domingo, 24 de novembro de 2013

Desculpe-nos. Daqui a 50 anos!

Comecemos repisando: a Ação Penal 470, vulgo "mensalão", é revestida de grande polêmica entre políticos e juristas, inclusive de muitos não simpáticos ao principal partido e aos maiores nomes nela implicados. Há quem questione o próprio crime (no sentido penal), seus procedimentos, o modelo de julgamento, as teses utilizadas para condenar, a dosimetria adotada etc. Como não poderia deixar de ser, novas críticas seguiram ao mais recente capítulo: a execução das penas.

As críticas à prisão em regime fechado mesmo de condenados não necessariamente a tal pena foram igualmente encampadas por gente das mais diversas colorações. A medida, no entanto, foi muitíssimo festejada pela chamada grande imprensa. Salvo as exceções que confirmam a regra, só se viram alegrias, bravatas e lições de moral na maioria dos editoriais, manchetes, capas e colunas. Não faltou nem mesmo quem imprimisse ao caso um sentimento de esperança, do tipo "é só o começo; virão condenações para todos os malfeitos e de todos os partidos", de modo a disfarçar o revanchismo ou sectarismo.

O rigor científico exige que evitemos, ao máximo, comparar coisas que são essencialmente diferentes. Comparar o julgamento do chamado mensalão com o Golpe de 1964, por exemplo. A simples ideia de classificar o "ponto fora da curva" - como disse o ministro Barroso -, que caracteriza o julgamento, como sinal de golpe já é uma atitude ousada, que talvez só o velho tempo poderá bem dimensionar. Há, porém, exemplos que permitem passear pela hipótese.

Diferentemente das décadas de 1960 e 1970, as elites latino-americanas não vêm usando os militares para tentar compensar a impopularidade de suas ideias e seus desejos. Atualmente, a preferência vem recaindo pelas estruturas do Judiciário. O caso mais marcante foi o golpe em Honduras pela iniciativa da Suprema Corte do país, seguido da deposição em tempo exíguo do presidente Lugo, no Paraguai, que teve seu impeachment referendado, em tempo igualmente rápido, por sua Corte maior. Ressalte-se que questões de interesse popular na Argentina e na Venezuela, também recentemente, só não sofreram reveses judiciais porque em ambos os países houve preocupação com a coloração das supremas cortes -  tal espaço foi compreendido, por Chávez e pelos Kirchners, como elemento fundamental da arena política.

O que mais permite a comparação com 1964 é mesmo o já mencionado comportamento da mídia. O clima de torcida e agitação após a "vitória" saboreada pelo encarceramento dos "mensaleiros" assemelha-se, guardadas as proporções, ao tom expresso nas manchetes após o Golpe Militar de fim de março e início de abril de 1964. Alguém estranharia, hoje, se lesse em alguns de nossos jornalões, embaixo de uma foto de Dirceu ou Genoino preso, algo do tipo "vive a Nação dias gloriosos"? Para entender melhor, veja a compilação do sítio Carta Maior.

Passados muito poucos anos, alguns dos órgãos de imprensa que celebravam 1964 já sentiam na pele o que aquele movimento significava. Em seguida, muitos passaram a surfar noutras ondas, vendo que o processo de abertura era irreversível. Outros estiveram até o fim com os militares, coerentes com sua posição. Todavia, estes últimos, passados quase 50 anos do golpe e perto de 30 da despedida do regime, após sofrer ataques verbais nas ruas, entenderam por bem fazer um "mea culpa", demonstrando relativo arrependimento pelo embarque naquela empreitada.

Muita coisa ainda deve ser escrita e reescrita sobre o tal mensalão. A história é intrincada: envolve vingança, há de fato crimes eleitorais, existe o componente dos vícios do sistema político, jogos de interesse etc. Não obstante tudo isso, o que mais vai saltar aos olhos será o sacrifício de figuras e funcionários públicos com o fim de se fazer um grande espetáculo de que o País, em algum sentido movido por motivos nobres, estava sedento por assistir. Noutras palavras, o "ponto fora da curva" nada mais é do que um refinado eufemismo para julgamento de exceção. E tem gente - inclusive doente - indo presa, após medida arbitrária, com o fim de saciar o desejo de sangue dos bombardeados pelo discurso midiático e a fome de vingança dos derrotados nas urnas.

