quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Palestina e Israel

Para quem quer entender melhor os tristes eventos deste fim de 2008, marcados pelos ataques de Israel na Faixa de Gaza, supostamente mirados no grupo Hamas, faz-se necessária a leitura de um pequeno livro da coleção “Primeiros Passos”, da Brasiliense: O que é questão palestina, da jornalista e cientista social Helena Salem.

De início, a autora desmistifica a tese de que o conflito árabe-israelense teria caráter milenar e que ele seria de cunho essencialmente religioso ou racial. Em verdade, árabes e judeus sempre tiveram convivência pacífica até a sedimentação do movimento sionista, especialmente da sua corrente que pregava a “volta à Palestina”, com o objetivo de criar um “lar judeu”. Parte da população árabe foi dizimada, e muitos tiveram que abandonar suas casas, expulsos que eram por colonos judeus apoiados pelos britânicos. O confronto é, portanto, segundo a cientista social, basicamente político desde os seus primórdios, tendo se agravado com a Segunda Grande Guerra, que trouxe situações extremamente difíceis aos judeus da Europa, levando-os a imigrarem em grande número para a região da Palestina.

Inicialmente, a região foi partilhada, pouco tempo depois da Segunda Guerra Mundial, num Estado judeu e outro árabe. Numa malfadada guerra iniciada em 1948 pelos árabes, que se sentiram lesados com a divisão sobre a qual não foram chamados a opinar, Israel conseguiu abocanhar mais território, enquanto a Palestina sumia. Outros eventos belicosos que ocorreriam nas décadas seguintes levariam Israel a ampliar suas fronteiras.

E a situação, como bem se vê, é complicada até os dias de hoje.

O apoio norte-americano à causa israelense e a ausência de viés crítico na mídia de todo o mundo impedem uma análise desapaixonada da pendenga. Tenta-se apresentar Israel como uma ilha de modernidade no “atraso” do Oriente Médio ou como uma nação politicamente organizada que apenas se defende de grupos terroristas. Não se deve perder de vista, todavia, que o movimento sionista contou na sua formação com grupos de extrema-direita de inclinação terrorista como o Irgun e o Stern. Ademais, o Estado israelense, de moto próprio ou na vista grossa aos atos de colonos judeus, sempre agiu de forma pouco respeitosa aos direitos humanos para com a população palestina. Israel notabiliza-se também pelo reiterado desrespeito a diversas resoluções da ONU, e isso desde a sua criação, em fins da década de 1940. Além disso, as reações israelenses aos supostos atos terroristas do Hamas, por exemplo, são, como bem disse nota do Itamaraty, desproporcionais, constituindo, sob certa leitura, atos que também podem ser associados ao terror, ainda mais que se vê a população civil sendo duramente atingida.

Alguém pode dizer que o livro de Helena Salem (autora que, aliás, é de ascendência judaica), é muito pró-Palestina ou, lendo de outra forma, anti-Israel ou francamente anti-sionista. Talvez seja. De todo modo, não devemos condená-lo por ser contrário ao discurso único. Vale pelo menos como uma segunda opinião.

sábado, 27 de dezembro de 2008

2009

As perspectivas econômicas para o Brasil em 2009 não vêm sendo apresentadas com as cores mais alegres: o crescimento econômico deverá ficar muito abaixo do de 2008; o desemprego deve começar em alta; a renda do trabalhador ficará estagnada. Tudo isso é somente parte do que dizem e é visto como conseqüência da crise internacional.

Mas será que dá para levar tais previsões tão a sério assim?

No final de 2007, as projeções para 2008 também não eram das melhores. Temia-se no final daquele ano que a crise do subprime não tardaria a resvalar no mercado brasileiro já nos primeiros meses de 2008, o que evidentemente não ocorreu, pelo menos não de modo a afetar o cotidiano das pessoas. Na última ou penúltima reunião do COPOM em 2007 cessara a gradual queda dos juros que até então vinha sendo operada, o que fez a maioria dos analistas antever algum período de retração, situação que certamente não será confirmada pelo crescimento do PIB deste ano. Por fim, com a derrota do governo na votação da CPMF, era dada como certa uma abrupta queda na arrecadação, previsão que viria a ser fragorosamente desmentida já nos primeiros meses de 2008. Posto isto, se os economistas e analistas de hoje “acertarem” no mesmo patamar do de 2007, não haverá motivo para tanta preocupação em 2009!

E há mais: no decorrer do próprio ano de 2008 apostou-se que a inflação iria extrapolar as bandas da meta do Banco Central. Os mesmos analistas ouvidos pelo BC acreditam agora, no final de 2008, que o IPC-A não passará dos 6% a.a., diante do extremo da meta que é de 6,5% a.a.

Um professor dos cursos de pós-graduação da Escola de Sociologia e Política de São Paulo certa feita disse que fazer previsão não é algo que mereça ser levado muito em consideração, afinal este bem pode ser – até com maior autoridade - o métier das cartomantes, dos sensitivos, jogadores de búzios etc. O máximo que se pode fazer são projeções de “cenários”, baseadas, é claro, em fatos concretos da política e da economia. A dura realidade, entretanto, pode pregar algumas peças nos videntes de plantão. Os números do natal surgem como parte de tal “dura realidade”: contraria muito do que se lia na imprensa a respeito de queda de vendas e acerca da crise que já se instalaria no final deste ano.

Que tal voltarmos, em breve, a falar do que “é” em vez do que "poderia ser”. É bem mais fácil...

sábado, 20 de dezembro de 2008

Pai dos ricos?

A espetacular popularidade do presidente Lula decerto que não constitui novidade. Novo, isto sim, é o bom resultado do presidente entre os mais ricos e mais escolarizados, segundo todos os levantamentos recentes. Para entender tal fenômeno seriam necessárias pesquisas qualitativas com as pessoas de tais perfis, como forma de se saber quais são os motivos que têm feito tal contingente, depois de anos, entusiasmar-se com o presidente que já era dos mais queridos da população pobre em toda a história do país. Este blog, porém, na base do “chutômetro” mesmo, dará um palpite sobre o assunto.

Os mais ricos e os mais escolarizados, como se sabe, fazem parte do grosso dos consumidores de jornais e de revistas de grande circulação e são grandes leitores (ou ouvintes, telespectadores) dos principais colunistas da mídia nativa. E por isso foram bombardeados durante pelo menos cinco anos com a tese de que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva só se saía razoavelmente bem porque nadava nas águas calmas da bonança internacional. Os luminares de nossa imprensa, não satisfeitos apenas em desqualificar Lula, ainda por cima tentavam justificar a mediocridade de seu antecessor com a afirmação de que ele (FHC), sim, enfrentara importantes crises internacionais em sua gestão, o que explicaria alguns resultados esquecíveis de seu governo. (Em verdade, mais do que pela má sorte, o Brasil ficou muito vulnerável às crises dos anos 1990 em virtude do populismo cambial e das políticas suicidas – que muitos reconhecem ter sido necessárias – para se conter a inflação; mas aí é outra história).

Porém, há pelo menos um ano só se ouve falar de crise internacional, e, diferentemente daquelas da era FHC, em vez de na periferia do sistema, os resultados assustadores se mostram localizados nos Estados Unidos e em países da Europa. Desde os primeiros apuros, já se viam em fóruns da Internet alguns usuários prevendo que o Brasil iria à bancarrota em semanas, afinal o governo só se segurava por causa da calmaria externa. Não era diferente na imprensa dita especializada, sempre apostando que as coisas já começariam a quebrar imediatamente.

Mas conforme se divulgam os dados da economia, vê-se que, de forma geral, o Brasil ainda se segura bem, e, mais do que isso, o governo procura tomar algumas medidas preventivas contra a crise, e seus representantes, a começar pelo próprio presidente da República, não hesitam em se mostrar otimistas, irritando a imprensa, porém passando confiança ao povo. Não há negar, todavia, que alguns dados já se mostram deteriorados, e praticamente todos sabem que alguma retração virá; ainda assim, parece haver consenso de que o Brasil sofrerá menos do que muitos países centrais.

A classe média, os leitores de jornais, os mais escolarizados devem ter se sentido ludibriados pela grande mídia e seus estafetas, afinal uma crise nos Estados Unidos não é brincadeira. E o “presidente sortudo” vem se mostrando capaz de enfrentá-la, diferentemente do que diziam os colunistas e editorialistas da nossa combativa imprensa. Isso talvez tenha feito a classe média acordar de seu sono midiático e ter chegado à conclusão que durante todos esses anos houve – e tem havido – uma má vontade gritante contra o presidente Lula e uma desavergonhada torcida pelo insucesso de seu governo. E como burrice tem limites, nem todo mundo vai achar bacana o país quebrar só para rir da cara do presidente. Os que pensam assim (e - você sabe, amigo - eles existem na cifra de 6 ou 7%) precisam urgentemente de um laudo do Jacob Pinheiro Goldberg.

Para finalizar, duas observações: em primeiro lugar, se é que o caso é de boa ou má fortuna, reforçamos opinião já repetida alhures de que é melhor um presidente com sorte do que outro azarado! Em segundo lugar, alguém aí reparou que parece estar ocorrendo no Brasil a inversão do “efeito pedra no lago”?

Don Cherry - Symphony for Improvisers (1967)

O improviso é uma das principais características do jazz em geral – e é da essência do free jazz em particular. O trompetista Don Cherry está entre os principais artífices do gênero, tendo tocado ao lado de Coltrane, Ayler e, principalmente, Ornette Coleman.

Neste álbum, o músico chama um time multinacional, com um argentino (o famoso Gato Barbieri), um alemão e um francês; dentre os americanos, músicos já tarimbados da vanguarda jazzística: Pharoah Sanders (sax, piccolo) , Henry Grimes (baixo) e Ed Blackwell (bateria). Sanders traz um toque de lirismo ao non-sense predominante nas duas suítes que integram o disco, qualidade que surgiria esmerada no seu próprio Karma, lançado dois anos depois. Blackwell aparece incansável na sua batida rápida e marcante, fazendo-nos querer ouvir novamente os discos de Ornette Coleman de que participa.

