segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Boa notícia ruim

Há notícias que de tão boas chegam a ser ruins (!). A informação divulgada pelo IBGE na semana anterior, a de que o índice de desemprego registrado no mês de outubro foi o segundo menor da história, é motivo de preocupação se cruzada com os informes de setembro que afirmavam estar o comércio diminuindo o ritmo de encomendas e estar a indústria, por conseqüência, pisando no freio da produção, tudo por conta da famigerada crise internacional.

É muito simples. Como o leitor sabe, ao chegar dezembro, as pessoas empregadas gostam de consumir um pouquinho mais do que nos outros meses do ano. Por seu turno, o comércio, que se deixou ressabiar pelo discurso da crise, tenderá a estar com menos estoque para atender aos consumidores. O resultado lógico, se é que a lei da oferta e da procura ainda tem alguma credibilidade, será um repique inflacionário: muita gente querendo comprar poucos produtos resulta em preços mais altos.

O blogueiro Eduardo Guimarães, no seu imperdível cidadania.com, já havia chamado a atenção para o terrorismo que vinha sendo feito acerca da crise, não obstante não se devesse negligenciar - reconhecia ele - os seus riscos e a sua importância. Mas, já com o assunto crise em pauta, o que se ouvia, no entanto, era a divulgação de dados sobre a economia brasileira que apontavam para uma situação muito diferente da que se tem verificado na maioria dos países centrais: inflação controlada, consumo em alta, alguma geração de empregos. Eduardo, então, advertiu para os efeitos da profecia auto-realizável, ou seja, começa-se a falar de uma crise chegando, todos se apavoram, passam a investir menos, as pessoas consomem menos e, aí sim, a reboque vem a diminuição do consumo, o que leva à supressão de investimentos, o que traz desemprego, e o círculo vicioso se instala naturalmente, provocando, sim, uma avassaladora crise de fato.

Em se tendo pressão inflacionária no final do ano – o que poderá ocorrer por causa do aquecimento da economia no período associado à oferta reprimida graças ao terrorismo da crise -, 2009 entrará com tendência de mais juros, o que levará a uma situação de retração nos níveis profetizados (desejados) pela imprensa e pela oposição, os arautos do quanto-pior-melhor. A profecia terá se auto-realizado, e como “é a economia, estúpido” que segura os índices de aprovação do presidente Lula, ficará aberto o caminho para algum nome forte da oposição.
Trocando em miúdos, há lógica econômica no discurso da crise e é recomendável ter preocupação e cautela. Porém, o que se viu – e se tem visto – são gestos quase indisfarçáveis de desejo pela ocorrência do pior. Dados concretos apontam que o terror era exagerado, mas, ao mesmo tempo, eles ajudam a confirmar que o risco de haver desequilíbrios futuros é bastante iminente, justamente porque se acreditou no discurso da crise! Tomara que haja alguma forma de se reverter isso.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Vagabundos de todo o mundo, relaxemo-nos!


O que seria deste humílimo blog não fossem os criativos e-mails que nos mandam vez ou outra?!

Há poucos dias, recebi de um amigo mensagem intitulada "A resposta do ano!!!", com a imagem que ilustra o presente (veja ao lado), devidamente anexada. Como o leitor pode ler, trata-se de uma foto com uma faixa destacando a seguinte frase: "Tá perdendo Marta? Relaxa e goza!" (sic)

Não sei se realmente houve alguém que se deu ao trabalho de mandar produzir e depois, ao arrepio das leis municipais, pendurar nas vias públicas semelhante faixa. Talvez seja apenas uma montagem bem realizada... Mas, seja como for, o autor daquela bobagem não é muito devotado às regras gramaticais, haja vista que se esqueceu de separar o vocativo por vírgula (o certo seria " perdendo, Marta?). Mas, bem, deixa para lá, afinal o autor destas maldigitadas não tem tanto direito assim de ficar falando dos erros de português dos outros!

