse tipo de coisa, sem perceber estamos abrindo espaço para que naturalmente se contemple uma seletiva preocupação humanitária com banqueiros acusados de milionárias operações fraudulentas, para dizer o mínimo.

Quando digo banqueiro, o leitor o sabe, estou falando de Daniel Dantas. Tal nome é deveras conhecido dos leitores de Carta Capital e dos freqüentadores do sítio de Paulo Henrique Amorim. Mas é de se suspeitar que muita gente, leitora da maioria dos grandes jornais brasileiros ou telespectadora dos principais telejornais ou, ainda, ouvinte das principais rádios noticiosas, nunca tivesse ouvido falar dele. E do dia para a noite, literalmente, vêem-se os cínicos órgãos da nossa imprensa dando manchetes sobre Dantas, falando dele como se ele fosse um habitué de suas páginas, telas e ondas, como se estivessem se referindo a um Pelé ou a um Roberto Carlos da mídia brasileira! Faz-me lembrar de minha adolescência, quando ouvia muito rádio FM: havia algumas pioneiras “rádios-rock” em São Paulo, a saber, a 97 FM e a 89 FM. Elas eram as únicas que tocavam bandas como The Cure, Echo & the Bunnymen e Siouxsie & the Banshees, por exemplo. Mas quando estes grupos fizeram turnê pelo Brasil, ainda nos anos 1980, rádios que nunca os haviam tocado, como a Jovem Pan II, começaram a fazer especiais, promoções etc. É o que está fazendo a hipócrita mídia brasileira em relação a Daniel Dantas; e o que é pior, esquecendo-se de lembrar de suas estripulias nos tempos da privatização da “iluminada ‘era FHC’”.

O pão nosso de cada dia

Na terça-feira 8 de julho, o Jornal da Tarde trouxe matéria sobre o preço do pãozinho na cidade de São Paulo. Dizia a manchete do jornal que as medidas de desoneração fiscal promovidas pelo governo para beneficiar o setor de panificação não propiciaram a redução de preços do produto, que, ao contrário, chegaram a subir em algumas padarias pesquisadas pelo diário.

Não é de surpreender. Essa conversa, não raro alardeada pela imprensa, de que a redução de impostos beneficia o consumidor final não passa de uma grande balela. Essa história do pãozinho faz parte da sessão “já vi esse filme antes”. Só para ilustrar, peguemos o notório caso da CPMF: a julgar pelo que dizia o patronato da FIESP e os seus estafetas na mídia, era de se esperar que, após a extinção do tributo, não estivéssemos sofrendo com a ligeira tendência de alta de preços que ora se verifica. Aliás, voltando um pouco no tempo, quando Adib Jatene exortou o ex-presidente Fernando Henrique a criar a contribuição do cheque para financiar a saúde pública, os empresários correram a ameaçar com repasse dos custos para o consumidor; o cardiologista inteligentemente os lembrou de que não haviam reduzido os preços por conta do fim do velho IPMF!

Seria desejável que, tendo em vista a oportuna reportagem do JT, alguns órgãos de imprensa fizessem um mea culpa, especialmente o Estadão, do mesmo grupo que edita o Jornal da Tarde. Que tal um editorial reconhecendo que o empresário brasileiro não tem jeito, que não adianta querer ter um discurso liberal, que o capitalismo “made in Brazil” tem muitas dificuldades de não ser selvagem, que os impostos não são o grande vilão que eles alardeiam?

Mas isso dificilmente ocorreria, caro leitor. O problema é ideológico. Os jornais fazem, como sugere Marx, aquele papel de justificação e mascaramento das relações reais. É como se fosse uma questão de princípios: para os grandes meios de comunicação, porta-vozes da classe dominante, imposto será sempre uma coisa muito ruim e ponto final. E quando os operosos empresários são obrigados a pagá-los aos montes, a carga, dizem eles, tem que forçosamente ser repassada para o pobre do consumidor. Portanto, por esse raciocínio, para que o elo mais fraco da cadeia não tenha que arcar com tudo, é fundamental que os governos incompetentes desonerem os empreendedores, para que o preço final se reduza; afinal, a culpa dos preços altos não é de empresários sedentos de lucro, como o são, por exemplo, os donos de jornais, mas dos políticos fanfarrões que só sabem cobrar impostos! Bem... a teoria é sempre “bonitinha”, mas, como diria Garrincha, é fundamental combinar com o adversário, ou melhor, no nosso caso aqui, com os donos das padarias!