As duas faixas que compõem o disco são divididas em quatro partes. Há coesão na composição, mas suas subdivisões são devidamente nuançadas, de modo que poderiam bem sobreviver como canções à parte. Acho que Cherry não se reviraria no túmulo se soubesse que algum ouvinte preferiu meter o dedo no “avança rápido” para se fixar num trecho que considere mais apetecível de qualquer das peças. É do gosto do freguês, portanto!

sábado, 13 de dezembro de 2008

Está todo mundo louco!

Na segunda-feira, dia 8 de dezembro, as bolsas de valores ao redor do mundo deram uma bela disparada. O motivo teria sido a proposta do presidente eleito dos Estados Unidos de investir em obras públicas, com o fim de dar uma força na geração de empregos. Como bem sabemos, a receita não é nova, antes encontra inspiração histórica em Roosevelt e teórica em Keynes. Obama foi além, dizendo que não é hora de se preocupar com a camisa-de-força representada pelo orçamento.

Atenção, você que acaba de sair do coma nos últimos dias, este blogueiro não está enganado: as principais bolsas de todo o mundo dispararam (e não despencaram) após esse anúncio do democrata eleito, mesmo tendo ele falado, em outras palavras, que não está esquentando muito a cabeça com déficits públicos.

Assistir aos movimentos nos tempos de crise tem, com efeito, dado nós em cabeças que se acostumaram a acompanhar noticiários e a ler ensaios tanto no campo da política quanto da economia. Aqueles que até alguns dias atrás se ajoelhavam diante do “deus-mercado”, agora falam de necessidade de regulamentação; os arautos da livre iniciativa, da concorrência e do risco, repentinamente saem em defesa de ajudas bilionárias a indústrias que foram a própria imagem do desenvolvimento capitalista; e finalmente, e em resumo, o velho Estado passa a ser um ente simpático, em vez de um estorvo para os empreendedores e cidadãos de uma sociedade livre.

Ok, amigos! Bem sei que já está virando clichê e soando enfadonho o apontamento dessas incongruências observadas não somente nos analistas econômicos e operadores do mercado financeiro, mas também na mídia e na boca da gente comum (o que é praticamente a mesma coisa, pois não raro as pessoas apenas repetem as besteiras que ouvem de nomes como Miriam Leitão, por exemplo). Mas, a despeito do abuso da paciência do leitor, vale a pena citar um exemplo doméstico e falar da estranheza que provoca ver algumas pessoas defendendo alguma rédea ao Banco Central do Brasil. Ora bolas, irritam-se eles, enquanto o mundo inteiro baixa os juros, o COPOM, na última reunião do ano, mantém inalterada a altíssima taxa brasileira. Isto, amigos, goste-se ou não, chama-se independência. A mesma independência que diziam que Lula iria tirar se fosse presidente. Tal afirmação, aliás, era uma das determinantes do chamado “risco Lula”, que tanto assustavam o mercado antes de o ex-metalúrgico sagrar-se presidente pela primeira vez. Assim não dá para entender! Então quer dizer que algo que deixava as "reginas duartes" da vida com medo de Lula agora é apresentado como uma necessidade por seus mais cruéis opositores?

Acompanhando tal série de desdobramentos, chega-se à conclusão que ramos como a economia, a política e a sociologia são objetos que tendem a sobreviver mais como ideologia do que como ciência. De científico mesmo, sob a ótica positivista, talvez somente a hipocrisia dos discursos – ela, sim, é a constante das análises. Mas, no varejo, como levar a sério uma “ciência” que hoje diz uma coisa que será negada amanhã. E pior que não dá nem para apelar para o falsificacionismo ou para as mudanças de paradigmas, pois não há avanço nas metamorfoses de visão, mas antes se volta a idéias que, no verão anterior, eram classificadas de retrógradas. Os mais simpáticos e menos desbocados podem dizer, no entanto, que em vez de hipocrisia dever-se-ia falar que análises do tipo dependem das condições reais, concretas de cada momento histórico. Pode ser. Mas vejo aí o espectro de Marx. O barbudo alemão e seus seguidores sempre disseram algo meio nessa linha. Mas o diabo é que pensadores como Popper viam nisso um fator que justamente dificultaria a concessão do status de ciência ao marxismo, pois baseado em algo tão pouco objetivo, como as assim chamadas condições concretas, encontrar-se-ia desculpa (palavra melhor do que justificativa) para tudo que se quisesse demonstrar: se as coisas ocorrem conforme um dado prognóstico, houve acerto; se fracassam, é que certas condições concretas não permitiram o resultado!

É um tanto confuso, bem sei. Mas neste mundo maluco, alguém me culparia por isso?!

Bobby Hutcherson - Dialogue (1965)

Mesmo as boas coleções de jazz podem parecer incompletas. É o caso daquelas que não contam com ao menos um disco de Bobby Hutcherson como líder. De todo modo, dificilmente haverá um bom colecionador que possa dizer que em sua discoteca não há a presença do sensacional vibrafonista. Com efeito, ele sempre aparece como membro de bandas de gente como Donald Byrd, Archie Shepp e Jackie McLean. (Sintomaticamente, em 2007 o músico esteve no Brasil não como artista principal, mas como integrante do grupo do organista Joey DeFrancesco).

Em Dialogue, foi a vez de Hutcherson receber o apoio de grandes nomes do jazz, com especial destaque ao pianista Andrew Hill, autor da maioria das canções do álbum. Hill, talvez em homenagem à versatilidade do festejado vibrafonista, compôs belas faixas que passam pela latinidade, pelo blues e pelo free. Ah! O grupo conta também com Freddie Hubbard e Sam Rivers. O último, por sinal, também freqüenta os melhores acervos geralmente não como líder, mas como integrante de vigorosas bandas de apoio. Trata-se de injustiça que também merece ser reparada quando possível.

Dr. Feelgood - Down by the Jetty (1974)

A idade vai passando, vamos amadurecendo, ficando mais chatos e/ou exigentes. Depois de muitas audições do melhor jazz já se começa a escutar certas coisas do rock com certo distanciamento crítico. Ainda assim, discos como este merecem uma conferida sem preconceitos.

Os ingleses do Dr. Feelgood são dos melhores exemplos do chamado pub rock: simplicidade, sujeira e alguma puerilidade, devidamente extraídas da singeleza do rock dos anos 1950 e 60, da lascívia do blues e do rhythm’n’blues e do agito do soul linha Stax/Volt.

Durante muito tempo acalentei o desejo de possuir este Down by the Jetty, mas nunca tivera a oportunidade de adquiri-lo. A informação que tinha era a de que ele soava mais cru do que o segundo álbum da banda, o espetacular Malpractice. Com efeito, o primeiro conta com um rock mais áspero e direto. Mas, apesar disso, o disco de 1975 é um tiquinho melhor. Pelo menos é esta a minha visão de hoje. Deve ser a idade!

domingo, 7 de dezembro de 2008

A impopularidade dos jornais

A edição da Folha de 6 de dezembro está por demais risível. O jornal faz malabarismos para tentar justificar o recorde de aprovação ao governo Lula: um de seus editoriais, colunistas da página dois e intelectuais ouvidos pelo diário foram unânimes em dizer que o excelente resultado do presidente se deve ao fato de a crise econômica internacional ainda não ter batido com toda a sua força aqui no Brasil. De algum modo, acrescentaram eles, Lula também está sendo hábil em “vender” a idéia de que a crise não terá maiores efeitos por aqui e que o país está pronto para enfrentá-la na dimensão que ela se apresentar.

Se os editorialistas, colunistas e intelectuais estão certos nas suas assertivas, forçoso é concluir que a Folha – e de resto toda a imprensa – está perdendo a guerra de comunicação para o presidente. Os que lêem os jornais certamente que teriam todos os motivos do mundo para estar em pânico com a crise, haja vista o reiterado terrorismo praticado todo santo dia acerca dela. No entanto, as pessoas parecem não estar tão aterrorizadas assim, ou, se estão, não devem estar responsabilizando o presidente pelos maus bocados que talvez se avizinhem.

Aliás, é interessante a leitura que todos parecem fazer da popularidade de Lula. É como se ela estivesse fora dele. Hoje a popularidade está em alta porque a economia ainda vai relativamente bem. Amanhã, prognosticam eles, ela deve despencar porque alguns dados tendem a se deteriorar. Mas, de acordo com todas as análises, a culpa não será de Lula e de seu governo, e sim da crise que teve seu início lá fora, especialmente nos países centrais. Tudo isso bem explicado, mesmo aquele que sofrer com os desdobramentos do “tsunami” – ou da “marolinha” – poderá ainda ficar na “lua-de-mel” com o presidente, pois não será dele a responsabilidade pela “dor de barriga” que tendemos a sofrer em 2009.

E o pior de tudo - para a imprensa - é que desta vez eles não podem dizer, ou estimular outros a dizerem, que a popularidade do presidente se segura nos pobres beneficiários de programas sociais ou nos pouco escolarizados desinformados. Nesta oportunidade, Lula é considerado ótimo e bom também pela maioria dos mais ricos e com maior nível de instrução, inclusive do Sul e Sudeste.

A situação é complicada: nem a classe média alta nem a famosa "zelite" parecem levar a imprensa a sério! Daí talvez a quase indisfarçável torcida para que a marolinha seja mesmo um tsunami daqueles. Quem sabe depois de milhões desempregados, com deterioração dos salários, crise social e tudo mais, esse povinho passa a acreditar mais nos nossos bem-intencionados donos de jornais e nos seus colunistas casados com gente ligada ao PSDB?!

Sinceramente, amigos, estou pouco ligando para a popularidade de Lula. Ela estando nas alturas ou caindo abaixo do chão, o que eu realmente gostaria é que a crise realmente não abatesse muito o Brasil e que o país de fato conseguisse, como vem dizendo não o presidente Lula mas organismos como a OCDE, passar por ela de forma muito mais tranqüila do que certamente ocorrerá - e em alguns casos já vem ocorrendo - com outras nações.

sábado, 6 de dezembro de 2008

Deixa o homem voar!