Mas, de qualquer forma, ouviu-se muito durante a campanha pela prefeitura de São Paulo a menção à infeliz frase de Marta Suplicy, proferida quando do lançamento do Plano Nacional de Turismo, em 2007, exatamente no auge da assim chamada crise aérea. A frase com certeza foi infeliz, como já dissemos. Porém, apresentada de forma recortada, ela fica descontextualizada. Em verdade, a então ministra do Turismo disse: "Relaxa e goza porque você esquece todos os transtornos depois [ao chegar ao destino]", mais adiante, arrematou: "Isso é igual a parto. Depois esquece tudo". Pois bem, amigo leitor, honestamente, você pensa de forma muito diferente? Se o paciente leitor não se importa, contarei um relato pessoal. Há exatamente três anos, minha esposa viajou para a Europa. Saiu de São Paulo animadíssima rumo a Berlim, porém com conexão em Madri. Mas, na manhãzinha do dia seguinte, eis que atendo um telefonema. Era ela chorando, xingando, reclamando: as autoridades espanholas inexplicavelmente a detiveram. Só o que ela dizia é que queria voltar, queria voltar, porque queria voltar, a viagem já era, estava tudo estragado, o sofrimento era infindável, que ela não tinha sorte, que as coisas só aconteciam com ela etc. etc. etc. E eu, de meu lado, simplesmente lhe disse: "calma, neném, vai dar tudo certo. Assim que você chegar à Alemanha e começar a fazer os passeios, a realizar as suas atividades, a curtir tudo o que planejou, você vai esquecer os dissabores. Fique tranqüila...". Olha, faltou pouco para eu dizer "relaxa e goza"! Ah, antes que eu me esqueça, só para variar eu estava coberto de razão: rapidinho ela esqueceu as sacanagens cometidas em solo espanhol.

Sei que muita gente ficou chocada com a expressão um tanto chula (relaxa e goza), talvez até mais do que com os possíveis contextos da frase da petista. Mas, cá entre nós, é um pouco de moralismo demais numa era em que as crianças falam coisas muito piores sentadas à mesa de jantar. Isso quando se sentam à mesa para jantar...

Os políticos em geral medem muito as palavras. Ao mesmo tempo, e paradoxalmente, costumam deixar ser engolidos pela incontinência verbal. O povo e a mídia, entretanto, adoram isolar as besteiras por eles proferidas de seus contextos originais. A ex-ministra, portanto, não foi a primeira vítima de tal golpe baixo. Por exemplo, o "estupra mas não mata", de Paulo Maluf, também soa pior quando isolado do verdadeiro objetivo do folclórico político ao dizê-lo: em realidade, Maluf quis mostrar-se indignado com o fato de uma pessoa cometer um ato que já seria execrável por si só e ainda incrementá-lo com o "evento" morte; noutras palavras, ele, em momento de absoluta infelicidade, quis valer-se de expressão semelhante a muitas não raro repetidas por aí, do tipo "pô, já roubou, precisa bater, ou precisa matar?"... Outro que se estrepou por usar adjetivo errado no momento errado foi FHC, ao chamar certo tipo de aposentado de "vagabundo". O ex-presidente estava se referindo a um seleto grupo beneficiário de aposentadorias especiais, mas o que se viu na época foi um verdadeiro exército de velhinhos que não se enquadravam na descrição daquele "séqüito" transbordando indignação pela agressão que, a bem da verdade, repita-se, em absoluto não se dirigia a eles. Tudo bem que os tais beneficiários de aposentadorias especiais não cometeram nenhum crime, afinal estavam aposentados por força de lei da época. De todo modo, fora de contexto, a frase de Fernando Henrique soa pior do que o que ela realmente significava.

Mas, além da incontinência, há o destempero verbal. Neste quesito é difícil imaginar alguém que supere o prefeito reeleito de São Paulo, Gilberto Kassab, que, também em 2007, durante a inauguração de um posto de saúde em Pirituba, agrediu um munícipe: "sai daqui, vagabundo!", fato que o simpático leitor certamente se lembra. Com efeito, é bem a cara da elitista São Paulo: choca-se com o "conselho" de Marta Suplicy aos (em sua maioria) privilegiados usuários do transporte aéreo, punindo-a com altos índices de rejeição, mas aprova o homem público que humilha um manifestante pobre, premiando-o com respeitável votação (com perdão do eco!).