Um julgamento de exceção, assim como regimes de exceção, tem tudo para ser execrado um dia. Impossível prever em quanto tempo. Quando esse dia chegar, alguns dirão que foi para evitar males maiores ou que houve uma tentativa de se moralizar a política a qualquer custo, ainda que por meio de uma injustiça. Mesmo que forçados, alguns talvez peçam desculpas. Tomara não seja necessário esperar 50 anos!


sábado, 2 de novembro de 2013

A primeira semana sem Lou Reed

 Sempre que vejo, neste início do XXI, alguma figura fundamental do mundo da arte e da cultura indo embora, costumo dizer que é o século XX morrendo. E, nos últimos tempos, tal ilustração foi tão verdadeira quanto no caso do falecimento do roqueiro Lou Reed, morto no dia 27 de outubro de 2013, aos 71 anos, brilhante primeiramente como líder do lendário The Velvet Underground e em seguida em notável carreira solo.

Falando do legado do genial artista, um amigo lembrou-me de uma triste coincidência: minha mais recente resenha para o sítio RateYourMusic foi sobre o terceiro disco do Velvet Underground, o homônimo de 1969, justamente o trabalho no qual a banda já não contava com John Cale, funcionando como grupo genuinamente de Reed, sem, é claro, desmerecer os demais integrantes.

Em homenagem ao já saudoso roqueiro, reproduzimos abaixo a pequena resenha (original aqui). Ao final, ouça a faixa "Jesus", que encerra o lado A do LP.


The Velvet Underground (1969)

Este homônimo de 1969 deve ser avaliado como uma saída para os roqueiros que não foram fisgados ao primeiro contato com o Velvet Underground.
Há aqueles que, com razão, consideram exagerado o endeusamento do primeiro disco, produzido por Andy Warhol e com participação de Nico.
Outros ficam assustados com as distorções, ruídos e experimentalismos de White Light/White Heat, o segundo álbum do grupo.
Neste terceiro, a banda, já sem John Cale, soa mais, digamos, normal, enveredando pelo rock e folk sem firulas, com direito a refrões mais ou menos pegajosos e riffs que não fazem feio para quem quer apenas ser pop.
Destaque para os vocais de Lou Reed, em seu melhor  momento: superapaixonados e com arrepiante atitude rock - não me perguntem o que é isso: sinto mas não sei explicar.
Para não perder o costume, "The Murder Mystery", em seus quase nove minutos, paga tributo aos discos anteriores, não deixando totalmente órfãos os admiradores das esquisitices dos dois primeiros.


sábado, 22 de junho de 2013

O que ouvi; o que senti...

Nao há dúvidas que é cedo para analisar com profundidade  as manifestações de rua deste junho de 2013 no Brasil. Tentarei passar impressões a  partir  de testemunho do que ouvi em vagão do Metrô de São Paulo na terça-feira 18.

Na estação República embarca uma enormidade de jovens de cara pintada discutindo, conversando sobre os encontros de que participaram. A primeira observação viria de Nelson Rodrigues: nenhum desdentado! Atenhamo-nos às ideias, pois.

Um dos jovens dispara de cara: em meio a tanta coisa, os vinte centavos foram a gota d'água; não bastasse - prosseguiu -, tem o preço do quilo do tomate (R$ 12, segundo o jovem); pacote de arroz a mais de R$ 20; feijão a quase R$ 3. Gostei do preço do feijão! Desconfio que o moço não faz compras, mas mesmo assim fiquei tentado em lhe perguntar qual supermercado frequentava.

Outro rapaz afirmava que na Suécia políticos não recebiam salários, preciosa informação que não confirmei. Como seria de se esperar, o moço começou a clamar por menos impostos. Todavia, sem se atentar ao significado da palavra incoerência, o carinha passou a cobrar melhoria dos serviços públicos.