Causou um pouco de mal-estar o uso de jatinhos particulares por parte de executivos de montadoras que se dirigiam ao Congresso americano em busca de ajuda para as grandes corporações do setor. A utilização de tão refinado meio de transporte, exatamente para pedir auxílio num momento de crise, causou indignação por parte dos congressistas e de nomes da imprensa do país.

Pura hipocrisia.

Há pouco tempo atrás, o modus vivendi dos mesmos executivos era motivo de bajulação e era tido como exemplo a ser seguido ou, melhor dizendo, como uma espécie de conquista a ser por todos almejada. Só para registrar, a rede CNN, de onde obtive a notícia, conta na sua grade com programas especializados em exaltar o opulento e exibicionista modo de vida de altos funcionários de megacorporações, tais quais o Agenda Ejecutiva (na CNN en Español) e os apresentados por Richard Quest, na International. E o Congresso dos Estados Unidos, por sua vez, nunca se importou em ser um antro de lobistas dos mais diversos interesses corporativos do país: como será que eles acham que aqueles distintos senhores sempre chegaram lá?

Mas os tempos são outros, podem alegar os congressistas e jornalistas, novos críticos do comportamento dos representantes das montadoras. Tudo bem, mas ninguém nega que, mesmo quando a bolha não dava sinais de que iria estourar e a onda de crescimento generalizado parecia não ter fim, a farra de executivos era desproporcional ao modo de vida mais, digamos, frugal da maioria dos trabalhadores de suas indústrias. Mas antes da tal crise, seria difícil imaginar um congressista ou um jornalista de qualquer lugar do mundo chocando-se com o grande empresário ou com o alto funcionário que chegasse de helicóptero à planta que administra enquanto o funcionário da linha de montagem tivesse que pegar dois ônibus, enfrentar o estresse do trânsito e ter algo do salário descontado por atrasos pelos quais não teve culpa.

Mas o clima do momento, talvez, seja o de salvar o próprio capitalismo. Se se resgatam as idéias de Keynes e de Marx, é porque se está realmente acreditando que o sistema permitiu abusos que lhe tiram a credibilidade. Daí a necessidade do apelo à simbologia que poderia vir contida numa forma mais humilde, mais franciscana de se pedir ajuda, o que não teria sido observado pelos altos executivos das montadoras em crise.

Jornalistas e congressistas americanos talvez queiram resgatar a essência que muitos acreditam estar na origem do sistema, tais como a industriosidade e poupança de que falava Max Weber, ou no bem comum a que se pode chegar na busca honesta pelo próprio interesse, como diria Adam Smith. Mas a grande verdade é que o capitalismo chegou a um ponto em que, para sua sobrevivência, ele precisa também do exagero, da opulência, das aparências, do desperdício. Os jatinhos particulares, os helicópteros, as limusines etc. são partes da engrenagem. A roda tem que girar.

Capitalismo de sandálias nesta altura do campeonato, senhores? Agora não!

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Boa notícia ruim

Há notícias que de tão boas chegam a ser ruins (!). A informação divulgada pelo IBGE na semana anterior, a de que o índice de desemprego registrado no mês de outubro foi o segundo menor da história, é motivo de preocupação se cruzada com os informes de setembro que afirmavam estar o comércio diminuindo o ritmo de encomendas e estar a indústria, por conseqüência, pisando no freio da produção, tudo por conta da famigerada crise internacional.

É muito simples. Como o leitor sabe, ao chegar dezembro, as pessoas empregadas gostam de consumir um pouquinho mais do que nos outros meses do ano. Por seu turno, o comércio, que se deixou ressabiar pelo discurso da crise, tenderá a estar com menos estoque para atender aos consumidores. O resultado lógico, se é que a lei da oferta e da procura ainda tem alguma credibilidade, será um repique inflacionário: muita gente querendo comprar poucos produtos resulta em preços mais altos.

O blogueiro Eduardo Guimarães, no seu imperdível cidadania.com, já havia chamado a atenção para o terrorismo que vinha sendo feito acerca da crise, não obstante não se devesse negligenciar - reconhecia ele - os seus riscos e a sua importância. Mas, já com o assunto crise em pauta, o que se ouvia, no entanto, era a divulgação de dados sobre a economia brasileira que apontavam para uma situação muito diferente da que se tem verificado na maioria dos países centrais: inflação controlada, consumo em alta, alguma geração de empregos. Eduardo, então, advertiu para os efeitos da profecia auto-realizável, ou seja, começa-se a falar de uma crise chegando, todos se apavoram, passam a investir menos, as pessoas consomem menos e, aí sim, a reboque vem a diminuição do consumo, o que leva à supressão de investimentos, o que traz desemprego, e o círculo vicioso se instala naturalmente, provocando, sim, uma avassaladora crise de fato.

Em se tendo pressão inflacionária no final do ano – o que poderá ocorrer por causa do aquecimento da economia no período associado à oferta reprimida graças ao terrorismo da crise -, 2009 entrará com tendência de mais juros, o que levará a uma situação de retração nos níveis profetizados (desejados) pela imprensa e pela oposição, os arautos do quanto-pior-melhor. A profecia terá se auto-realizado, e como “é a economia, estúpido” que segura os índices de aprovação do presidente Lula, ficará aberto o caminho para algum nome forte da oposição.
Trocando em miúdos, há lógica econômica no discurso da crise e é recomendável ter preocupação e cautela. Porém, o que se viu – e se tem visto – são gestos quase indisfarçáveis de desejo pela ocorrência do pior. Dados concretos apontam que o terror era exagerado, mas, ao mesmo tempo, eles ajudam a confirmar que o risco de haver desequilíbrios futuros é bastante iminente, justamente porque se acreditou no discurso da crise! Tomara que haja alguma forma de se reverter isso.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Vagabundos de todo o mundo, relaxemo-nos!


O que seria deste humílimo blog não fossem os criativos e-mails que nos mandam vez ou outra?!

Há poucos dias, recebi de um amigo mensagem intitulada "A resposta do ano!!!", com a imagem que ilustra o presente (veja ao lado), devidamente anexada. Como o leitor pode ler, trata-se de uma foto com uma faixa destacando a seguinte frase: "Tá perdendo Marta? Relaxa e goza!" (sic)

Não sei se realmente houve alguém que se deu ao trabalho de mandar produzir e depois, ao arrepio das leis municipais, pendurar nas vias públicas semelhante faixa. Talvez seja apenas uma montagem bem realizada... Mas, seja como for, o autor daquela bobagem não é muito devotado às regras gramaticais, haja vista que se esqueceu de separar o vocativo por vírgula (o certo seria " perdendo, Marta?). Mas, bem, deixa para lá, afinal o autor destas maldigitadas não tem tanto direito assim de ficar falando dos erros de português dos outros!

Mas, de qualquer forma, ouviu-se muito durante a campanha pela prefeitura de São Paulo a menção à infeliz frase de Marta Suplicy, proferida quando do lançamento do Plano Nacional de Turismo, em 2007, exatamente no auge da assim chamada crise aérea. A frase com certeza foi infeliz, como já dissemos. Porém, apresentada de forma recortada, ela fica descontextualizada. Em verdade, a então ministra do Turismo disse: "Relaxa e goza porque você esquece todos os transtornos depois [ao chegar ao destino]", mais adiante, arrematou: "Isso é igual a parto. Depois esquece tudo". Pois bem, amigo leitor, honestamente, você pensa de forma muito diferente? Se o paciente leitor não se importa, contarei um relato pessoal. Há exatamente três anos, minha esposa viajou para a Europa. Saiu de São Paulo animadíssima rumo a Berlim, porém com conexão em Madri. Mas, na manhãzinha do dia seguinte, eis que atendo um telefonema. Era ela chorando, xingando, reclamando: as autoridades espanholas inexplicavelmente a detiveram. Só o que ela dizia é que queria voltar, queria voltar, porque queria voltar, a viagem já era, estava tudo estragado, o sofrimento era infindável, que ela não tinha sorte, que as coisas só aconteciam com ela etc. etc. etc. E eu, de meu lado, simplesmente lhe disse: "calma, neném, vai dar tudo certo. Assim que você chegar à Alemanha e começar a fazer os passeios, a realizar as suas atividades, a curtir tudo o que planejou, você vai esquecer os dissabores. Fique tranqüila...". Olha, faltou pouco para eu dizer "relaxa e goza"! Ah, antes que eu me esqueça, só para variar eu estava coberto de razão: rapidinho ela esqueceu as sacanagens cometidas em solo espanhol.

Sei que muita gente ficou chocada com a expressão um tanto chula (relaxa e goza), talvez até mais do que com os possíveis contextos da frase da petista. Mas, cá entre nós, é um pouco de moralismo demais numa era em que as crianças falam coisas muito piores sentadas à mesa de jantar. Isso quando se sentam à mesa para jantar...

Os políticos em geral medem muito as palavras. Ao mesmo tempo, e paradoxalmente, costumam deixar ser engolidos pela incontinência verbal. O povo e a mídia, entretanto, adoram isolar as besteiras por eles proferidas de seus contextos originais. A ex-ministra, portanto, não foi a primeira vítima de tal golpe baixo. Por exemplo, o "estupra mas não mata", de Paulo Maluf, também soa pior quando isolado do verdadeiro objetivo do folclórico político ao dizê-lo: em realidade, Maluf quis mostrar-se indignado com o fato de uma pessoa cometer um ato que já seria execrável por si só e ainda incrementá-lo com o "evento" morte; noutras palavras, ele, em momento de absoluta infelicidade, quis valer-se de expressão semelhante a muitas não raro repetidas por aí, do tipo "pô, já roubou, precisa bater, ou precisa matar?"... Outro que se estrepou por usar adjetivo errado no momento errado foi FHC, ao chamar certo tipo de aposentado de "vagabundo". O ex-presidente estava se referindo a um seleto grupo beneficiário de aposentadorias especiais, mas o que se viu na época foi um verdadeiro exército de velhinhos que não se enquadravam na descrição daquele "séqüito" transbordando indignação pela agressão que, a bem da verdade, repita-se, em absoluto não se dirigia a eles. Tudo bem que os tais beneficiários de aposentadorias especiais não cometeram nenhum crime, afinal estavam aposentados por força de lei da época. De todo modo, fora de contexto, a frase de Fernando Henrique soa pior do que o que ela realmente significava.