É claro que, no andar da carruagem, houve boa dose de pragmatismo e alguma memória seletiva por parte do eleitor. Mas, na época, quando do "arroubo kassabiano", houve, de fato, o ensaio de certo repúdio, aqui e acolá, tanto por parte da mídia quanto da gente comum. Mas as pessoas apenas se mostravam indignadas com a situação pelo fato de o Sr. Kaiser, o cidadão vilipendiado pelo prefeito, ser comprovadamente um homem honesto e trabalhador. Ora, mesmo que ele fosse realmente um vagabundo, não caberia ao prefeito ter agido daquela maneira tresloucada nem ter se dirigido de forma a diminuir a dignidade daquele ser humano. Noutras palavras, não é função de prefeito enxovalhar "vagabundos", mesmo quando for o caso.

Como já disse, não dá para ter certeza se existiu mesmo a tal faixa e se ela de fato foi colocada em local público. Caso tenha sido verdade, não deixa de ser irônico que um - pelo que tudo indica - eleitor do prefeito da lei "cidade limpa" não tenha tido pudores de emporcalhar a cidade, infringindo as leis de posturas municipais. Cá entre nós, é coisa típica da classe média paulistana! Pobre São Paulo!!!


segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Obama e Lula

Do muito que se foi falado sobre a vitória de Barack Obama, o melhor veio da boca do presidente Lula - só para variar um pouquinho! Disse o presidente que a vitória do democrata foi um "feito extraordinário" e que "um negro sagrar-se presidente dos Estados Unidos não é pouca coisa". É verdade e não é de surpreender que Lula o tenha dito. O que causou estranheza mesmo foram os editoriais dos jornais e a comemoração de certa parcela da população brasileira.

Os jornais e algumas figuras aqui do Brasil falaram da trajetória do senador, de suas origens, de quão notável é o fato de alguém como ele chegar ao posto a que chegou, num país em que o racismo não é velado como o nosso, e que também não é dado a aventurar-se ou ter arroubos de modernidade e experimentação. Ora, guardadas as devidas proporções e feitas as necessárias adaptações o mesmo se pode dizer da gloriosa vitória de um nordestino torneiro mecânico aqui no Brasil. Mas, em vez das explosões de fogos e todo alvoroço da mídia e da classe média brasileiras, Lula sempre teve que amargar hostilidades e má vontade.

A Folha até que chegou a ousar, colocando na primeira página, no dia da eleição, o depoimento de brasileiro radicado nos Estados Unidos, que apontou as semelhanças de trajetória de Barack Hussein Obama e de Luiz Inácio Lula da Silva. Será que alguém leu atentamente? O presidente Hugo Chávez também lembrou que a vitória do afrodescente no pleito estadunidense guardava alguma ligação com a onda democrática que elegeu presidentes populares de esquerda na América Latina. A mídia brasileira desconversou sobre o assunto.

Pelo jeito, nem tudo o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil.

Leia também:
Que "coisa"!
São outros valores, estúpido!

sábado, 1 de novembro de 2008

Eleições municipais 2008 - São Paulo - considerações finais

Do resultado das eleições municipais de São Paulo foi falado tratar-se de uma vitória da racionalidade do eleitor, que teria votado pragmaticamente, de olho no seu interesse nas coisas que lhe diziam diretamente a respeito, o que quer dizer, sob essa leitura, que o sufrágio do paulistano foi essencialmente “municipalizado”. Por outro lado, diversos analistas, quando não os mesmos do diagnóstico anterior, viram na vitória de Kassab um trunfo do governador José Serra com vistas a 2010, o que seria ao mesmo tempo, e por conseqüência, uma derrota do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o que teria dado dimensão nacional ao escrutínio paulistano.