Na Sé, sobe muitíssima gente, aparentemente sem ligação com os protestos. Uma manifestante puxa papo com uma mulher, logo de início reclamando das agruras do cotidiano, dela ouvindo uma crítica genérica aos políticos: "tudo safado, tudo vagabundo, tudo farinha do mesmo saco". A moça tinha a solução: era 80% dos eleitores anularem seu voto; e o legal do movimento, contava ela para a passageira, era o repúdio aos partidos.

Merece comentário: abdicar da política, anulando votos como sugeriu a manifestante, de nada serviria, pois os poucos que ofertassem votos válidos decidiriam as eleições. E mudanças não podem ser empreendidas senão por meio da política e de seus partidos, inclusive por força legal. Muitos fazem pregação moralista antipolítica por pura ignorância; o preocupante é que parcela talvez não desprezível o faz por inclinação golpista mesmo.

Talvez não por muita coincidência, durante a viagem leio texto (se não me engano de Paulo Moreira Leite) que nos lembra do fato de, na Espanha, os jovens, após longas manifestações, terem renunciado à participação e, assim, permitido a vitória dos conservadores naquele país, os quais vêm intensificando o desmando neoliberal, causa última justamente da insatisfação que levara as pessoas às praças.

Em seguida, no ônibus, um sujeito, a despeito de, segundo palavras dele, grande paixão por futebol e da alegria pela realização da Copa no Brasil, estava furioso com os gastos excessivos com a organização do evento e construção e reforma de estádios. Muitos de fato estão tristes com a situação. Talvez porque estejam decepcionados por terem as arenas ficado prontas já em tempo da Copa das Confederações, ao contrário do que se afirmava a boca pequena, inclusive em razão de nosso já proverbial complexo de vira-latas - Nelson Rodrigues de novo!

A moçada que vi e ouvi, aparentemente desligada de organizações, conforme relatado repetia, de forma voluntária, bordões da imprensa, oposição e de grupos de direita: inflação fictícia, discurso anti-imposto e antipolítica, ódio aos partidos (de esquerda, principalmente), gastos públicos - todos temas que não por acaso poderiam desgastar qualquer governo mas são especialmente caros ao federal. Neste quadro, não parecia tarefa difícil para a direita organizada cooptar os que protestavam de boa fé.

É um caso clássico de como age a fortuna de que falava Maquiavel. O governo Dilma não só não construiu diques para dela se proteger, como ainda deixou transparecer que se sentia seguro com seus altos índices de popularidade. Por sua vez a virtù - para prosseguirmos com o florentino - parece, por enquanto, estar com a mídia e demais grupos dispostos a desestabilizar o governo brasileiro. Inculcaram pacientemente, por longo tempo, ideário conservador na cabeça das pessoas. Quando sentiram o pulsar das ruas, agiram rápido, tiveram senso de história.

domingo, 16 de junho de 2013

Perspectivas para 2014 - influências dos resultados do PIB

O até certo ponto decepcionante crescimento econômico anotado no primeiro trimestre deste 2013 trouxe ânimo para a oposição e para o colunismo que lhe dá suporte na imprensa. Com ótimos índices de popularidade, sendo Dilma Rousseff favoritíssima à reeleição em 2014, qualquer espirro traz alento às hostes oposicionistas. Mas, afinal de contas, qual é efetivamente a importância dos números reais do Produto Interno Bruto na hora da eleição?

O PIB comportou-se de forma oposta nos dois últimos pleitos presidenciais: foi fraco durante o período que antecedia a corrida de 2006, e era quase chinês na disputa de 2010. As respostas das urnas parecem sugerir que a ideia de crescimento econômico, se mostrada de forma abstrata, sem relação direta com a vida das pessoas, não influencia de forma, por assim dizer, simétrica, o resultado - no limite, talvez seja meramente um elemento a mais, de importância apenas relativa, na hora de o eleitor decidir seu voto.