Mas, além da incontinência, há o destempero verbal. Neste quesito é difícil imaginar alguém que supere o prefeito reeleito de São Paulo, Gilberto Kassab, que, também em 2007, durante a inauguração de um posto de saúde em Pirituba, agrediu um munícipe: "sai daqui, vagabundo!", fato que o simpático leitor certamente se lembra. Com efeito, é bem a cara da elitista São Paulo: choca-se com o "conselho" de Marta Suplicy aos (em sua maioria) privilegiados usuários do transporte aéreo, punindo-a com altos índices de rejeição, mas aprova o homem público que humilha um manifestante pobre, premiando-o com respeitável votação (com perdão do eco!).

É claro que, no andar da carruagem, houve boa dose de pragmatismo e alguma memória seletiva por parte do eleitor. Mas, na época, quando do "arroubo kassabiano", houve, de fato, o ensaio de certo repúdio, aqui e acolá, tanto por parte da mídia quanto da gente comum. Mas as pessoas apenas se mostravam indignadas com a situação pelo fato de o Sr. Kaiser, o cidadão vilipendiado pelo prefeito, ser comprovadamente um homem honesto e trabalhador. Ora, mesmo que ele fosse realmente um vagabundo, não caberia ao prefeito ter agido daquela maneira tresloucada nem ter se dirigido de forma a diminuir a dignidade daquele ser humano. Noutras palavras, não é função de prefeito enxovalhar "vagabundos", mesmo quando for o caso.

Como já disse, não dá para ter certeza se existiu mesmo a tal faixa e se ela de fato foi colocada em local público. Caso tenha sido verdade, não deixa de ser irônico que um - pelo que tudo indica - eleitor do prefeito da lei "cidade limpa" não tenha tido pudores de emporcalhar a cidade, infringindo as leis de posturas municipais. Cá entre nós, é coisa típica da classe média paulistana! Pobre São Paulo!!!


segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Obama e Lula

Do muito que se foi falado sobre a vitória de Barack Obama, o melhor veio da boca do presidente Lula - só para variar um pouquinho! Disse o presidente que a vitória do democrata foi um "feito extraordinário" e que "um negro sagrar-se presidente dos Estados Unidos não é pouca coisa". É verdade e não é de surpreender que Lula o tenha dito. O que causou estranheza mesmo foram os editoriais dos jornais e a comemoração de certa parcela da população brasileira.

Os jornais e algumas figuras aqui do Brasil falaram da trajetória do senador, de suas origens, de quão notável é o fato de alguém como ele chegar ao posto a que chegou, num país em que o racismo não é velado como o nosso, e que também não é dado a aventurar-se ou ter arroubos de modernidade e experimentação. Ora, guardadas as devidas proporções e feitas as necessárias adaptações o mesmo se pode dizer da gloriosa vitória de um nordestino torneiro mecânico aqui no Brasil. Mas, em vez das explosões de fogos e todo alvoroço da mídia e da classe média brasileiras, Lula sempre teve que amargar hostilidades e má vontade.

A Folha até que chegou a ousar, colocando na primeira página, no dia da eleição, o depoimento de brasileiro radicado nos Estados Unidos, que apontou as semelhanças de trajetória de Barack Hussein Obama e de Luiz Inácio Lula da Silva. Será que alguém leu atentamente? O presidente Hugo Chávez também lembrou que a vitória do afrodescente no pleito estadunidense guardava alguma ligação com a onda democrática que elegeu presidentes populares de esquerda na América Latina. A mídia brasileira desconversou sobre o assunto.

Pelo jeito, nem tudo o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil.

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São outros valores, estúpido!

sábado, 1 de novembro de 2008

Eleições municipais 2008 - São Paulo - considerações finais

Do resultado das eleições municipais de São Paulo foi falado tratar-se de uma vitória da racionalidade do eleitor, que teria votado pragmaticamente, de olho no seu interesse nas coisas que lhe diziam diretamente a respeito, o que quer dizer, sob essa leitura, que o sufrágio do paulistano foi essencialmente “municipalizado”. Por outro lado, diversos analistas, quando não os mesmos do diagnóstico anterior, viram na vitória de Kassab um trunfo do governador José Serra com vistas a 2010, o que seria ao mesmo tempo, e por conseqüência, uma derrota do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o que teria dado dimensão nacional ao escrutínio paulistano.

Ambas as análises parecem ser contraditórias entre si, além de não sobreviverem isoladamente se observadas pelo olhar crítico.

Primeiramente, os comentaristas e os cientistas políticos precisavam decidir se, afinal, o paulistano votou simplesmente preocupado com a cidade e, desse modo, premiou uma administração que considera aceitável, ou se quis ir além, mandando recados para possíveis presidenciáveis de 2010. Alguém pode até achar que as duas coisas não necessariamente se excluem mutuamente. Faltou, entretanto, explicar em suas análises como isso se dá na prática.

Em segundo lugar, merece ser questionada tanto a afirmação de ter sido racional a escolha do eleitor da capital de São Paulo quanto a de ter sido uma vitória do grupo de Serra o resultado do pleito no município.

Racionalidade?
Ao falar da racionalidade dos eleitores, os analistas quiseram se referir ao fato de que ele teria deixado de lado suas paixões e preferências lato sensu e simplesmente calculado o que seria melhor naquele momento: manter o atual prefeito e, assim, prestigiar suas políticas, ou mudar tudo de acordo com sua predileção partidária ou simpatia pessoal. Noutras palavras, de acordo com esse entendimento, o paulistano pensou acima de tudo na cidade. Muito bem. Mas é bom não deixar se perder de vista que a “moderna” cidade de São Paulo deu sobrevida ao ex-PFL, varrido do mapa até mesmo em muitos rincões que ainda lhe davam sustentação. Mas, dirão alguns, a tal escolha racional do eleitor passa justamente pelo fato de o morador da maior cidade do país não ter sequer pensado em partido na hora de votar, antes fazendo sua opção na comparação das habilidades dos candidatos. Pois bem. Se de fato racionalidade é isso, então se deve concluir que a mídia, intelectuais e até mesmo a classe política andam mentindo muito quando falam da importância do fortalecimento dos partidos, da fidelidade partidária, na necessidade de diminuir a “personalização” na política. Quer dizer, então, que os partidos políticos são de capital importância, exceto quando uma bandeira do atraso ganha na cosmopolita São Paulo?! O voto na pessoa pela pessoa é algo horrível, vejam só o Lula... Mas o voto no homem Kassab é superbacana, principalmente se for para derrotar o bem organizado partido político chamado PT!

Municipal ou nacional?
Se a eleição foi de fato por demais localizada, não se deveria atribuir os louros da vitória de Kassab ao governador José Serra, mesmo com a generosidade subserviente do prefeito reeleito, que não se importou de dividir as glórias com o peessedebista. Há que se dizer que não chega a surpreender resultado mais pró-Serra na cidade, haja vista que São Paulo sempre foi meio “do contra” quando o assunto é presidente popular. Ademais, parece que a imprensa de vez em quando se esquece, mas a eleição para presidente não ocorre apenas na maior cidade da América do Sul. Dessa forma, se é que o eleitor “brasileiro” mandou algum recado para 2010, ele foi mais favorável ao presidente Lula, que viu seu partido conquistar mais municípios espalhados por todo o país. Fora isso, será que alguém teria coragem de apostar as fichas no tucano numa eventual disputa direta entre ele e o atual presidente? Tudo bem, Lula não poderá disputar a reeleição em 2010, e como não restou provado que sua popularidade redunde na transferência de votos, o governador Serra, sob esse prisma, teria mais chances do que o candidato que vier a ser apresentado pelo Planalto. Ora, senhores analistas, não se esqueçam da tal “racionalidade” do eleitor, que bem pode querer a continuidade em 2010 e, portanto, preferir o low profile de, por exemplo, Dilma Roussef ao pop star José Serra. Se Kassab alcançou tão notável êxito, por que a ministra-chefe da Casa Civil não pode?

Mas as eleições municipais foram só... municipais, e 2010 ainda está longe. Há crise econômica internacional rolando, tem novo presidente americano chegando por aí. Guardemos, pois, nossas bolas de cristal!

sábado, 25 de outubro de 2008

Sonny Rollins no Ibirapuera

Uma apresentação gratuita de Sonny Rollins no aprazível Parque do Ibirapuera sem dúvida que era programa imperdível.

Não consigo ir ao Parque sem me estarrecer com o disparate que é chegar a ele a pé. É um rematado absurdo que uma das principais áreas de lazer de São Paulo, de alta (e rara) concentração de verde, própria para caminhadas e “bicicletadas”, imponha tão inacreditáveis óbices para os pedestres. De qualquer modo, não deixa de ser didático: isto talvez explique por que a classe média paulistana tem tanta ira de políticos que priorizam o transporte coletivo. Qualquer homem público ajuizado vai sempre facilitar a vida dos que andam de carro, mesmo que seja num lugar onde o tráfego deveria até ser proibido.

Além do excesso de veículos que não me deixavam atravessar a rua, talvez sol e o calor de mais de 30 graus também tenham contribuído para aumentar meu mau humor. Mas havia a certeza de que ele se dissiparia com o show do lendário saxofonista. Dito e feito, o artista, quase octogenário, já apresentando dificuldades de locomoção, mostrou que não há idade para quem lida com a música. Tudo bem, eu sei, é um clichê. Pois bem, aí vai mais um: Rollins, apesar da idade avançada, tocou como um garoto, acompanhado por uma banda competente. E vale dizer que o músico não se escondeu atrás do grupo. Ao contrário, o grande saxofonista solou incansavelmente quase o tempo inteiro e fazia intervenções quando das sessões dos demais músicos.

