sábado, 31 de janeiro de 2009

Enfim, o Fórum Social Mundial

O Fórum Social Mundial, que ocorre em Belém neste ano de 2009, está tendo uma espécie de edição da desforra: depois de anos sendo considerado um evento de utópicos, retrógrados, românticos, bichos-grilo e outros adjetivos menos simpáticos, o FSM aparece agora como o espaço que durante muito tempo desferiu não apenas críticas ao pensamento hegemônico, mas também como um lugar que apresentou soluções aos diversos problemas mundiais.

Já dissemos noutros momentos que os discursos não mudam, mas dependendo de quem os profere, ou da situação na qual o fazem, eles podem ser recebidos das mais diversas formas. O leitor mais assíduo decerto que se lembra de nossa estranheza com o fato de as bolsas de valores terem subido com as palavras de um já eleito Barack Obama, que se declarava disposto até a quebrar o orçamento para fazer a roda da economia voltar a girar, o que seria uma heresia numa era em que se acostumou a tratar a responsabilidade fiscal quase como um dogma. O mesmo fiel leitor – se é que ele existe! – também se recordará de nosso espanto com o fato de altas autoridades mundo afora ganharem espaço na mídia, no auge da crise internacional de alimentos, acusando os biocombustíves pela escassez e conseqüente encarecimento de comestíveis, mais ou menos um ano depois de Fidel e Chávez terem sido ridicularizados por dizer o mesmo.

No caso do Fórum Social Mundial, as afirmações de que o estado deveria ter um papel mais relevante em todos os países, de que não se poderia deixar as coisas à mercê do mercado, de que alguma regulamentação era necessária e de que a questão ambiental não merecia ser deixada de lado eram vistas como mera retórica tipicamente esquerdista. Hoje, o papo dos “caipiras” e “neobobos” (como diria o ex-presidente FHC) está até no esvaziado Fórum Econômico Mundial, que ocorre em Davos, concomitantemente ao FSM.

A esperança de todos é que a crise econômico-financeira internacional seja solucionada. (Nem de todos: a oposição brasileira, tanto a política quanto a midiática, querem ver o circo pegar fogo no Brasil). Mas isso ocorrendo, não se deve permitir o retrocesso aos desvarios neoliberais. Para tanto, os recados de fóruns como este que está ocorrendo no Pará devem ser cada vez mais contundentes e não podem esmorecer nunca.

domingo, 25 de janeiro de 2009

'Espectro' industrial de reserva

As idéias de Marx continuam aparecendo com força. Alguns dirão que elas estiveram sempre em voga, e que a diferença agora é que a chamada crise financeira internacional as está colocando em maior evidência.

No caso do Brasil, por conta da propalada - não muito bem esclarecida – “onda de desemprego”, está-se vendo a entrada em cena do velho conceito marxista do exército industrial de reserva. Como o próprio nome já deixa subentender, trata-se de um grupo que está fora do mercado, mas que pode vir a ser por ele utilizado a qualquer momento, ou, melhor do que isso, pode muito bem ser utilizado mesmo quando – ou principalmente porque – está na reserva.

Há duas situações básicas que provêm da existência de um exército de reserva. A primeira delas é a menor pressão sobre os salários, pois não há porque pagar mais aos trabalhadores se há um bom contingente de desempregados disposto a entrar no mercado para receber valores menores. A outra é o desdobramento do desempenho daqueles que estão empregados, pressionados psicologicamente pelo exército que se agiganta do lado de fora do mercado.

Por enquanto, passaremos ao largo das implicações políticas envolvidas na questão, como a choradeira empresarial e as pressões pela flexibilização de legislação trabalhista. Tendemos a elas voltar noutro momento.

Continuando com o assunto desemprego e a pressão do exército industrial de reserva, merecem atenção o comportamento que já se observa nas pessoas no dia-a-dia, decerto influenciadas pelo catastrofismo veiculado na mídia, e o viés de notícias apresentadas em alguns telejornais.

O BandNews, por exemplo, mostrou reportagem “sugerindo” que os trabalhadores devem, nesse momento de crise, mostrar mais serviço e, principalmente, não ficar reclamando muito. A matéria apresentou um escriturário que está até levando trabalho para casa como forma de se diferenciar no escritório e, assim, não ser pego pela crise. Noutro caso, um entregador que fazia doze entregas por dia, agora vem fazendo dezesseis, preocupado que está com o fantasma do desemprego.

Que raio de crise é essa que um cidadão até leva trabalho para casa, numa clara demonstração de que as suas horas normais não são suficientes para realizar a quantidade que tem de tarefas? Como pode uma reportagem sobre o risco de desemprego mostrar um trabalhador que está fazendo um terço a mais de seu trabalho normal, e nem sequer questionar qual é, afinal de contas, a verdadeira dimensão dessa crise? Aparentemente caberia a pergunta de até que ponto não há especulação, o que é fato e o que é mito, enfim, o que há de realmente verdadeiro nessa história toda.

E o exército industrial de reserva, onde entra? Bem, certamente o velho Marx, ainda que fosse de algum modo um homem de imprensa, não seria capaz de imaginar o poder que a mídia viria a ter. Mas a verdade é que só foi aparecer o resultado do CAGED, com algumas divulgações não muito bem contextualizadas, além dos casos de algumas grandes empresas demitindo, em situações também não muito bem explicadas, e as pessoas já começaram a se sentir incomodadas com o espectro dos que estão de fora. E a mídia, pelo que tudo indica, apenas cumpre o seu papel, que é o de amedrontar os trabalhadores: os que estão empregados, intimidados que ficam, já começam a trabalhar mais do que seria o normal; e a ironia tragicômica disso é que alguns trabalhadores poderão mesmo perder seus empregos, pois os empregadores sabem que os remanescentes, devidamente assustados, trabalharão em dobro para suprir a ausência do demitido. Nos casos relatados acima, por exemplo, a cada três dias o simpático entregador faz o trabalho de uma outra pessoa; se outros eventuais funcionários daquela empresa agirem da mesma forma, pelo menos mais um poderá ser cortado rapidinho. Já o escriturário, por sua vez, deixa em dificílima situação o colega que não queira, ou não possa, levar trabalho para casa; e se todos entrarem no jogo, certamente não haverá trabalho para todo mundo.