Em 2006, ainda antes da derrocada do neoliberalismo, o planeta vivia uma onda de prosperidade, com meio mundo ostentando números significativos de crescimento. O Brasil seguia acanhado, e o oposicionista Geraldo Alckmin, secundado pela mídia amiga, não perdia uma oportunidade de acusar o País de àquela época "estar crescendo somente mais do que o Haiti nas Américas". A despeito das lembranças e advertências do político paulista, o então presidente Lula, candidato à reeleição, obteve vitória folgada - para não dizer massacrante - no segundo turno.

Já em 2010, nos meses que marcavam a corrida pelo Planalto, a economia brasileira, diferentemente da maior parte das economias centrais do planeta, bombava, com índices de crescimento que, anualizados, orbitavam pelos 8%, números que só seriam considerados ridículos por chineses - e olhe lá! Mas eram os brasileiros que iam às urnas, e apesar do "feel good factor", impuseram um segundo turno e premiaram a oposição com 44% dos votos, números bem melhores do que o por ela alcançado quatro anos antes, quando, segundo Alckmin e a mídia, o Haiti era aqui.

Não raro veem-se críticos aos métodos de avaliação de crescimento econômico e gente que declaradamente contesta a validade do PIB para se apurar a saúde econômica e o bem-estar social num dado país. Aos estudiosos do tema, a relação, digamos, blasé que o eleitor brasileiro parece vir tendo com a matéria seria uma boa fonte de análise.

E em 2014, será que o eleitor irá às urnas com uma tabelinha do IBGE debaixo do braço?

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Meio a zero: reflexões sobre a eleição de Maduro na Venezuela

Na linguagem futebolística, sempre se diz que está valendo a vitória de "meio a zero", com gol de mão, impedido, aos 47 do segundo tempo. É vitória e ponto. De todo modo, todos esperavam resultado mais elástico a favor do chavista Nicolás Maduro contra o oposicionista Henrique Caprilles nas eleições presidenciais na Venezuela.

O chavismo coleciona vitórias nos últimos 14 anos no país sul-americano; e o pleito do domingo, 14 de abril de 2013, correu sob forte impacto emocional pela morte de Hugo Chávez. No mínimo repetir o resultado de outubro de 2013, quando o falecido ex-presidente ganhou com diferença de oito pontos, era esperado por muitos seguidores e apoiadores do regime vigente na Venezuela.

A pouca diferença a favor do candidato da situação pode se explicar por fatores como o desgaste mais ou menos normal de um grupo político no poder por mais de uma década e por problemas socioeconômicos cuja existência não vinha sendo negada nem pelo mais radical chavista. Além de fatores mais racionais, talvez seja o caso de avaliar se não há algo nas autoridades carismáticas, caso de Chávez, que seja absolutamente intransferível. 

As eleições presidenciais de 2010 no Brasil são exemplo de que parcela não desprezível do carisma fica como que "presa" exclusivamente a seu dono. Mesmo com a popularidade de Lula na estratosfera, sua candidata não conseguiu vencer no primeiro turno e, na segunda rodada, viu quase 45% dos eleitores sufragarem o nome da oposição, a despeito de o País estar crescendo próximo a taxas chinesas no momento em que se dirigia às urnas.

Outro aspecto importante já foi abordado noutro de nossos textos, que pode ser acessado abaixo. Hugo Chávez devia ter trabalhado melhor sua sucessão, e isto antes da grave doença que o acometera. Advertências já haviam sido feitas pelos ex-presidentes Kirchner e Lula. Tal providência poderia ter sido tomada mesmo com as regras eleitorais vigentes na Venezuela e ainda que sob a liderança inabalável e até centralizadora de Chávez.

No mais, a dificuldade encontrada por Maduro foi, sim, um recado duro para as esquerdas pós-neoliberais que comandam parcela importante da América do Sul. Para o Brasil, em particular, o caso deve ser visto como um aviso preocupante, em vista da falta de regulação da mídia, que indiscutivelmente age como partido de oposição, e também por conta da inclusão social realizada com melhoria material de vida desprovida, no entanto, de politização.