Pontos altos: a balada “In a Sentimental Mood”, pela força de seu contraste em relação à predominância do hard bop na apresentação; o outro foi a passagem de som alguns minutos antes do show: o pouco público que lá se encontrava vibrou bastante com o ensaio dos músicos, inclusive do próprio Rollins, o que já teria valido a pena para quem, por algum motivo, precisasse ir embora antes do concerto.

Espero que você, leitor, tenha sido um dos privilegiados presentes no Ibirapuera, na manhã de 25 de outubro de 2008.

O neoliberalismo parece ter morrido. Já os neoliberais...

Provavelmente nunca houve na história ideário que tenha sofrido tão forte revés como o que ora se abate sobre o neoliberalismo. Nem mesmo a queda do assim chamado socialismo real teve tanto impacto sobre um conjunto de idéias. Afinal, o simpatizante socialista teve – e tem – a seu favor a defesa de que nunca, de fato, o modelo existiu numa forma pura. Afinal, dir-se-ia - o que existiu no Leste Europeu, por exemplo, foi um forte estatismo, economia centralizada/planificada, ou até mesmo, para nos valermos de expressão empregada por Robert Kurz, um socialismo de estado altamente concentrador, sem verdadeira propriedade social dos meios de produção, sem sombra sequer de ditadura do proletariado, antes havendo a ditadura das burocracias dirigentes dos regimes, com direito até a cultos de personalidade de alguns líderes.

O projeto neoliberal, por sua vez, existiu de verdade, foi levado a cabo em nações capitalistas de diversas tendências e tamanhos, foi-lhe assegurada a maioria de suas características, de forma a merecer poucos reparos, sempre se apostando nos dogmas de estado mínimo e da total liberdade cumulada com absoluta supremacia dos mercados, com direito ao mais completo descaso para com as questões sociais e de interesse do mundo do trabalho.

Mas a supercrise internacional deu um forte golpe na seara neoliberal, com a entrada em cena do “vil e desprezível” Estado, que a custa de todos aparece agora para salvar os empreendedores do admirável mundo novo idealizado pelos "Chicago Boys" e logo de cara abraçado por Thatcher, Reagan e outros.

É estarrecedor ver os circunspetos economistas de plantão e alguns colunistas da grande imprensa apoiando o intervencionismo estatal nos Estados Unidos e na Europa. Mas, como a fábula do sapo e do escorpião, há um sério problema de natureza envolvido na questão. Nesta semana, vi no BandNews TV um rapaz sendo entrevistado pela repórter de economia da emissora, direto da BM&F. O moço, não me lembro se da Academia ou se do mercado, comentando os últimos desdobramentos da crise, falou da importância da intervenção “temporária, transitória” do Estado nos negócios da economia. Isto mesmo: o garoto, talvez num ato falho – ou nem tão falho assim -, deixou claro que a fundamental atuação do Estado, a qual ele aprova, deve ser pontual, temporária, transitória! Quer dizer, o rapaz já está antevendo – ou talvez propondo – que, passado o "tsunami", o Estado e suas regras devam cair fora, deixando o espaço livre novamente para os lucros, que, ao contrário dos socializados prejuízos das quebradeiras, merecem voltar a ser devidamente privatizados.

Viu-se também muita gritaria na imprensa brasileira por conta da MP que abre caminho para a Caixa e o BB arrebanharem bancos menores em dificuldades. A primeira página de O Globo chegou a atribuir os maus resultados do mercado naquele dia ao susto que o governo brasileiro havia pregado com essa conversa (esqueceram-se de que a “volatilidade” da Bolsa e a instabilidade do dólar já estão aí há bem mais de mês, muito antes da tal Medida Provisória amedrontadora). Na Folha, por seu turno, chamada de primeira página trazia trecho de texto de um colunista dizendo que o PROER era melhor e mais transparente. Se eu bem entendi, o rapaz quis dizer que tudo ok quando o Estado entra na jogada, desde que seja para sanear bancos para o capital privado. Será que o leitor ficaria muito chocado se eu classificasse tudo isso de cara-de-pau das mais deslavadas?

Se o neoliberalismo morreu, o discurso neoliberal, como se vê, mantém-se vivo, ao menos no Brasil.

Uma objeção inteligente que o leitor bem pode fazer é a de que, se as idéias ainda encontram defensores, a colocação delas em prática não pode, do ponto de vista lógico, ser a priori descartada. Portanto, o neoliberalismo não pode ter morrido se os seus apologetas estão vivíssimos.

Mas nesse caso talvez teremos o embate, proposto por Weber, entre a “ética de responsabilidades” e a “ética de princípios”. Sem dúvida que aparecerão muitos - inclusive políticos - tentando novamente puxar a brasa para a sardinha do mercado, fazendo discursos liberalizantes, aproveitando-se do “cartaz” que isso dará, encontrando nisso uma forma de ganhar espaço privilegiado na mídia, junto aos empresários etc. Entretanto, em postos decisórios, faltará coragem a essas mesmas pessoas para propor desregulamentações, ausências de controle, o deixa-estar-para-ver-como-fica etc. Noutras palavras, ninguém quererá, a despeito da fé mais cega, apostar as fichas no deus-dará do mercado, pelo menos não enquanto ainda for viva a memória dessa avassaladora crise internacional.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Eu não sou cachorro, não (CD) - 2004

“Trilha sonora de livro” soa muito estranho. Mas é exatamente o que temos aqui: uma coleção de músicas populares cafonas dos anos 1970 que servem de fundo para a leitura do livro Eu não sou cachorro, não, de Paulo Cesar de Araújo, selecionadas pelo próprio autor.

A idéia foi mostrar o quanto os artistas extremamente populares (popularescos mesmo, exemplos do mau gosto, numa palavra, os bregas) trouxeram de desconforto para o establishment político dos anos de chumbo e como chocaram o “bom gosto” elitista da classe média e dos intelectuais da “porção Bélgica” da “Belíndia”.

Que alguns figurões do primeiro escalão da MPB incomodaram os militares ou usaram metáforas assaz criativas para despistar a censura todo mundo sabe. Mas é desconcertante descobrir que nomes como, por exemplo, Waldick Soriano e Odair José tenham trazido alguma dor de cabeça para as autoridades do período mais duro do regime militar. É a este propósito que a excelente coletânea serve.

O recentemente falecido Waldick Soriano aparece com a clássica canção que dá título ao livro e à presente compilação e também com “Tortura de Amor”, música que o baiano lançara em 1962 e que viria a regravar em 1974. Se no início dos anos 1960 ela não causou maiores transtornos, já no meado dos anos 1970 teve sua execução proibida em todo o território nacional, simplesmente por conta da palavra “tortura”, vocábulo que não caía bem adentrar o recôndito dos lares brasileiros ou tomar as ruas deste continental país àquela época. Já o megahit romântico “Eu Não Sou Cachorro Não”, analisada em retrospecto, também serve, segundo Paulo Cesar, como uma espécie de hino para os pobres vituperados pelas autoridades e pelo sistema, um canto que ecoava de Norte a Sul do país, na boca do mesmo povo que candidamente esperava o bolo crescer.

A obra do goiano Odair José também sentiu a lâmina afiada da tesoura naqueles “anos de exceção”. Só para começar, basta dizer que a faixa “Em Qualquer Lugar”, de 1973, só veio ganhar a luz justamente nesta coletânea, depois de mais de 30 anos, censurada que foi na época por sua suposta conotação sexual, assunto que era pouco recomendável naquele clima de moralismo próprio das ditaduras. Por outro lado, a canção “Viagem” conseguiu, depois de recurso, ser liberada pela censura, não obstante sua letra escancaradamente apologética ao uso de maconha. A sorte de “Uma Vida Só” (Pare de Tomar a Pílula) só foi mudada depois de a música estar nos primeiros lugares da parada. Diferentemente do que muitos hoje pensam, ela não foi banida por causa da referência à pílula, mas, ao contrário, ela o foi justamente porque o uso de anticoncepcionais vinha sendo recomendado por maciças campanhas governamentais, e a singela canção de Odair poderia ser entendida como uma conclamação à desobediência civil! O polêmico artista encerra a presente coleção com “Vou Tirar Você Desse Lugar”, ao lado do intragável Caetano Veloso, na famosa apresentação do evento Phono 73, realizado em São Paulo naquele ano. Mostrando que não é de hoje que o insuportável cantor e compositor baiano é dado a fazer demagogia, ele convidou Odair José para dividir o palco com ele. Mas isso, segundo Paulo Cesar de Araújo, só depois de Hermeto Pascoal ter recusado tão “inestimável honra”...

Outros temas de caráter social presentes no CD são: “Garoto de Rua”, do obscuro cantor Balthazar, que trata do tema da infância abandonada, composta em... (não, não é no final dos anos 1980, início dos 90, não), composta em 1976; o brega-soul(!) “Eu Queria Ser Negro”, de Marcus Pitter, falava da segregação e dava um tiro certo no mito da democracia racial, com direito a um refrão pegajoso que por muito pouco não é um plágio da versão de Wilson Pickett para “Land of Thousand Dances”, de Chris Kenner; “Você Também É Responsável”, com a dupla “chapa-branca” Dom e Ravel, é uma tremenda curiosidade: canção que foi feita para ser uma espécie de hino do Movimento Brasileiro de Alfabetização, o Mobral, acabou chamando atenção demais para a questão das desigualdades sociais e das agruras da população pobre, a ponto de lhes ser solicitado que mudassem a letra, sugestão que, felizmente, não foi acolhida pelos cearenses.

Outros destaques da coletânea: o ídolo Paulo Sérgio, em pleno 1970, ano do tri, clima de “ninguém segura este país”, afirmava, com seu jeito apaixonado de cantar, que queria dar um fim em tudo, na ultra-romântica (aqui num sentido mais “Álvares de Azevedo” do termo) “Não Creio em Mais Nada”, canção tributária do estilo jovem guarda, porém sem a puerilidade das letras daquele gênero, isso sem falar do órgão intermitente que evocava – olha a heresia aí – um Strawberry Alarm Clock ou um ? & the Mysterians. O controverso Agnaldo Timóteo também causa espécie com “A Galeria do Amor”, música em homenagem à famosa Galeria Alaska, então um reduto de homossexuais no Rio de Janeiro, que bem mereceria entrar naquelas listas de melhores canções gays de todos os tempos, ainda mais por seu estilão, digamos, kitsch de ser!