Mas como o preço do pão “dói no bolso” da maioria esmagadora das pessoas, e como numa situação dessas as pessoas tendem a se sentir lesadas, é de se pressupor que elas talvez venham a encaminhar (ou já estejam encaminhando) mensagens ao jornal do grupo Estado reclamando da sordidez dos panificadores paulistanos. Em ocorrendo isso, nada restará senão lamentar a hipocrisia dos membros da classe média, aqueles que normalmente mais esbravejam contra os impostos e que são também os principais leitores daquele jornal. No fundo eles sabem muito bem que é assim que funciona, e, conforme já dissemos, este não é o primeiro caso. E o mais grave é que, da próxima vez que o Estadão, ou o próprio JT, ou uma Miriam Leitão sair por aí maldizendo a carga tributária e, pior, cantando loas à desoneração fiscal, o nosso revoltado ente da classe média falará “é isso mesmo”, e mais, sairá repetindo tudo ipsis literis para os colegas nos locais de trabalho, nos fóruns da Internet e nas ainda assim chamadas “seções de cartas” dos jornais. E os empresários, a classe dominante, sonegadores, todos em uníssono agradecem!

sábado, 5 de julho de 2008

Ótima notícia. Ponto.

A alegria pela liberdade de Ingrid Betancourt foi enevoada pelo delírio de análises que pulularam na imprensa, na Internet, nas vozes de especialistas.

Sabe-se lá o que é ficar seis anos da vida nas mãos de uma guerrilha, longe da família e dos amigos, com prováveis problemas de saúde, sem contato com o mundo, sem imaginar como seria o dia seguinte. Deve ser muito difícil, e somente quem passa por isso pode ser capaz de expressar o grau de sofrimento, que certamente trará marcas por toda a vida. Juntamente com Ingrid, mais 14 foram libertados. Enquanto elaboramos estas maldigitadas, muitos outros estão na mesma situação degradante por que ela passou durante essa meia dúzia de anos. A despeito disso, muitos comemoraram não a sua liberdade, mas o triunfo de Uribe, o duro golpe sofrido pelas Farc, uma suposta derrota de Chávez. Para completar o circo, há a notícia de que em verdade o resgate de Betancourt e dos outros reféns foi uma encenação comprada das Farc por uma quantia vultosa.

Somos egoístas demais para perder nosso tempo nos dando ao luxo de nos colocar no lugar dos outros. Por isso podemos ficar brincando de avaliar os efeitos geopolíticos e o “sobe-e-desce” de personalidades advindo do quadro pós-resgate. É lamentável e é vergonhoso. Não bastasse isso, a maior parte dos comentários é cínica e/ou falaciosa.

O que querem dizer com triunfo de Uribe? Que ele conseguiu um mote para tentar um terceiro mandato consecutivo? Ou seja, ele pode fazer aquilo que era escandaloso para Chávez ou que é um fantasma que paira sobre o abençoado mandato de Lula? Os que dizem isso precisavam ter coragem de falar com mais clareza o que realmente significa uma vitória de Alvaro Uribe e por que aceitam para ele aquilo que condenam - ou condenariam - para os outros.

A libertação de Ingrid Betancourt foi um duro golpe para as Farc, não há negativa possível para essa afirmação. Mas, em realidade, a guerrilha, do ponto de vista político, já está derrotada há muito tempo. Suas práticas são por todos condenadas, e o grupo é a todo o momento exortado a entrar no jogo político dentro de suas regras normais, para alterá-lo, se for o caso, pela via institucional. Noutro post, citamos a participação do então candidato presidencial Luiz Inácio Lula da Silva no Jornal Nacional em 2002. Naquele encontro, um telespectador fizera uma pergunta sobre as Farc, e o petista respondeu exatamente do nosso modo aqui, ou seja, que se o grupo queria fazer mudanças profundas na sociedade, era muito simples: que agisse como ele (Lula), formasse um partido político e disputasse os corações, mentes e votos dos cidadãos colombianos.