Seria o caso de falar em alienação? Ih, olha o alemão barbudo aí de novo! Fica para um próximo post.

Billy Blanco - Paulistana, Retrato de uma Cidade (1974)

Neste 25 de janeiro, comemoração dos 455 anos da cidade de São Paulo, reproduzimos abaixo a resenha originalmente publicada no Rate Your Music, de clássico álbum de Billy Blanco, uma das mais belas homenagens prestadas à maior cidade do Brasil. O texto é de 2007

Paulistana, Retrato de uma Cidade
Acredito que não passe um 25 de janeiro no qual não se ouça um coro afinado cantando: ‘São Paulo que amanhece trabalhando’. É o “Tema de São Paulo”, de Billy Blanco, letra e melodia que são o leitmotiv deste álbum conceitual. O outro tema desta ode é “Amanhecendo”, do qual muitos vão se lembrar por ser usado nas manhãs de uma famosa rádio noticiosa de São Paulo: entre uma mentira e outra, entre um comentário que flerta com o fascismo e uma entrevista com algum porta-voz da classe média chorona, entre uma reportagem tendenciosa e um dado contestável, pode-se ouvir o coro que entoa ‘começou um novo dia, já volta quem ia, o tempo é de chegar’; depois, em “O Tempo e a Hora”, ‘vombora, vombora, olha a hora, vombora’: bom ouvir isso direto do disco do Billy Blanco e não das ondas irradiadas por aqueles que abusam da concessão de um serviço público ofertado por toda a sociedade, bom ouvi-lo de uma obra produzida pela lenda Aloysio de Oliveira e não daqueles que se escondem por trás da covardia que denominam liberdade de imprensa. Aliás, amigos leitores, há uma frase de “O Tempo e a Hora” que diz, na bela voz da cantora Cláudia, que ‘o que vale é a versão, pouco interessa o fato’! Há algum freudiano aí?
E o disco fala, é claro, das coisas e das personagens de São Paulo: a carioca Elza Soares canta os imigrantes em “Capital do Tempo” e a tradição esportiva da cidade em “Pro Esporte”; Pery Ribeiro faz a “Louvação de Anchieta”, canta as “Coisas da Noite”, avança as fronteiras da cidade rumo à “Grande São Paulo” e via a “São Paulo Jovem” de então andar em duas rodas, com um rapaz guiando e uma moça na garupa, numa cena própria de um tempo em que a palavra motoboy seria um neologismo que causaria risos; a já citada Cláudia presta justiça a “Bartira”, aquela que Billy chama de índia-madre nas notas do disco; Miltinho, em “Viva o Camelô”, fala de uma figura folclórica, anterior à profissionalização do “bico” e de suas imbricações com o crime organizado; Claudette Soares nos mostra que o “Céu de São Paulo” já não era tão azul, mas que isso não importava para quem só tinha olhos para o asfalto; Nadinho da Ilha fala de uma das personagens mais conhecidas, amadas, cultuadas, desejadas e procuradas de São Paulo, a saber, “O Dinheiro”; e o coro manda ver numa irresistível levada rock para a “Rua Augusta” de Billy Blanco, que diferentemente da de Hervê Cordovil, não era espaço para a velocidade, mas para o caminhar leve, despreocupado, de moças olhando vitrines, enquanto eram admiradas nas suas roupas da moda.
Não deve ter sido à toa que o paraense Billy Blanco, para este disco produzido pelo carioca Aloysio de Oliveira, tenha convidado tantos artistas não nascidos em São Paulo: deve ter querido chamar a atenção para a idéia de cidade que tudo – e a todos - abraça. E o maestro Chiquinho de Moraes, na orquestração do álbum, valeu-se de características brasileiras numa linguagem universal, como sói acontecer com as coisas de São Paulo.
Agora, se me permitem, uma "provocaçãozinha": se eu me interessasse por política, diria apenas que o disco foi – a meu ver - por demais condescendente com nós paulistas, ao deixar de lado nosso conservadorismo e provincianismo, qualidades que, no mais, devem ser democraticamente respeitadas. Mas Billy Blanco talvez tenha até feito bem, pois para mim é muito triste lembrar que, por exemplo, Juscelino Kubitschek e Luiz Inácio Lula da Silva, dois dos presidentes mais populares da história do Brasil, dividem a nada honrosa pecha de serem os únicos que foram eleitos diretamente sem vencer em São Paulo. E olha que eu nem sou muito admirador de Juscelino... Mas São Paulo daquela feita preferiu Adhemar de Barros. Mais conservadora e provinciana impossível!
São Paulo, em 1974, ainda era a cidade das oportunidades, a cidade que mais crescia no mundo, ainda ostentava as características de city boom que mereceu chamada de capa da revista Time em 1952 (quando ainda era a segunda cidade do Brasil); em 1974, passados 20 anos, parecia que ainda não havia acordado da mística dos quatrocentos anos. E hoje, como seria a música de uma Paulistana 2007? Alguém aí se habilita?
São Paulo, 29 de abril de 2007.