Por fim, o sambão-jóia “Retalhos de Cetim”, de Benito di Paula, e “Brasileiro no Meu Calor”, de Sidney Magal, aqui apenas ocupam espaço, como mera curiosidade, um tanto fora do contexto do álbum. (Magal, aliás, ao lado de Caetano Veloso, é sem dúvida a presença mais desagradável do disco). Como último destaque, vale mencionar a inclusão de um dos maiores sucessos do redivivo Evaldo Braga. O cantor de voz potente, morto em pleno auge com 25 anos, está tendo um de seus maiores sucessos utilizado por campanha de um candidato à Prefeitura de São Paulo neste ano de 2008. Mas nesta compilação, em vez de “Sorria”, temos a também notável “A Cruz que Carrego”. Não chega a ser uma maravilha, mas minha mãe gosta muito dele, por isso, em homenagem a ela, vou aqui manifestar o meu respeito ao “ídolo negro”. Boa leitura; boa audição!

Leia mais críticas musicais no site RateYourMusic

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Eleições Municipais 2008 - São Paulo - Debates para quem precisa

Para que servem os debates?

Os políticos sempre falam da importância deles; a imprensa lhes dá o maior cartaz; alguns eleitores dissimulados afirmam ser eles importantes na hora de decidir o voto.

Será que é tudo isso mesmo?

Na primeira pesquisa do Datafolha para o segundo turno da disputa na capital de São Paulo foi medida a cristalização do voto. Ela não era nada desprezível: a maioria esmagadora dos eleitores garantiu que ja havia definido, sem chances de mudar, o seu candidato. É de se presumir, portanto, que os debates não afetam um tão grande número de eleitores assim.

Mas, a despeito disso, já ocorreram dois debates de Marta e Kassab, um na Bandeirantes e outro na Record, e ocorrerá um terceiro na Globo. Já os vimos trocando acusações, ela falando do que fez, ele falando do que está fazendo; no mais, quase nada de propostas, apenas "promessas" que se repetiram em ambos os debates e que certamente "baterão ponto" novamente no derradeiro que está por ocorrer.

Mas toda a discussão acerca dos debates e seus desdobramentos não deve ser de graça. Provavelmente é conseqüência dos exageros da mídia, a única que realmente se beneficia dessa overdose, pois sempre pode explorar as farpas, as gafes, as polêmicas que inevitavelmente ocorrem nesse tipo de encontro.

Já para a sua excelência, o eleitor, não serve para nada. Pergunto: será quantos eleitores deixarão de votar em Gilberto Kassab por ele ter sido desmascarado, no debate da Band, quanto à questão da licença de 180 dias das servidoras do município, por exemplo? Numa pergunta sobre o assunto, Marta deu um golpe mortal no candidato do DEM, chamando atenção para o fato de que ele vetara o projeto, para depois, eleitoreiramente, reapresentá-lo. Não vi, no dia-a-dia, nenhuma ressonância sobre tão importante demonstração do caráter do candidato, numa prova cabal de que o ser péssimo e o ser ótimo no debate talvez esteja separado por uma linha muito tênue.

Seja sincero, caro leitor: algum dos candidatos foi tão melhor assim no debate da Record? Penso que não, houve um equilíbrio, sem dúvida. Mas algumas horas depois, enquete do site do Estadão dava que o prefeito fora melhor para 86% dos votantes. Ora, ainda que se admitisse que Kassab possa ter se saído melhor, não foi nada que justificasse uma "lavada" daquelas! Em verdade o que ocorre é que, como seria de se esperar, os leitores do superconservador jornal paulistano apóiam em peso o candidato democrata. Nada mais fizeram, pois, do que manifestar suas preferências. Nada de novo no front: se Kassab tivesse passado a noite inteira só olhando para a câmera, fazendo caretas ou piscando para as suas (agora) pretendentes, ele continuaria parecendo o melhor para 86% de potenciais leitores do Estadão, pode apostar!

Depois alguém me conta como foi o debate da Globo, pois eu não pretendo perder meu tempo.

Obrigado!

domingo, 19 de outubro de 2008

Nota Fiscal Paulista II

Sei que não é da conta de ninguém e coisa e tal, mas eu, desobedecendo a ordem presente em alguns milhares de mensagens bem-intencionadas que recebi pelo meu correio eletrônico, clamando para eu nunca solicitar a Nota Fiscal Paulista, participei desde a primeira hora do programa da Secretaria da Fazenda de São Paulo.

Para mim foi algo natural, pois sempre tive o hábito de solicitar nota fiscal de todas as compras. Em nenhum momento me deixei levar por histórias que afirmavam ser a iniciativa um ardil do governo para controlar nossas vidas e gastos. Mas, de qualquer forma, como bom brasileiro que sou, desconfiei se realmente haveria algum retorno por parte do programa.

Pois bem. Por incrível que pareça, a Secretaria começou a distribuir os créditos. A pessoa tem a prerrogativa de usá-los para abatimento no IPVA, ou, nos créditos acima de R$25,00, pode solicitar depósito em conta corrente.

Desconfiadíssimo, resolvi, só para desencargo de consciência, passar o número de minha conta para a ínclita Secretaria. E não é que os caras depositaram mesmo? Sim, é lógico que o que voltou para o meu bolso foi uma quantia ínfima perto do que consumi e em relação ao que os contribuintes recolhem; mas, de qualquer modo, para nós que tanto reclamamos dos impostos que pagamos é um alento que ao menos alguma coisinha volte de vez em quando. E mais: tendo em vista que qualquer um de nós certamente possui algum bom motivo para não acreditar na palavra de órgãos públicos, não deixa de ser alvissareiro que a Secretaria Estadual tenha cumprido, com a melhor das prestezas, sua parte no acordo.

Agora, por fim, fico arrasado de saber que nem tudo o que a gente lê na Internet é verdade. É triste ver que a toda hora os mitos distribuídos por e-mail são desmoralizados pelos fatos concretos!

Como certa vez mais ou menos disse Homer Simpson, quando vê sua imagem sendo vilipendiada na rede mundial de computadores: "a Internet foi criada para ajudar os órgãos de defesa e as universidades em suas pesquisas, não deveria servir para esse tipo de coisa!"

Não deveria servir também para se pregar a sonegação, como alguns andaram fazendo no caso da NFP.

Leia também Nota Fiscal Paulista

sábado, 18 de outubro de 2008

500 anos de PSDB

Após a batalha campal que envolveu policiais civis em greve e policiais militares de São Paulo, próximo ao Palácio dos Bandeirantes, o governador José Serra apressou-se em atribuir a confusão ao PT e a políticos ligados a uma central sindical, afirmando tratar-se de ato de motivação político-eleitoral.

Não é a primeira vez que um político do PSDB tenta associar a idéia de politicagem eleitoreira – geralmente ligada ao PT e a seus quadros - a eventos populares ou de certos grupos tidos como enérgicos, polêmicos ou, vai lá, violentos. Antes de Serra, tucanos importantes como Alckmin e Fernando Henrique já usaram desse expediente com o intuito de desqualificar movimentos sociais, ou com o objetivo de colar num partido ou a algum político adversário a pecha de agitador ou de envolvido com práticas delituosas.

O que parece haver de fundo nisso tudo é uma incorporação, por parte do Partido da Social Democracia Brasileira, de análise própria da historiografia e da sociologia brasileiras que afirma ser o nosso povo passivo, do tipo que nunca conquistou nada, sempre dependente das migalhas oferecidas pelos donos do poder. Noutras palavras, a maioria de nossos direitos - assim como de nossas conquistas - veio de cima para baixo, a despeito de uma ou outra sublevação, em geral derrotadas, aqui e ali. Serra e outros importantes nomes de seu partido têm, com efeito, vestido o figurino das elites e oligarquias brasileiras, que, não somente constatam isso, mas querem mesmo ver tal modelo se reproduzindo; nada mais natural, portanto, que desconfiem da espontaneidade e legitimidade de grupos e movimentos que se afirmam independentes, enxergando no seu grosso uma mera massa de manobra operada por espertalhões.

Impossível, nessa altura do campeonato, não se lembrar de debate no segundo turno da eleição presidencial de 2006, no qual o presidente Lula, então candidato à reeleição, afirmou a Geraldo Alckmin que o grupo do ex-governador mandara no Brasil havia 500 anos, exatamente até a chegada dele (Lula) ao governo. Alckmin deu uma de bobo, dizendo que o PSDB não tinha tanto tempo assim de existência! Mas a fala de Serra, com o seu descaso para com a organização dos trabalhadores da Polícia Civil de São Paulo, vem dar a mais absoluta razão a Lula, que quis, àquela época, dizer que o ninho tucano é claramente desligado do povo, aproximado das elites, e nesse diapasão, tendente a acreditar que as pessoas não sabem o que fazem, que elas não têm vontade própria, que são incapazes de lutar por seus anseios e direitos, enfim, que estão sempre dispostas a serem apenas velhas e boas “vaquinhas de presépio” dos últimos 500 anos. Em conclusão, para o PSDB, este é o país do “de cima para baixo” mesmo e, pelo jeito, para eles é bom que continue assim.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Eleições Municipais 2008 - São Paulo - Hipocrisias

Polêmica que vem agitando a campanha pela sucessão da prefeitura paulistana não mostra apenas a desfaçatez dos políticos, mas também diz muito sobre o caráter prático da conduta do eleitor.

Marta Suplicy, mulher que de longa data trabalha em prol do respeito à diversidade e em favor de uma melhor educação sexual, permitiu que sua equipe de campanha veiculasse propaganda que fazia insinuações sobre a vida íntima de seu adversário. Chamemos esse evento de “cara-de-pau nº1”.