E quanto à derrota de Hugo Chávez? Que derrota? Por quê? Se este blogueiro não se engana, há alguns meses o presidente venezuelano foi o grande negociador para a libertação de outros reféns tão vítimas da violência das Farc quanto foi Ingrid Betancourt durante esses anos. Ademais, Chávez durante todo o tempo defendeu que o exército colombiano teria condições de agir com inteligência e dentro dos limites para resolver o problema com a guerrilha. Ironicamente, os comandantes de confiança de Uribe, de certo modo, seguiram os conselhos de Chávez e de outros críticos do presidente colombiano e, aparentemente, trabalharam com a agilidade e a firmeza que seriam desejáveis no trato da questão.

Por fim, a alegria da libertação da franco-colombiana e de outros reféns deve ser capaz de obscurecer a suposta armação de um resgate pago. Convenhamos, isso seria uma ação suicida de Uribe, homem pragmático e calculista, como admitem até mesmo seus admiradores. E Para a já combalida e desacreditada guerrilha, este constituiria um ato de abandono de qualquer convicção ou ideologia que se pudesse levar a sério. No dito pelo não-dito, que esqueçamos todas as besteiras possíveis de ser proferidas ou especuladas e fiquemos com a felicidade dos reféns libertos.

Possível lado bom da perseguição

Talvez os barões da mídia não saibam disso, mas a doentia perseguição contra o governo do presidente Lula pode até ser boa para o país às vezes – eles devem pensar o mesmo, mas não necessariamente nos termos em que pretendemos expor! Refiro-me, principalmente, à cobertura sobre o relativo arranque inflacionário que ora se verifica no Brasil (a exemplo de todo o mundo). É necessário dizer que, a bem da verdade, a mídia acerta em destacar o caso; o problema poderia estar no tom que utiliza.

“Poderia”. Em realidade, por incrível que pareça, o tom catastrófico e de certo exagero no noticiário talvez acabe contribuindo para que as pessoas fiquem mais zelosas e vigilantes quanto ao aumento de preços, além de contribuir para que elas busquem produtos alternativos, façam pesquisas, retardem uma ou outra compra, sempre na medida do possível, é claro! Não se trata, pelo menos num primeiro momento, de redução da demanda – embora isso possa naturalmente vir a ocorrer por diversos motivos -, mas de substituição de produtos ou mudança de hábitos.

Analisemos friamente a inflação brasileira. O índice oficial, o IPCA, aproxima-se da casa dos 6% ao ano. É preocupante, sem dúvida, mas, ao contrário do que alguns telejornais e as manchetes da imprensa escrita nos querem fazer acreditar, não está, pelo menos por enquanto, tão fora de controle assim. Tal indicador ainda está dentro dos limites da meta de inflação brasileira, que é um máximo de 6,5% a.a. E como o leitor certamente já sabe, em vários países que também trabalham com semelhante sistema, o resultado já extrapolou o que fora determinado por suas autoridades monetárias.

Antes que alguém diga que a imprensa apenas cumpre o seu papel de ficar atenta à tendência de aumento de preços e que, conseqüentemente, não há aí nenhum viés político na sua cobertura, gostaria de lembrar que já houve alguns rompantes inflacionários na “era do real”. No final do segundo mandato de FHC, por exemplo, o IPCA bateu nos 12,53% anual contra um limite de meta de 5,5%! Não se viu, entretanto, grande agito por parte da mídia naquela oportunidade. E olha que seria de se esperar uma comoção maior, pois, ao contrário do que se verifica atualmente, não havia naquela época uma crise internacional de preços, o que deixava a inflação brasileira de então com cara de mero desequilíbrio interno mesmo. Noutras palavras, o melancólico fim da “era FHC” é que era merecedor de uma cobertura um pouco mais politizada por parte dos nossos meios de comunicação.