Ambas as análises parecem ser contraditórias entre si, além de não sobreviverem isoladamente se observadas pelo olhar crítico.

Primeiramente, os comentaristas e os cientistas políticos precisavam decidir se, afinal, o paulistano votou simplesmente preocupado com a cidade e, desse modo, premiou uma administração que considera aceitável, ou se quis ir além, mandando recados para possíveis presidenciáveis de 2010. Alguém pode até achar que as duas coisas não necessariamente se excluem mutuamente. Faltou, entretanto, explicar em suas análises como isso se dá na prática.

Em segundo lugar, merece ser questionada tanto a afirmação de ter sido racional a escolha do eleitor da capital de São Paulo quanto a de ter sido uma vitória do grupo de Serra o resultado do pleito no município.

Racionalidade?
Ao falar da racionalidade dos eleitores, os analistas quiseram se referir ao fato de que ele teria deixado de lado suas paixões e preferências lato sensu e simplesmente calculado o que seria melhor naquele momento: manter o atual prefeito e, assim, prestigiar suas políticas, ou mudar tudo de acordo com sua predileção partidária ou simpatia pessoal. Noutras palavras, de acordo com esse entendimento, o paulistano pensou acima de tudo na cidade. Muito bem. Mas é bom não deixar se perder de vista que a “moderna” cidade de São Paulo deu sobrevida ao ex-PFL, varrido do mapa até mesmo em muitos rincões que ainda lhe davam sustentação. Mas, dirão alguns, a tal escolha racional do eleitor passa justamente pelo fato de o morador da maior cidade do país não ter sequer pensado em partido na hora de votar, antes fazendo sua opção na comparação das habilidades dos candidatos. Pois bem. Se de fato racionalidade é isso, então se deve concluir que a mídia, intelectuais e até mesmo a classe política andam mentindo muito quando falam da importância do fortalecimento dos partidos, da fidelidade partidária, na necessidade de diminuir a “personalização” na política. Quer dizer, então, que os partidos políticos são de capital importância, exceto quando uma bandeira do atraso ganha na cosmopolita São Paulo?! O voto na pessoa pela pessoa é algo horrível, vejam só o Lula... Mas o voto no homem Kassab é superbacana, principalmente se for para derrotar o bem organizado partido político chamado PT!

Municipal ou nacional?
Se a eleição foi de fato por demais localizada, não se deveria atribuir os louros da vitória de Kassab ao governador José Serra, mesmo com a generosidade subserviente do prefeito reeleito, que não se importou de dividir as glórias com o peessedebista. Há que se dizer que não chega a surpreender resultado mais pró-Serra na cidade, haja vista que São Paulo sempre foi meio “do contra” quando o assunto é presidente popular. Ademais, parece que a imprensa de vez em quando se esquece, mas a eleição para presidente não ocorre apenas na maior cidade da América do Sul. Dessa forma, se é que o eleitor “brasileiro” mandou algum recado para 2010, ele foi mais favorável ao presidente Lula, que viu seu partido conquistar mais municípios espalhados por todo o país. Fora isso, será que alguém teria coragem de apostar as fichas no tucano numa eventual disputa direta entre ele e o atual presidente? Tudo bem, Lula não poderá disputar a reeleição em 2010, e como não restou provado que sua popularidade redunde na transferência de votos, o governador Serra, sob esse prisma, teria mais chances do que o candidato que vier a ser apresentado pelo Planalto. Ora, senhores analistas, não se esqueçam da tal “racionalidade” do eleitor, que bem pode querer a continuidade em 2010 e, portanto, preferir o low profile de, por exemplo, Dilma Roussef ao pop star José Serra. Se Kassab alcançou tão notável êxito, por que a ministra-chefe da Casa Civil não pode?

Mas as eleições municipais foram só... municipais, e 2010 ainda está longe. Há crise econômica internacional rolando, tem novo presidente americano chegando por aí. Guardemos, pois, nossas bolas de cristal!