Mais resenhas e informações deste álbum e de seus relançamentos, clique aqui.

sábado, 24 de janeiro de 2009

O preconceito venceu o jornalismo (uma inconfidência)

Transcrevo mensagem que encaminhei ao ombudsman da Folha de São Paulo um dia após à cerimônia de posse do presidente Barack Obama:

Antes de mais, já digo que não li a íntegra da Folha de hoje. Apenas acompanhei, como faço todos os dias, a sua primeira página e fiquei chocado com o fato de o jornal não ter lembrado que a frase do presidente Obama, de que "a esperança superou o medo", remete ao que disse o presidente Lula na sua posse de 2003. Então quer dizer que um dos principais presidentes dos Estados Unidos em todos os tempos, na cerimônia de posse mais concorrida da história, diz uma frase que praticamente repete o que foi dito por um colega brasileiro, e a Folha simplesmente finge que não percebeu?

Talvez o senhor, os editores e redatores do jornal achem que isso realmente não seja importante. Talvez não seja mesmo. Mas reparo que o diário
Agora, da mesma "família Folha", deu manchete principal para o quase-repeteco do que fora dito pelo presidente do Brasil. Estranho que seja importante para o "popular" Agora, e não o seja para a "refinada" Folha.

O senhor arriscaria uma explicação?


Pois bem. O ombudsman Carlos Eduardo Lins da Silva gentilmente me retornou, informando-me que encaminhara a minha mensagem aos jornalistas responsáveis pela seção "Mundo" do jornal.

Mas não parou nisso - e é aí que vem a inconfidência, já que tomarei a liberdade de expor mensagem que me foi passada em caráter particular. O ombudsman acrescentou que, de sua parte, achava que a formulação de esperança versus medo é relativamente banal no discurso político eleitoral pelo mundo todo. Disse ele: "No passado recente, que me lembre, foi mote – além de Lula e Obama – de Tony Blair na campanha de 1997, Bill Clinton na campanha presidencial de 1992, Deval Patrick na campanha para governador de Massachusetts em 2006, entre muitos outros."

Como de praxe, agradeci o amável retorno, mas repliquei, ainda que de forma um tanto tacanha:

É... Pode ser. Mas não pareceu banal para o Agora, do grupo Folha, a frase ser muito parecida com a que foi dita por Lula. E o fato de ela ter sido proferida por outros estadistas não tira a importância de ter sido dita também pelo presidente do Brasil. Aliás, para os brasileiros - leitores da Folha ou não - tem mais importância o fato de ter sido encampada com bastante sucesso pelo presidente Lula do que ter sido utilizada também por Blair, Clinton e outros.

Tinha me dado por satisfeito com a solução do ombudsman, ainda que continuasse achando que era obrigação não apenas da Folha, mas de todos os jornais, ter lembrado que Obama disse frase que, em nosso nível nacional, foi emplacada com mestria pelo presidente Lula - inclusive porque foi um belo jogo de palavras com a ridícula situação protagonizada pela atriz Regina Duarte em 2002. Mas para minha surpresa, poucas horas depois recebo mensagem de Carlos Eduardo Lins da Silva, retransmitindo-me a resposta da editora do caderno "Mundo". (E aí os senhores têm mais inconfidências): "O leitor tem razão na queixa, o correspondente que fez a matéria até pediu que acrescentássemos a informação aqui, e na correria acabamos esquecendo.
Mas é bom lembrar que o uso por Barack Obama da mesma frase usada pelo presidente Lula em 2002 já havia acontecido na campanha. Então não era a novidade do discurso que ele fez ontem."

Pois é. A despeito da prodigiosa memória do ombudsman, e apesar da sua relativização da importância do caso, a editora reconheceu que o fato por mim apresentado mereceria melhor tratamento por parte do jornal, não obstante a ressalva de que o presidente americano já a usara em campanha.

A resposta foi dada. De todo modo, fica uma dúvida: será que, se Obama tivesse repetido alguma frase dita por FHC, os editores da Folha - ou de qualquer outro grande jornal - teriam esquecido ou teriam se deixado engolir pela correria de fechamento de tão importante edição?

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

O cruel mundo de Meirelles

Já tivemos ocasião de dizer neste blog que a política monetária adotada nos últimos tempos no Brasil é bem mais complicada do que parece. Ela está até mesmo ligada àquilo que se pode chamar de contradições estruturais do capitalismo, ou qualquer outro nome pomposo que o leitor prefira. Já uma expressão popular que bem resume a saga do BC brasileiro é "se correr o bicho pega, se ficar o bicho come".

A decisão de cortar a SELIC em 1%, ocorrida nesta semana, todos sabem, não veio do nada. Não foi um lampejo de lucidez na cabeça dos membros do COPOM - até porque dois deles queriam que o corte fosse de apenas 0,75%. Em verdade, a comemorada medida só ocorreu por conta do desemprego acima da média para o mês de dezembro e também por conta de alguns sinais de retração, representados inclusive pelo próprio bom comportamento da inflação.

Henrique Meirelles não se cansa de lembrar que o Brasil, em 2008, foi o único país entre os que adotam o sistema de metas de inflação a conseguir se manter dentre os extremos que estipulou. Mas é justamente aí que mora o custo. Com uma política de juros menos austera, e com um conseqüente arranque de investimentos, talvez o país não tivesse conseguido segurar seus preços. Por outro lado, o alto fechamento de vagas provavelmente não teria sido verificado.

A inflação é, com efeito, uma espécie de câncer, ou como se diz por aí, um tipo de "imposto" pago sobretudo pelos mais pobres. Mas não faltariam também aqueles que prefeririam pagar um pouco mais caro por tudo, mas tendo ao menos um empreguinho a lhe garantir algo no final do mês. É a dura decisão dos conselheiros. Deveria também ser objeto de discussão de todo o país, de modo a saber que dificílima escolha fazer.