Como o leitor deve ter presumido, existe uma “cara-de-pau n°2”, e ela vem justamente do prefeito e de seu partido e de seus aliados. Mostram-se ofendidos, mas sempre adoraram espezinhar sobre a vida pessoal de seus adversários e não são dados a ter papas na língua na hora de fazer críticas à dimensão meramente humana, por assim dizer, de seus antagonistas (o presidente Luiz Inácio Lula da Silva que o diga!).

Quem não se lembra de a campanha de José Serra, padrinho de Kassab, em 2002, tripudiar em cima da escolaridade do então candidato Lula? Já a própria Marta, em 2004, sofreu forte onda de preconceito em decorrência de decisões pessoais concernentes à sua vida conjugal. Mas tudo isso, em vez de habilitá-la a ela e a seu partido a usarem de expediente tão baixo, deveria antes servir-lhes de recomendação para serem mais zelosos com comentários sobre a vida pessoal alheia.

Mas falemos do eleitor. Em nome da elegância, evitaremos com muito custo de falar de uma “cara-de-pau nº3”, mas a grande verdade é que nós cidadãos não sabemos bem para que lado vamos e costumamos ter um moralismo para lá de seletivo, de acordo com nossas preferências: o mesmo sujeito que sempre odiou a Sra. Marta Suplicy em virtude de sua atuação simpática às causas dos homossexuais, agora se mostra chocado com uma possível exploração sobre a vida sexual de seu adversário. O mesmo eleitor que talvez a tenha abandonado em 2004 por causa de seu casamento desfeito, considera hoje sem sentido a pergunta sobre a vida conjugal (ou a ausência dela) do prefeito Kassab.

Tudo isso só prova que estamos todos no mesmo barco: a ex-prefeita com sua incompreensível baixaria, o atual prefeito e o seu partido com sua cínica indignação, e nós os eleitores com o nosso, digamos, “pragmatismo”!

Art Ensemble of Chicago

Grupo pelo qual passou pelo menos meia dúzia de artistas fundamentais do free jazz, o Art Ensemble of Chicago apresentou-se em São Paulo reduzido a um quarteto. De seus integrantes históricos, estavam somente o saxofonista Roscoe Mitchell e o baterista Famoudou Don Moye.

Dando razão à máxima que afirma ser necessário o domínio das regras antes de romper com elas, a banda demonstrou, no final de um show repleto do non-sense tipicamente vanguardista, que também tem pleno controle dos elementos mais clássicos, tradicionais e/ou palatáveis do jazz: os dois últimos números ficaram no meio do caminho do bebop e do hard bop e, no bis, o quarteto quase levou a platéia a chacoalhar num extraordinário avant-funk.

A performance dos estadunidenses fez parte da Mostra SESC de Artes, que segue até o dia 18 de outubro.

domingo, 12 de outubro de 2008

Eleições Municipais 2008 - São Paulo - Marta e Kassab

E o prefeito Kassab aparece com respeitável dianteira em relação à ex-prefeita Marta, segundo pesquisa de opinião.

Como já era previsível, e de certo modo fora antecipado por este blog, o eleitor mais de direita pulou na sua maioria esmagadora para a campanha do candidato pelo DEM. Causou alguma surpresa, todavia, a migração de boa parte dos eleitores da candidata Sônia Francine para o ninho do democrata. A surpresa só não foi maior pelo fato de que, pelo que tudo indica, muitos eleitores da própria Marta também pularam, na última hora, para a esquadra governista.

A explicação do fenômeno talvez esteja naquilo que a petista chegou a considerar como um de seus grandes trunfos: a boa administração do presidente Lula. Como ficou amplamente demonstrado nos resultados em todo o Brasil, os prefeitos ou seus candidatos foram, em sua maioria, beneficiados pelo clima de estabilidade que vige no país. Certamente não é diferente com Kassab, que está se beneficiando do bom momento na economia, da ascensão de uma nova classe média, do orçamento mais encorpado, dos incrementos de arrecadação que, ao contrário do que os comentaristas de plantão nos querem fazer entender, não se concentram apenas em nível federal, mas se espalham, sim, em todas as esferas administrativas do país. Tudo isso é tão verdade que o prefeito, embora integrante do segundo principal partido de oposição a Lula, não somente tem evitado críticas ao presidente, como o tem elogiado quando possível.

Se as pessoas estão bem e satisfeitas com o conjunto de coisas, uma administração medíocre (na acepção da palavra) não vai encontrar oposição suficiente para ser rechaçada. Desse modo, o capital político do presidente não foi tão a favor de seus candidatos, mas atuou em benefício do continuísmo geral, desde que ao menos razoável.

Agora é esperar para ver se a candidata do PT conseguirá fazer frente a essa situação e se saberá usar a seu favor a popularidade de seu colega de partido, o Presidente da República. E o que ela precisa mesmo é recuperar os votos que perdeu para Kassab e angariar a maioria dos que ficaram com Soninha, pois em certos setores não adianta ela tentar, porque não conseguirá vencer as barreiras do preconceito.

sábado, 4 de outubro de 2008

Dólar

Eis que as coisas parecem voltar ao normal: a subida do dólar timidamente recupera seu posto de indicador de crises, dificuldades, anomalias.

Cabe explicação.

Talvez o leitor se lembre de 2002. Naquele ano eleitoral, a moeda americana aproximou-se dos quatro reais. Havia crise na Argentina e, no campo interno, havia o efeito Lula, que, segundo alguns, era o grande responsável pela valorização da moeda internacional. Com a iminente vitória do petista, os ajuizados de plantão recomendavam a aplicação no dólar, que, segundo eles, tenderia a continuar subindo no eventual governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

Com a chegada de Lula ao governo o que se viu, no entanto, foi uma queda livre do dólar. Daí ocorreu o inesperado: diversos economistas, alguns comentaristas e os representantes dos setores exportadores começaram a reclamar da crescente apreciação do real frente à moeda norte-americana. Tal choradeira tornava-se incompreensível pelo menos em três frentes, duas delas ligadas à racionalidade econômica e a terceira ao mero cálculo político: a primeira é que a então alegada sobrevalorização do real, diferentemente do que ocorrera no primeiro mandato de FHC, se dava no modelo de câmbio flutuante, ou seja, era pautada pelo “deus-mercado”. A segunda é que, a despeito das “enormes dificuldades” dos exportadores, os saldos de balança comercial renovavam a cada mês o seu recorde. E por fim, o dólar barato, que na maioria das subconsciências era tido como algo positivo, passava a ser visto como um vilão, um entrave para o desenvolvimento de certos setores.

Mas agora, com a crise dos Estados Unidos, a obtenção de musculatura do dólar volta a ser apontada como prenunciação de tempos sombrios. Nossas subconsciências agradecem essa volta à normalidade! Os jornais parecem ter se esquecido de como abriam suas páginas para os experts que maldiziam o real “sobrevalorizado”(?); tampouco se lembram dos espaços que ofertavam aos políticos de oposição para que eles esbravejassem contra a “equivocada política cambial do governo brasileiro”. No ano eleitoral de 2006, um ouvinte encaminhou mensagem ao jornalista Mauro Halfeld, da CBN, questionando justamente se, afinal de contas, o dólar barato era bom ou era ruim para o país. Decerto que aquele ouvinte encontrava-se desconcertado pelas inúmeras entrevistas e comentários daquela emissora que criticavam a queda livre do dólar, que, salvo engano, àquele momento operava na faixa dos R$2,30 a R$2,40, ou seja, cerca de 20% a mais do que hoje.

E onde estão os críticos do dólar barato? Gostaria de ver suas celebrações ou ouvir o ecoar do grito que lhes deve estar engasgado desde o início do governo Lula: viva a subida do dólar!

Mas, afinal, é bom ou é ruim para o Brasil?...

Jazz em outubro


No mês de outubro, a cidade de São Paulo contará com pelo menos duas atrações imperdíveis para os fãs de jazz: o grupo Art Ensemble of Chicago, dias 10, 11 e 12 no SESC Vila Mariana, e o saxofonista Sonny Rollins, dia 21 no Auditório Ibirapuera e dia 25 do lado externo da casa. A segunda apresentação é gratuita!

Que não se pense, porém, que o jazzófilo tenha que assistir às apresentações dos dois nomes. Não há dúvida que há diferenças abissais entre os artistas: Rollins está ligado aos caracteres mais, digamos, normais do jazz, tendo passeado pelo bebop, hard-bop e cool jazz, especialmente em carreira solo, mas também ao lado de mestres como Thelonious Monk e Miles Davis. Já o Art Ensemble of Chicago, grupo surgido nos anos 1960, é devoto da mais radical vanguarda jazzística mesclada com a ancestralidade africana do gênero, numa paradoxal mistura de passado e futuro. É perfeitamente compreensível, portanto, que haja aqueles que se engalfinhem para prestigiar um deles, enquanto rechaçam veementemente o outro.

Do show de Rollins, pode-se esperar virtuosismo, energia e alguns standards. Da performance do Art Ensemble of Chicago, temas inusitados, teatralizações e, eventualmente, o silêncio.

Se tudo correr bem, este blogueiro desprovido de preconceitos exaltará a diferença - e genialidade - de ambos.

sábado, 27 de setembro de 2008

Eleições Municipais 2008 - São Paulo - Última leitura antes do provável segundo turno

O PSDB governa o Estado de São Paulo há mais de 20 anos, sempre com boa aceitação na capital; Geraldo Alckmin fez-se presente desde o início desse ciclo, primeiramente como vice de Covas, depois o sucedendo na vaga deixada pelo falecimento do titular, elegendo-se por via direta posteriormente e preparando o terreno para o sucessor pelo seu partido; o tucano teve uma gestão bem avaliada e foi, ainda, o candidato à sucessão presidencial preferido pelos paulistanos em 2006. Tudo isso parecia sugerir uma melhor sorte para o ex-governador na corrida pela prefeitura da Cidade de São Paulo.

Havia a favor de Alckmin, ainda, a resistência, por parte de alguns setores, ao nome da ex-prefeita Marta Suplicy e à administração tida como medíocre (na verdadeira acepção da palavra) do prefeito Gilberto Kassab. O candidato do PSDB, diferentemente de ambos, parecia contar com bom trânsito nos diversos estratos do município e ostentava, conforme já dissemos, a imagem de bom administrador.