Não houvesse na Venezuela um sistema público de comunicação eficiente e tivesse sua população mais pobre desligada dos temas mais caros da política, e certamente Caprilles, político jovem mas tarimbado, teria dado um passeio eleitoral no domingo passado. Será que Dilma e o PT acham que a oposição no Brasil não viu isso?


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sábado, 23 de março de 2013

Perspectivas para 2014

Eis que em menos de uma semana três amigos perguntam quais são minhas "previsões" para 2014. Pensei que estivessem falando de Copa do Mundo. Não estavam. Queriam minhas impressões sobre as próximas eleições presidenciais. Ponderei que ainda é meio cedo, mas, mesmo assim, falei um bocado, oferecendo quase nada de opinião original recheada de observações antes apontadas por gente como Miguel do Rosário, Luiz Carlos Azenha, Emir Sader, Marcos Coimbra, Paulo Henrique Amorim, Altamiro Borges e outros. Não me recordo quem disse o quê. Consequentemente não dei - e não darei - os créditos na forma devida. Ficam as homenagens para todos eles.

Aécio e o PSDB
comungamos da opinião de que Aécio Neves só será o candidato tucano se a reeleição da presidenta Dilma Rousseff se configurar inexorável. É que os caciques paulistas do tucanato verão no pleito a oportunidade de ouro para "queimar" o "mezzo-mineiro mezzo-carioca", deixando o campo livre para uma candidatura paulista em 2018.

Ao nosso ver, se as nuvens, parafraseando Magalhães Pinto, mudarem suas formas, de maneira a mostrarem um quadro no mínimo arriscado para Dilma, os paulistas novamente dificultarão as coisas para Aécio, ofertando-lhe, como prêmio de consolação, a inestimável honra de aceitar ser vice de um bandeirante da melhor cepa!

Marina e Eduardo
Marina Silva por sua tal "rede" e Eduardo Campos pelo PSB também sugerem que sairão candidatos em 2014. Ambos vêm recebendo generoso espaço na mídia, invariavelmente com leituras simpáticas. O motivo é que eles podem impedir uma vitória do Partido dos Trabalhadores já no primeiro turno. A suspeita é de que os dois subtrairiam votos do centro e da centro-esquerda alinhados com o PT. Somente por isso angariam a simpatia dos jornalões e de seus colunistas.

No fundo, o coração midiático bate mais forte pela proposta conservadora representada pelo PSDB. Marina e Eduardo só servirão enquanto - e se - dificultarem as coisas para Dilma. Se, por outro lado, um deles vier a surpreender, desalojando os tucanos de posto de segunda força política do País, decerto vai sentir o jogo sujo dos meios de comunicação.

Marina, que segundo as mais hodiernas pesquisas sustenta o segundo lugar na preferência do eleitorado, que se cuide!

E vai dar segundo turno em 2014?
Se a grande preocupação da mídia oposicionista é, no mínimo, garantir o segundo turno, pode ficar tranquila: a corrida pela Presidência da República em 2014 deve ser resolvida somente em segundo escrutínio mesmo, caso se mantenha a atual configuração da disputa. Por quê?

Eduardo Campos deve conseguir bom desempenho não somente no seu estado natal mas em todo o nordeste. Não se perca de vista que aquela região foi fundamental para os excelentes números alcançados pelos candidatos petistas em 2006 e 2010. É sangria de votos de Dilma na certa.

Marina Silva teve, em 2010, excelente desempenho na importantíssima praça do Rio de Janeiro. Não há, a princípio, motivos para acreditar que não conseguirá repetir o mesmo êxito em 2014. A acriana também saiu-se bem em São Paulo na última corrida presidencial. Não se enxergam, no horizonte, motivos para que se saia pior na próxima contenda.

E Aécio Neves, que foi no mínimo omisso em 2006 e que cristianizou Serra em 2010, tem tudo para impedir que um petista se saia vitorioso no segundo maior colégio eleitoral do Brasil, qual seja, Minas Gerais. Aécio deve ganhar de lavada, with a little help from his mídia, é claro!