A grande verdade é que o capitalismo é assim mesmo, amigos: está amparado em contradições e sobrevive montado numa crise estrutural. Juros altos: preços sob controle, mas com menos investimentos e conseqüentemente menos empregos; juros menores: mais investimento, mais empregos, mas com preços mais altos, com risco até de que fujam das rédeas.

Definitivamente, não é fácil.

Leia também:
Independência ou... independência

sábado, 17 de janeiro de 2009

Velho assunto novo

Até o momento em que comecei a catar milho elaborando este post, não tive a oportunidade de ver a repercussão da fala do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que defendeu, na Venezuela, a mudança da constituição daquele país, ainda a ser referendada, que permitirá infinitas reeleições aos mandatários do país vizinho. Posso – e sinceramente espero – estar enganado, mas é muito provável que algum jornal de hoje (17-01-2009) já traga estampada a opinião de que Lula deu uma senha para tentativa de mais um mandato para si, não obstante o presidente tenha aproveitado para reiterar que não quer um terceiro mandato, embora admita que vá trabalhar dedicadamente para fazer seu sucessor.

Antes que o leitor me acuse de estar sendo leviano por falar de algo que admito não saber se realmente ocorreu, peço que o amigo primeiro acuse os meios de comunicação por serem tão previsíveis, e, dessa forma, darem tanta munição aos seus críticos.

O presidente brasileiro disse também que, estivesse o Brasil andando bem das pernas no final do mandato de Fernando Henrique Cardoso, provavelmente algum deputado da base governista apresentaria uma proposta de emenda para dar sobrevida a FHC. Isso foi, com efeito, um golpe de mestre de Lula. Também por antecipação, talvez imaginando a forma negativa que sua fala tenderia a repercutir na mídia brasileira, o presidente mandou um recado, talvez insinuando que faltou indignação quando o sociólogo ex-presidente foi beneficiado por uma mudança constitucional em 1997. Lula poderia ter ido além e lembrado também dos desejos atuais de um tal Uribe...

Mas analisando o mérito de questões envolvendo terceiros mandatos ou reeleições indefinidas, a sempre humílima opinião deste blogueiro é de que o problema delas seria somente a alteração de regras no meio do jogo, como foi, repitamos, a ocorrida no Brasil há mais de uma década. Por isso, as mudanças na Venezuela não deveriam, em princípio, beneficiar Hugo Chávez , assim como eventuais propostas de terceiro mandato consecutivo no Brasil e na Colômbia não deveriam servir a Lula ou a Alvaro Uribe. Tirando isso, não há maior gravidade nelas.

A possibilidade de reeleições indefinidas deixa os eleitores à vontade para permitir a continuidade de um governante – ou de projetos – que mais o agradem, do mesmo modo que não impedem o eleitor de rechaçá-las, se for o caso. Não há pensar que a alternância no poder seja um valor em si. No parlamentarismo, por exemplo, a continuidade de um grupo ou de uma figura à frente da chefia de governo não costuma encontrar amarras. Aqui no Brasil, um partido como o PSDB já está há quinze anos à frente do governo do maior estado do país sem que a mídia faça o mínimo de lamentação. E que não venham com o papo que a mudança dos governadores significa alternância no poder, pois há todo um discurso montado em favor da supremacia do partido sobre as figuras políticas. Houvesse honestidade e coerência na imprensa, sobretudo a paulista, já deveria ter sido adotado um discurso contra a hegemonia tucana em São Paulo.

Mas há uma crítica que, caso tenha sido observada em algum órgão da imprensa brasileira, mereceria elogio: seria a que dissesse talvez não ser de bom tom o presidente brasileiro ir à Venezuela fazer comentários sobre uma contenda interna daquele país, ainda mais levando em consideração que ela ainda deverá passar pelo crivo popular. Mas o substrato da fala de Lula é absolutamente perfeito, além de ser um tapa na cara da oposição brasileira, tanto a representada pelos políticos quanto a ilegitimamente encampada pela mídia.

Leia também:
Terceiras intenções
Aí tem!

Poder? Que poder?

O cientista político Wanderley Guilherme dos Santos afirmou algum tempo atrás que o único poder que restava à mídia era o de deflagrar crises – contra o Governo Federal, acrescentamos. E ela bem que vem tentando: é uma atrás da outra (caso TAM, caso Renan, caso dossiê etc.). Agora há uma um pouco mais palpável, a famigerada crise econômico-financeira internacional. Não obstante o Brasil venha apresentando desde o início robustas chances de ser um dos países menos tendentes a sofrer com a turbulência internacional, a mídia tem estado num alvoroço danado no aguardo de uma deterioração da saúde da economia brasileira. Mas por que tudo isso? Ora, é a chance da vida, afinal ‘é a economia, estúpido’! Só assim para o governo Lula levar uma rasteira de verdade, é o que devem pensar eles.

Nesta semana já se fez muito barulho, em praticamente todo os noticiosos, por conta da demissão de trabalhadores temporários da General Motors, embora todo mundo no fundo soubesse que a onda de crescimento da indústria automobilística um dia teria um fim. E o diário O Estado de São Paulo, de forma exclusiva, veio antecipando extra-oficialmente, na segunda-feira, informação que dá conta de que o fechamento de vagas em dezembro de 2008 foi próximo ao dobro da média histórica para o mês. O jornalão, na sua chamada de primeira página, chamou o resultado daquele mês de “desastre”, apesar de ele não estar confirmado até aquela data. Mas há, parece-nos, dois problemas: primeiramente, seria necessário esperar a divulgação oficial dos dados e verificar o seu real contexto; em segundo lugar, o juízo de valor, na forma de uma metáfora (desastre), não parece medida adequada para uma chamada de notícia de primeira página. Mas sejamos curtos e diretos: o centenário jornal paulistano simplesmente não conseguiu disfarçar o contentamento pelo eventual mau resultado do emprego no último mês do ano passado.