Outro índice que vem assustando é o IGP-M, indexador de diversos contratos, inclusive dos de aluguel. Nos últimos 12 meses, foi apurada uma “paulada” de mais de 13%. No caso do Índice Geral de Preços ao Mercado também está havendo alguma exposição de meias-verdades por parte da mídia. Até mesmo jornalistas sérios, como Joelmir Beting, andaram dizendo bobagens sobre o temível indicador. Em comentário no BandNews, o jornalista especializado em economia afirmou que o IGP-M assusta porque “sempre” opera acima do IPCA. Não é verdade. Pelo menos nos anos de 2006 e 2007 o índice apurado pela FGV foi sensivelmente inferior ao IPCA: em 2006, por exemplo, quem tinha aluguel reajustado sobre o acumulado de 12 meses apurado no fim de janeiro daquele ano sofreu aumento de 1,74%.

O principal motivo da obsessão midiática pelo ainda adormecido dragão inflacionário reside no fato de que ele pode pôr fim à lua-de-mel dos mais pobres com o presidente Lula. Com efeito, a inflação é especialmente mais dolorosa para as pessoas com menos poder aquisitivo, sobretudo se concentrada – como parece ser o caso – nos chamados itens de primeira necessidade. Daí a constrangedora quase indisfarçável torcida dos brasileiros com “B” maiúsculo donos de jornais e seus colunistas que não querem perder o emprego.

Mas voltemos ao tema da possível “mãozinha” ao controle de preços involuntariamente dada pela mídia. Os jornais, o rádio e a TV bem que poderiam se comportar como no final de 2002, quando, repitamos, a inflação oficial ultrapassou os12%, e fingir que estamos no melhor dos mundos, longe de qualquer risco inflacionário. O clima de segurança seria maior, e como a economia, apesar do BC, ainda tem demonstrado algum fôlego, as pessoas poderiam se sentir à vontade para gastar de forma despreocupada. Mas, aparentemente, a mudança de perfil da imprensa quanto à preocupação com o tema – sensivelmente diferente dos tempos em que o presidente era FHC – tem levado os consumidores a pensar duas vezes antes de levar um produto, a “pisar no freio”, a escolher produtos mais baratos. O resultado, talvez, acabe sendo uma inflação encorpada porém bem-comportada, do tipo que não fuja das metas estabelecidas.

Mas de todo modo, dirão alguns, o resultado vai ser um crescimento menor da economia, com conseqüente diminuição de abertura de vagas de emprego, com redução da expansão industrial, e, assim, o tiro não terá saído pela culatra, ou seja, de uma forma ou de outra, a mídia anti-Lula terá feito um tento. Ora, fazer o quê? No fundo, ninguém poderia esperar algo muito diferente de semelhante cenário, haja vista a política adotada pelo BC ainda em 2007, quando cautelosamente já cessara a redução da SELIC, para reiniciar a alta já no começo deste ano. É um desarranjo do qual o país precisaria se livrar, mas que exigiria mudanças no modelo econômico, o que, pelo que tudo indica, poucos estariam dispostos a abraçar. Mais uma vez, leitor, isso é o que podemos chamar de problemas estruturais ligados à ordem capitalista. É como se se dissesse: que se “pise no acelerador” e que se cresça desmesuradamente, depois disso, agüente-se a inflação que corroerá os possíveis ganhos; ou, diferentemente, que se trabalhe em prol de uma inflação na rédea curta, mas num clima de estagnação, com poucos empregos, poucas perspectivas, produtos de pequeno valor, cenário de baixo faturamento e de crescimento abaixo de medíocre.

Mas se o assunto agora é o controle de inflação, que cuidemos disso. Obtido sucesso nessa empreitada, esperemos pela grita contra o “crescimento maior só que o do Haiti”. Um problema de cada vez para o governo e para a mídia brasileiros!

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