Como se vê, Dilma tem muito a perder com o quadro ora desenhado. A ausência de um paulista poderia ser uma vantagem da petista, em vista da "orfandade" do maior eleitorado brasileiro. Este escriba, porém, acredita que o eleitor paulista é dos poucos do País ainda suscetíveis ao papo furado midiático, francamente antipetista, e seguirá, em maior ou menor grau, o candidato ungido pelos meios de comunicação, possivelmente Aécio Neves.

E falta um ano e meio, hein?!...



quinta-feira, 7 de março de 2013

Um erro de Chávez

Nestes dias que seguem ao da morte de Hugo Chávez não são poucas as homenagens, merecidas, ao grande ícone latino-americano de nossa era. De nossa parte, porém, louvá-lo-emos lamentando um de seus poucos erros.

Chávez, para falarmos em termos maquiavélicos, contou, em boa parte do tempo, com a fortuna, e teve, na maioria das vezes, a virtu necessária aos grandes líderes políticos. Soube valer-se da maior riqueza de sua Venezuela, o petróleo, aproveitando-se das boas fases de alta da commodity, revertendo os ganhos em programas sociais para o seu povo, transformando a estrutura social do país.

Liderança regional, figura carismática, sujeito que incorporava um movimento de mudança em um país e numa região que necessitavam de profundas transformações, Hugo Chávez esqueceu-se justamente de criar condições para que o "chavismo" lhe sobrevivesse com tranquilidade.

Não há originalidade no que está aqui exposto. Tampouco se trata de opinião nova, proferida no calor do momento, na hora em que o problema de algum modo se impõe. Nada disso.

No documentário "Ao sul da fronteira", de Oliver Stone, o falecido Nestor Kirchner já contava que advertira o presidente venezuelano da necessidade de dar espaço para o surgimento de novas lideranças em seu país. 

O historiador Gilberto Maringoni, especialista na matéria, em seminário do departamento de Filosofia da Universidade São Judas Tadeu, de São Paulo, em data não muito recente, expunha a ausência de nomes capazes de derrotar Chávez na Venezuela, mas se lamentava, ao mesmo tempo, de não haver outra figura, no campo do chavismo, capaz de suceder o "comandante". Asseverava ele, com misto de humor e desolação: "não existe uma 'Dilma' do Chávez!".

Mais recentemente, o ex-presidente Lula, em entrevista à imprensa argentina, em manifestação um tanto distorcida pela mídia brasileira, também declarava que Chávez precisava ter cuidado de preparar sua sucessão. A opinião repercutiu em todo o mundo, inclusive pela incontestável autoridade do brasileiro neste particular.

Antes de qualquer esperneio, cumpre esclarecer que o problema não está no modelo eleitoral da Venezuela, que permite sucessivas reeleições infinitas do presidente - embora caiba, por outro lado, crítica ao fato de a mudança constitucional que as permitem ter sido efetivada no meio do jogo, a exemplo, aliás, da que permite a reeleição no Brasil. A favor de Chávez, diga-se de passagem, está o fato de ao menos submeter ao crivo popular as alterações que implementava. 

A singeleza da questão está no fato de que, a despeito de ser líder carismático clássico, o presidente Chávez, até em razão do ambiente democrático popular que a sua atuação suscitou, poderia ter ungido desde há muito o próprio Nicolás Maduro ou qualquer outro nome de seu círculo mais próximo, deixando-lhes um caminho mais suave para dar continuidade ao seu assombroso legado. Seria uma empreitada difícil? Sem dúvida. Mas Lula e Dilma, mesmo sem uma rede de comunicação forte como a de Chávez, comprovam que não seria impossível.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Já que o assunto é Renan

Republico parte de história já contada neste blog, eis que figurada por ninguém menos do que Renan Calheiros, eleito presidente do Senado Federal na última semana. Outra presença importante do relato é a da velha amiga da imprensa e dos partidos de oposição: a hipocrisia. Vale relembrar.


A história é verídica. Aqui, contada na mais possível fidelidade, até pelo menos onde a memória alcança.