Na disputa política, a tese do “quanto pior melhor” é sempre muito cara a qualquer oposição. Quem está de fora vê aumentarem as suas chances de conquistar ou retomar o poder somente quando quem está na situação aparece enterrado em problemas. Não deverá causar estranheza, pois, se o ex-PFL e o PSDB estourarem fogos com um possível recrudescimento da crise em terras brasileiras. Sintomático, todavia, é o comportamento da imprensa, aparentemente mais atuante na torcida pela decadência do governo petista do que as agremiações políticas organizadas. Forçoso é concluir que a mídia age como partido político. Mas, se a democracia brasileira é do tipo representativa, ou seja, caracterizada pela escolha de representantes através de voto direto, que atuam em nome da sociedade cujos membros os sufragaram, fica difícil enquadrar o papel midiático nesse processo. A mídia não foi eleita para nada! De qualquer modo, ela julga-se representante talvez da classe média tradicional dos grandes centros urbanos, e mesmo assim de forma incompleta. Mas apesar da indigência dessa condição dos meios de comunicação, os partidos de oposição no Brasil, destituídos de projetos e impotentes diante da popularidade do presidente Lula, aceitam docilmente a posição de meros coadjuvantes do processo, não obstante sejam mais dotados de legitimidade política para liderá-lo.

Luiz Carlos Azenha, do imperdível Vi o Mundo, disse que a direita é capaz de quebrar o país para tentar retomar o poder. Eduardo Guimarães, do ótimo Cidadania.com, em memorável artigo afirmou ter ficado com medo quando percebeu que os donos de jornais são capazes de incentivar uma crise - que fatalmente os afetará também - só para ver José Serra levar a presidência da República. Com efeito, é muita insanidade da meia dúzia de famílias que querem de qualquer jeito impor suas vontades ao Brasil, não acham?

Sérgio Mendes & Bossa Rio - Você Ainda Não Ouviu Nada! (1964)

Tem-se aqui um Sérgio Mendes que ainda não merece ser catalogado como easy listening, antes merecendo com toda a pompa a categorização de samba-jazz – e mais jazzy do que samba, diga-se.

Com perdão do trocadilho para lá de infame, mas quem dá o “tom” do disco é o maestro Jobim: ele assina alguns dos arranjos e tem cinco clássicos do seu repertório interpretados por Sérgio Mendes e uma turminha que contava com nomes como Raul de Souza, Edison Machado e Hector Costita.

Como já foi dito alhures acerca dos grupos de samba-jazz ou bossa instrumental, é um tanto maçante a mania que eles tinham de sempre gravar as mesmas músicas. É certo que só dizemos isso sob o olhar privilegiado do tempo – talvez na época fosse divertido ficar comparando e avaliando quem melhor interpretava “Garota de Ipanema”, por exemplo. Mas a verdade é que o melhor deste álbum de 1964 está justamente no que foge do lugar-comum: há duas composições de Moacir Santos (apesar de que uma delas é a famigerada Nanã, regravada ad nauseam, mas não por acaso aqui numa de suas mais perfeitas versões), há duas maravilhas da própria pena de Mendes (com destaque para a excepcional “Primitivo”), e encerra o disco uma composição de J.T. Meirelles, a emblemática “Neurótico”. Essa metade é boa demais para nos deixar abater com a possível irritação advinda dos primeiros acordes reconhecíveis de uma manjada “Corcovado”, por exemplo.

Mas não gostaria que o leitor pensasse que as canções de Antonio Carlos Jobim presentes no disco não sejam dignas de apreço. Longe disso! Estão ótimas sob belos arranjos (bem jazzísticos, reforcemos) e tocadas com garra. Mas é que os meus (poucos) neurônios se sentem mais agradavelmente atingidos pela estranheza de uma “Coisa nº 2”, de Moacir, ou pela modernidade sambista de “Nôa Nôa”, do próprio Sérgio. Só isso.

domingo, 11 de janeiro de 2009

Crise crônica: domingo no hipermercado

Acabo de chegar de um hipermercado instalado num tradicional bairro de classe média de São Paulo. Pude ver de perto o tamanho da crise alardeada pela Folha, pelo Estadão, pela CBN, Rede Globo e outros menos cotados: corredores intransitáveis, funcionários todos ocupados, filas intermináveis nos caixas.

Senti falta de algum repórter dos órgãos supracitados. Ele poderia escrever a matéria da vida dele; observar, in loco, a devastação cometida pela crise econômica que abate o Brasil! Adoraria também encontrar por lá algum comentarista do nível de Miriam Leitão, Carlos Alberto Sardemberg ou Rolf Kuntz, que, quem sabe, poderia fazer um rápido discurso para afugentar aquela multidão e, assim, tornar mais transitáveis os corredores, deixar os funcionários um pouco mais aliviados e, principalmente, tornar as filas mais curtas.

Não pude deixar de pensar na irresponsabilidade daqueles consumidores. Pô, uma crise danada dessas sobre a gente e o povinho gastando loucamente! Pára com isso...! Será que eles não estão dando bola para a imprensa? Ora, mas o hipermercado fica, como já dissemos, num bairro classe média de São Paulo e é estabelecimento do tipo não muito dado a oferecer os melhores preços; não seria de se estranhar se, por lá, estivessem alguns abnegados leitores do chamado PIG. Por que, então, não estão levando a sério a crise diariamente estampada nas manchetes, descrita na boa lavra dos colunistas e especialistas, ou dissecada em tons sombrios nos editoriais?