Era 2007. O País estava às voltas com escândalo envolvendo o senador por Alagoas Renan Calheiros. No trabalho, havia uma amiga revoltadíssima com os rumos do caso. E ela se mostrava especialmente indignada com o então presidente Lula, por sua proximidade com o alagoano à época.

-E esse Renan, hein? - dizia ela, dirigindo-se a mim - Começou lá atrás com o Collor, agora está com o Lula. Não me surpreende. Esperar o que desse Lula? Tudo a ver. Collor é Lula e Lula é Collor. E os dois estiveram com o Renan, cada um no seu tempo.

-Pois é - disse eu -, esse Renan é escroto mesmo. E pensar que já foi ministro da Justiça. Como alguém pode nomear um cara desses ministro da Justiça?

-Exatamente. Mas é como eu disse: esperar o que desse Lula? Parece piada. Só podia ser coisa do Lula mesmo, colocar o Sr. Renan Calheiros no importante cargo de ministro da Justiça.

-Peraí. Ele não foi ministro da Justiça de Lula não.

-Ah, sim, claro - ela obtemperou, meio constrangida. Foi ministro da Justiça no goveno Collor - disse, como se estivesse arriscando. Ora, mas dá no mesmo. Afinal, Collor é Lula e Lula é Co...

-Fernando Henrique Cardoso - interrompi.

-Desculpa, não entendi - disse ela, enrugando a testa, sem passar muita certeza se realmente não tinha entendido.

-O hoje senador Renan Calheiros exerceu o emblemático cargo de ministro da Justiça no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso - afirmei.

-Desculpa, mas deve haver algum engano. Tenho lido muita coisa no jornal sobre o caso Renan e não me lembro de ter visto que ele foi ministro de Fernando Henrique. Tem certeza que não foi mesmo do Lula ou do Collor? Você deve estar confundindo as coisas. Ministro da Justiça do Fernando Henrique foi aquele cara lá... É... O... Puxa vida! Como é o nome dele mesmo?

-Teve uns caras bons - ajudei eu. O José Carlos Dias, o Miguel Reale Jr...

-Miguel Reale Jr. Isso mesmo. Era esse que eu queria lembrar. Mas Renan Calheiros? Francamente! Ele não foi ministro de nada do FHC. Pelo menos eu não me lembro... E nem ouvi nesses últimos dias ninguém falar disso. Acho que é você que está querendo tumultuar. Só isso.

"Tumultuar, eu?", pensei. Em vez de ficar discutindo, fiz uma pesquisa rápida na internet e em poucos minutos descolei uma lei qualquer (acho que foi a Lei Nº 9.642, de 25 de maio de 1998) em que constava o nome de Fernando Henrique Cardoso, presidente da República, seguido do de Renan Calheiros, ministro da Justiça. Entreguei a impressão nas mãos dela.

Ela olhava fixamente para o papel, parecendo não acreditar. Repetia em voz baixa, como querendo ter certeza de que não estava sendo vítima de uma fraude. De repente, começou a falar com dobrada rispidez.

-Ora, meu caro, que importância tem isso? O que vale é o "hoje", o "agora", entendeu bem? E hoje, agora, Renan é aliado de Lula, e é só isso que conta. Estão lá ó - disse, fazendo sinal com os dedos - juntinhos. Unha e carne. Aí você me vem com esse papo de ministro de Fernando Henrique... Que importância tem isso? Faça-me um favor. Isso é fugir do problema. FHC está no passado, e a gente tem mais é que pensar no "hoje". E hoje o Renan está com o Lula. Entenda bem isso: a ligação de Renan com FHC é passado. Pas-sa-do. E o passado não tem importância nenhuma nesse caso.

-Mas se não me engano, o Collor é mais "passado" do que o Fernando Henrique - lembrei, sarcasticamente -, e até cinco minutos atrás esse "passado" parecia ter muita, mas muita importância.

Nessa hora minha amiga meneou a cabeça e voltou a trabalhar. Eu também. Aliás, trabalhar era o que deveríamos estar fazendo durante todo o tempo em que debatemos sobre o homem que foi ministro da justiça no governo de Fernando Henrique Cardoso, no período de 07.04.1998 a 19.07.1999.