Nessa altura do campeonato, o inteligente leitor já deve ter ressalvado que estamos no primeiro domingo após o quinto dia útil do mês, ou seja, as pessoas estão fazendo sua comprinha de depois do pagamento. Certamente isso pesa. Só que o discurso da crise não abre espaços para esse tipo de ponderação. A quebradeira é iminente. E, num mês em que já se começa a se preocupar com o IPVA, IPTU, matrícula e material escolar, seria de se esperar que as pessoas ajuizadamente começassem a se pelar de medo dos prognósticos dos luminares incrustados na imprensa brasileira.

Trata-se de caso isolado... Não dá para levar a sério... O pior da crise ainda não chegou no Brasil... Nhem nhem nhem, nhem nhem nhem, nhem nhem nhem, como diria o invejoso, quer dizer, “saudoso” Fernando Henrique Cardoso! E mais: um crítico dotado de bons argumentos insistiria que não posso tirar minhas conclusões de uma observação rasteira de pouco menos de uma hora num domingo matinal. Ora, mas o empirismo ainda deve servir para alguma coisa. A grande verdade é que, honestamente, saí do recôndito do lar acreditando que encontraria um hipermercado mais tranqüilo. Está certo que se deu de forma inconsciente, mas me dirigi até lá quase como aquele pesquisador imbuído de uma teoria e que sai a campo para prová-la ou, ao menos, para verificar se a experiência lhe dá um mínimo de respaldo. Se fosse um caso de estudo verdadeiro, o isolado experimento faria o estudioso ter que repensar os fundamentos de sua tese ou, pelo menos, reformulá-la!

Mas nem tudo está perdido para o mundo do conhecimento. Se tal fato deixa a cabeça toda atrapalhada e nos faz nos sentir indefesos em meio a tantas dúvidas e confusões provocadas pelos gênios dos meios de comunicação brasileiros, ao menos ele serve para explicar certos paradoxos da política tupiniquim. Explico-me: talvez o que vi hoje dê bons indicativos de por que alguém como Abílio Diniz, representante típico da burguesia nacional, virou um simpatizante do governo do presidente Lula, mesmo a despeito do famoso imbróglio do seqüestro de 1989. Talvez os felizes consumidores que lotavam o hipermercado, bons membros da classe média que são, por motivos de mero preconceito não gostem tanto assim do atual governo. Mas os donos de hipermercados como aquele talvez não possam se dar ao luxo de ser tão irracionais assim...

Já os poucos donos dos meios de comunicação do Brasil parecem não ter motivos para gostar do governo Lula. Por que será? A explicação talvez esteja na fala do próprio presidente, proferida em entrevista à revista Piauí: “Eu trato os empresários do meio de comunicação como eu trato os empresários da construção civil, como eu trato os bancos, como eu trato o pessoal do setor siderúrgico, ou seja, é um cidadão que apresenta uma pauta de reivindicação. (...) Eu acho normal que um empresário de meio de comunicação, se precisar de dinheiro emprestado do BNDES, entre com o mesmo pedido como entra uma empresa de construção civil, como entra uma indústria automobilística. É um direito que ele tem de fazer investimento, o Brasil tem um banco que empresta, portanto, ele não deve favor nem ao banco e nem ao país.” Quer dizer, ao contrário do que gostariam, os empresários dos meios de comunicação não merecem tratamento especial, e contrariamente ao que pensam, eles não são melhores do que ninguém. E já que tomamos essa vereda, na mesma entrevista, a respeito da publicidade governamental nos meios de comunicação, Lula disse: “O que o companheiro Franklin estabeleceu, e é correto, é a participação em função da questão técnica. O cidadão vai ter proporcional ao que ele pode ter, nem mais, nem menos. Você não pode ter alguém que tenha uma audiência de 30% recebendo o equivalente a 70%; como você não pode ter uma que tem 10% recebendo o equivalente a 5%. Então, quando você cria critérios técnicos para poder cuidar da publicidade, obviamente que algumas pessoas que mamavam começam a ficar chateadas”. Sentiram o drama? A quem será que o presidente da República dirigiu seu comentário? Quem será que mamava?

Mas a crise, para a alegria dos empresários da mídia, deve dar uma apertada logo, logo. Mas, por enquanto, caso o amigo leitor tenha que ir às compras, vá de espírito preparado para enfrentar filas.

Bom domingo!

sábado, 10 de janeiro de 2009

Gerra universal e guerra particular

Não economizemos nas palavras: o que Israel vem promovendo contra os palestinos na Faixa de Gaza pode ser chamado de massacre. Porém, tem-se visto, até mesmo dentre os que com isso concordam, o entendimento de que o Estado judeu apenas se defende de terroristas e que esse é o preço a se pagar na luta contra o terror. Noutras palavras, para se defender e, conseqüentemente, abater grupos como o Hamas, deve-se aceitar o sacrifício de vidas de civis e inocentes. E quanto a instalações da ONU, escolas, hospitais e universidades que são bombardeados, o problema está no fato de eles servirem de base para a organização terrorista.

Por incrível que pareça, vêem-se tais opiniões o tempo inteiro. As imagens de crianças ensangüentadas, de idosos mutilados e de gente comum morta não sensibilizam. A culpa, dizem eles, é do Hamas, que os utiliza como escudos humanos, ou das próprias vítimas, que aceitam dar guarida aos terroristas.

Para nós brasileiros, essa maneira de enxergar as coisas não deveria constituir novidade. No nível doméstico, a violência urbana, como diria João Moreira Salles, é a nossa guerra particular. E a luta contra ela às vezes se funda em argumentos semelhantes: numa chacina que dizima uma família de oito pessoas, não interessa se havia idosos setuagenários ou um bebê de quatro meses; o que importa foi ter “se livrado” de dois ou três bandidinhos que lá se encontravam. Ainda nessa linha de raciocínio, gostaria de relatar a opinião de um amigo ainda dos tempos de colégio, de uma época em que se começou a falar de organizações criminosas e do poder do tráfico nas favelas do Rio. Esse meu amigo defendia a tese de que se devia simplesmente explodir uma bomba sobre aquelas comunidades. Se alguém o lembrasse de que por lá havia trabalhadores e outras pessoas que nada tinham a ver com a criminalidade, ele simplesmente respondia que todos eram em alguma medida cúmplices, pois nada faziam para mudar aquela situação, ou, mais cinicamente, ele sugeria que era um preço que se deveria pagar para se livrar de um mal maior. Confesse, caro leitor, você já ouviu algo semelhante por aí, não?

Acerca de abusos cometidos pela polícia e de atos de justiceiros e grupos de extermínio, não faltam os que dizem tratar-se de medidas de retaliação aceitáveis, afinal a bandidagem não hesita em usar pesada violência contra as suas vítimas. Em Israel, é o que estão tentando dizer para justificar o uso desproporcional de força: quem se preocupa com as vítimas civis que o Hamas ataca com seus foguetes? Perguntam eles indignadamente. É como se quisessem sugerir que, ao usar o terror, grupos como o Hamas legitimam o uso de um dos maiores arsenais bélicos do mundo contra um povo praticamente indefeso.

Aos que defendem os abusos policiais e as ações de retaliação cometidas por milícias no Brasil, pode-se responder com o contra-argumento de que os atos daqueles grupos os igualam aos criminosos. De igual modo, no caso dos israelenses, pode-se dizer que o abuso da força, a violência contra civis, a despreocupação com questões humanitárias e a surdez em relação aos protestos em nível mundial os aproximam de grupos terroristas. Dito de outra maneira, a “função” de criminosos no Brasil e no mundo é cometer crimes, e da polícia e da sociedade é combatê-los e preveni-los, sempre dentro da lei. Terroristas, por seu turno, aplicam métodos terroristas, é o que se espera deles; já os estados politicamente organizados têm o dever de lutar contra o terror, mas dentro das regras internacionais e em respeito aos direitos humanos.

Aceitar abusos e massacres sob o argumento de que é uma luta contra perigos maiores e piores, não importa se é no caso da criminalidade comum ou do terrorismo internacional, apenas dá razão aos argumentos do, digamos, “inimigo”. Acerca disso, recomendamos a leitura de texto da revista Al Jazeera, reproduzido no Vi o Mundo: “Democracias vivem recessão econômica e moral”, de Muqtedar Khan.

sábado, 3 de janeiro de 2009

Mais um "ano eleitoral"

Em 2009 não haverá eleições. O ano, no entanto, deve ter muito de eleitoral, com a antecipação do clima de sucessão presidencial, a qual somente se dará no ano que vem. Em verdade, as urnas mal estavam fechadas em 2006, e já se falava do pleito de 2010. O ambiente sucessório, portanto, já se mostra presente desde o fim do primeiro mandato do presidente Lula.

Parece estar fechada questão no fato de que o próximo ocupante do Palácio do Planalto será o economista José Chirico Serra, que, como brinca Paulo Henrique Amorim, por enquanto apenas faz um estágio no governo do Estado de São Paulo! Mas, parafraseando pela enésima vez Mané Garrincha, é preciso combinar com os adversários! No caso de Serra, há que entrar num acordo também com os “aliados”...

O governador de Minas Gerais, Aécio Neves, já deixou bem claro que também é pré-candidato para 2010 e exorta seu partido a fazer prévias para escolher o postulante a ser o pós-Lula, como já se apressam em dizer alguns. Não é por nada, não, mas Aécio teria boas chances. O governador mineiro bem que poderia se aproveitar do descontentamento com o chamado “paulicentrismo”, que, com efeito, vem mesmo irritando alguns políticos de fora do maior estado do país, insatisfeitos com a hegemonia paulista na política brasileira desde a primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso. (Lembrando que nem FHC nem Lula são paulistas de nascimento, mas, como se sabe, adotaram o estado e nele fizeram carreira política). Ademais, o presidente Lula bateu de forma esmagadora dois candidatos paulistas, inclusive o próprio Serra, nas duas últimas pendengas. O governador de Minas bem pode querer usar esses fatos recentes para superar o governador de São Paulo numa eventual disputa interna.

Isso tudo somente para dizer que Serra talvez já encontre alguma dificuldade dentro do próprio PSDB. Há, ainda, mais nomes importantes de outros partidos que correm por fora, como, por exemplo, o ex-ministro e ex-governador do Ceará, o paulista Ciro Gomes e, é claro, a ministra Dilma Roussef.

Dilma pode se beneficiar dos resultados práticos do atual governo, que, caso mantenha os bons índices de popularidade que ora ostenta, poderá ser seu principal cabo eleitoral. Na sucessão municipal de 2008 falou-se que restou demonstrado que o presidente Lula não tem tanta capacidade assim de transferência de prestígio. Que seja. Mas, por outro lado, alguns dos resultados das eleições nas prefeituras deixaram claro que a população não hesita em manter as coisas como estão se estiver satisfeita com o andar da carruagem (Kassab que o diga!).

Político hábil, experiente e inteligente, é possível que José Serra esteja atento às bobagens que escrevemos aqui. Ele deve saber que para realizar seu sonho de ser presidente da República Federativa do Brasil não bastarão editoriais vergonhosos, como o recentemente publicado no Estadão (O PAC paulista é melhor, de 13-11-2008), que só não se parece com uma peça de propaganda porque os marqueteiros não são tão caras-de-pau quanto os delirantes editores de jornais. O governador tampouco poderá contar somente com o puxa-saquismo de colunistas da mídia, como o de Paulo Rabelo de Castro, que em artigo na Folha (2009, um ano de (pré) eleição, de 17-12-2008), disse que Serra é inteligente e sagaz em tudo o que faz... Logo o Paulo, que costuma ver erro em tudo!

Trocando em miúdos, muita água deve passar por debaixo da ponte. Lembremos que, por volta de agosto de 2008, as pesquisas para a prefeitura de São Paulo mostravam Marta com cerca de 40%, Alckmin com pouco mais de 20% e Gilberto Kassab com não mais do que 10%. No final, o leitor o sabe, deu no que deu!

Ruídos sazonais

Que a imprensa não tem gostado de a economia brasileira sobreviver bem à crise mundial, ah, isso não tem mesmo!

Esforços incríveis têm sido feitos para realçar aspectos negativos das notícias: se houve aumento de vendas no natal, dá-se destaque ao fato de o crescimento ter sido menor do que o esperado; se o DIEESE informa que o desemprego para novembro é o menor em 16 anos, as manchetes preferem falar de fechamento de vagas no mês. E por aí vai...

Quero novamente me expor ao risco de dar com os burros n’água fazendo mais uma daquelas previsões de início de ano: acho que a imprensa tentará, talvez ainda em janeiro ou com toda a certeza a partir de fevereiro, usar os números da inadimplência como um fator de campanha contra o governo. Será fácil para eles, pois poderão dizer que foi culpa de Lula e sua “fanfarronice” ao sugerir que as pessoas gastassem enquanto o mundo amarga uma de suas maiores crises. O que eles não nos informarão, caro leitor, é que, com crise ou sem crise, não é raro a inadimplência dar algum salto nos primeiros meses do ano, por conta do clima que realmente estimula as pessoas a gastar um pouco mais no final do ano anterior - e isso independentemente de qualquer mãozinha presidencial -, além de fatores sazonais como a chegada de IPTU, IPVA etc.

Mas se para o cidadão comum já é duro se lembrar do que se passou há um mês, imagina o quão complicado é relembrar de coisas que ocorreram há mais de ano! É tanta notícia no rádio, na TV e, claro, Internet, que fica difícil deglutir, digerir, refletir sobre todas as informações que recebemos. Como bem diz Umberto Eco, melhor do que chamar de informação, talvez seja preferível denominar de “ruído”. A gente sempre ouve falar da tal inadimplência de início de ano, mas ela apenas “zumbe” em nossos ouvidos ao lado de uma verdadeira superabundância de informações, o que permite que a mídia faça do noticiário sobre ela o que bem entender.

Mas talvez nada disso ocorra. Pode ser que não haja aumento de inadimplência e pode ser que, em havendo, a mídia informe equilibradamente sobre ela. Nesse caso, este blog terá apenas cometido mais um de seus já tradicionais erros. Mas, para o caso de que a coisa se passe da forma como previmos acima, pedimos apenas que o leitor dê uma clicada nas notícias abaixo, pescadas de órgãos informativos acerca da inadimplência em períodos que não eram vistos como sendo de (tanta) crise:

Notícia sobre inadimplência em janeiro de 2001
Notícia sobre inadimplência com cheques em fevereiro de 2004
Notícia sobre cheques devolvidos em janeiro de 2008

Lembre-se disso, leitor, quando vierem as notícias “catastrofistas” sobre os calotes do começo de 2009. Prevenção pouca é bobagem...!

Quem tem medo do Acordo Ortográfico?

O tal Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa já está deixando algumas pessoas em polvorosa. Há quem pense que, em meio a tanta coisa urgente, não se deveria mexer nisso; outros – sobretudo os que têm bom domínio da ortografia – mostram-se insatisfeitos pelas alterações perpetradas; há aqueles que não sabem o que fazer de agora em diante no que se refere aos textos que eventualmente produzem. Eu soube de caso até de pessoas que atribuíram as mudanças às supostas dificuldades do presidente Lula com a língua, isso, caro leitor, a despeito de o acordo ter sido assinado em 1990! (Além disso, como bem lembrou Mino Carta há alguns meses, o presidente brasileiro tem se saído muito acima da média no uso da “inculta e bela”, mesmo em falas de improviso, não passando, portanto, de ato da mais absoluta má vontade dizer o contrário).

Mostrar-se refratário às mudanças contidas no Acordo é puro conservadorismo. Os apaixonados por assuntos de lingüística adoram mostrar-se empolgados com a “vida” que há por trás das línguas: “a língua é uma coisa viva”, dizem eles. Aí, quando há algumas pequenas alterações de ortografia, aparecem uns e outros para desancá-las quase com ódio? Ademais, já houve outras mudanças, facilmente reconhecíveis pelos freqüentadores de sebos e, conseqüentemente, consumidores de livros antigos, impressos antes de 1971: não há, aparentemente, registros de maiores estragos que tenham sido provocados por elas!

Quanto aos que escrevem algumas bobagens por aí, a situação é em princípio bastante simples: conforme reza o Decreto que regulamenta o Acordo, pode-se usar tanto a “nova” quanto a “antiga” ortografia até 2012. Este escriba aqui, seguindo em parte o conselho do blogueiro Eduardo Guimarães, continuará cometendo erros na ortografia antiga, até que se julgue mais ou menos apto a fazer burradas na nova.

Mas não vamos nos esticar muito nesse assunto, pois em breve haverá até quem ache engraçado o fato de ter existido gente que chiasse com as tais alterações, as quais não afetam mais do que 0,5% do nosso léxico.