Todas as pesquisas, porém, apontam um cenário em que a petista aparece com boa dianteira e que o postulante à reeleição emerge como bem mais do que um ator coadjuvante. Alckmin deve ter sido pego de surpresa. Talvez a mesma surpresa do autor destas maldigitadas. Se ele vislumbrasse essa possibilidade, certamente não teria brigado para ser candidato pelo PSDB, antes acataria a orientação, defendida - ainda que timidamente - por alguns líderes de seu partido, de apoiar a reeleição de Kassab.

Com o horário político e com a campanha nas ruas, Marta pôde mostrar algumas de suas realizações no município e apresentar propostas que parecem dar continuidade ao trabalho anteriormente feito. Kassab, por sua vez, conseguiu melhorar a sua imagem, agindo como alguém que está tendo a chance de dar publicidade a obras de sua administração que não apareciam na mídia. Já Geraldo Alckmin talvez tenha ficado com a pecha de alguém que não fez muita coisa pelo município e que, depois de ter sido governador e de ter sido derrotado à sucessão presidencial, quer a prefeitura como um tapa-buraco ou como um prêmio de consolação.

Caso se confirme, a derrota política do ex-governador seria de grande monta. Sem dúvida que ele ficaria com a imagem de grande desagregador. Lembremos que ele teve que brigar muito para ser candidato a presidente em 2006, quando muitos tucanos tinham a certeza de que José Serra seria um nome muito mais competitivo. E “batata”, Alckmin teve uma derrota humilhante no segundo turno, enquanto Serra ganhou fácil para governador ainda no primeiro turno. Agora em 2008, contrariando caciques e desagradando bases que estão engajadas desde a primeira hora na administração Kassab, o tucano insistiu em lançar candidatura própria, dividindo o partido e, ainda por cima, sem conseguir as facilidades que até seus antípodas achavam que ele teria.

Fiquemos por aqui, pois já erramos muitos prognósticos. Próximo comentário, somente depois do escrutínio de 5 de outubro.

domingo, 21 de setembro de 2008

Dias Mundiais sem Carro - a partir de 23 de setembro!

Dia 22 de setembro é o Dia Mundial sem Carro.

Em São Paulo, até mesmo o mais empedernido manifestante anticarro deve torcer para que os paulistanos não dêem muita pelota para a data. Isto porque o transporte coletivo, ruim todos os dias, costuma ser especialmente crítico às segundas-feiras, e alguns milhões de usuários a mais no primeiro dia útil da semana fariam do sistema um inferno pior do que ele já é. (Dizemos tudo isso, é claro, imaginando que em virtude do péssimo planejamento da cidade, muitos poucos poderiam se dar ao luxo de ir a seus compromissos a pé ou aventurar-se a eles ir de bicicleta).

Essa, aliás, é a grande desculpa que a maioria dos usuários do transporte individual usa para justificar a sua repulsa ao transporte coletivo: a sua notória precariedade. Mas, como já tivemos ocasião de dizer, em realidade, na cidade de São Paulo, a preferência pelos carros não decorre da má qualidade do sistema coletivo. Antes o transporte público é ruim por conta da predileção pela solução particular oferecida pelos automóveis.

Como reforço do que dizemos, noutras oportunidades lembramos que as pessoas usam o veículo particular nas situações em que até mesmo o transporte coletivo seria dispensável. Observa-se também que há, entre os usuários contumazes dos carros, moradores de regiões que não estão entre as mais mal servidas pelo sistema público de transporte, e que, portanto, não comportariam tal justificativa.

Desnecessário dizer que o automóvel particular está longe de constituir uma solução. Ele não é sucedâneo para o transporte coletivo, haja vista o tempo que se perde todos os dias no trânsito. Seus apologetas diriam, porém, que, se é para passar algum estresse, então que seja dentro da “bolha de lata”! (Com tal pensamento, o sistema público de transportes nunca será prioridade e um redesenho urbano que permitiria deslocamentos a pé ou por meio de bicicletas é algo impensável.) Acerca desse egoísmo dos motoristas, o filósofo André Gorz diz tratar-se de “um comportamento universal burguês”, decorrente da massificação do automóvel.

No mesmo texto, “A ideologia social do automóvel” (1973), publicado no Brasil pela Editora Conrad na coletânea “Apocalipse Motorizado”, Gorz cita um seu amigo da então Alemanha oriental que, ao contemplar o tráfego parisiense, disse desoladamente: “nunca se construirá o socialismo com esse tipo de gente”. Ninguém aqui, é claro, pensa em socialismo. Mas a mudança para um trânsito mais humano e com prioridade para o coletivo teria que nascer da mudança de comportamento das pessoas em relação ao transporte individual. Quando a solução para o caos em que nos encontramos for verdadeiramente enxergada como inserida na melhoria do sistema coletivo ou no uso de modelos alternativos, a pressão social obrigará o poder público a fazer a sua parte, seja com investimentos no sistema, seja com replanejamentos, seja com construções de ciclovias, e os operosos concessionários donos de empresas de ônibus não hesitarão em investir em melhorias. Estou sendo ingênuo? Bem... Alguém tem que acreditar no capitalismo neste país!

Minha proposta é que, em vez do Dia Mundial sem Carro, que se comece na terça-feira dia 23 uma campanha mundial pelo uso racional do carro, campanha esta que seja construída aos poucos. Em São Paulo, com um movimento desse tipo, o novo prefeito poderia sentir que as pessoas estão mudando sua atitude em relação ao transporte, e desse modo trabalharia a questão de forma diferente. Caso contrário, como político não é bobo, ele continuará preferindo a demagogia de fomentar o egoísmo dos irritados com o transporte coletivo. Em vez do “comam brioches”, ele continuará dizendo “que comprem carros”. Mas aqui nenhuma revolução será feita. Já a venda de automóveis corre o risco de continuar batendo recordes!

sábado, 20 de setembro de 2008

Capitalismo e liberdade?


Enorme coincidência: nesta semana, de grandes turbulências no(s) mercado(s), já estava programada, em curso de pós-graduação da setuagenária Escola de Sociologia e Política de São Paulo, aula baseada no clássico "Capitalismo e liberdade", de Milton Friedman, uma bíblia do neoliberalismo.

Uma colega de sala fez uma pergunta inevitável: o que Friedman pensaria das operações de socorro governamental aos bancos quebrados nos Estados Unidos? Um outro, com boa dose de sarcasmo, sentenciou que, enquanto tinham lucros, os bancos queriam distância das intromissões do Estado; já sob a crise, o intervencionismo estatal é bem-vindo, com direito ao obsequioso silêncio de todos que sempre professaram a cartilha neoliberal. Para nós brasileiros não há muita novidade: é a versão gringa do velho clichê representado pela idéia “lucros privados, prejuízos socializados”.

É uma temeridade palpitar acerca de qual seria a opinião do grande economista americano, mas é muito provável que ele apontaria erros na condução da economia, problemas de parte do governo e falhas dos empreendedores como forma de dar uma explicação racional para o problema. Mas, do ponto de vista moral, é certo que, pelo menos do que se depreende da leitura do livro citado, Friedman condenaria o “paternalismo” estatal que ora se verifica nos Estados Unidos da América. Está no final da introdução de "Capitalismo e liberdade", a crítica à atuação dos liberais do século XX, que, “em nome do bem-estar e da igualdade, acabou por favorecer o renascimento das mesmas políticas de intervenção estatal e paternalismo contra as quais tinha lutado o liberalismo clássico”. Portanto, se é que a crise não faria do famoso membro da Escola de Chicago um revisionista, ele passaria um sermão no seu amigo Bush.

Um famoso professor da Filosofia da USP, também comentarista econômico, aconselhou-me a evitar falar sobre economia, pois tal disciplina não é para diletantes. Ele deve ter razão. Aguardemos os próximos desdobramentos e deixemos o assunto de lado, por enquanto. Mas o registro da oportuna discussão da obra de Friedman na semana que finda pareceu-me de grande interesse, uma curiosidade talvez.

domingo, 14 de setembro de 2008

Eleições Municipais - São Paulo - Marta, Kassab e Alckmin

As pesquisas de intenção de voto para a Prefeitura de São Paulo divulgadas nesta semana devem reforçar certos modelos de atuação dos principais candidatos, modelos estes que se esboçaram no debate promovido pela Rede Bandeirantes na última quinta-feira.

Marta Suplicy, que já tinha muito que se ocupar com Geraldo Alckmin, agora não pode descuidar do ascendente Gilberto Kassab. Do mesmo modo, Alckmin, que imaginava que polarizaria com Marta e que deveria preservar Kassab, potencial aliado num eventual segundo turno, precisa agora voltar as cargas também contra o atual prefeito. Já o candidato à reeleição, por seu turno, talvez não tenha tanto que alterar sua estratégia inicial, haja vista que desde o começo já precisava voltar artilharia contra a candidata do PT e brigar pela posição de “anti-Marta” com o candidato tucano.

Depreende-se disso tudo que o prefeito herda, nesta altura do campeonato, a posição mais confortável na campanha: Marta e Alckmin entraram na disputa acreditando que teriam, cada um, um único adversário; Kassab, por sua vez, sempre soube que precisaria brigar com os dois. Portanto, enquanto a petista e o tucano ganharam um adversário de peso a mais, o que requererá mudanças de atuação, o democrata prosseguirá tentando manter a segunda posição contra Alckmin, ao mesmo tempo em que deve continuar mirando a ex-prefeita, com vistas a não deixar que ela dispare, ou seja, Kassab pode prosseguir, no geral, os princípios de sua campanha.

Numa próxima oportunidade, tentaremos discutir por que Alckmin, ex-governador bem avaliado, político de projeção nacional, candidato à Presidência da República bem-sucedido na capital paulista, não apenas fica muito atrás em relação a Marta Suplicy, como ainda se deixa ultrapassar por Gilberto Kassab. O que explica?

sábado, 13 de setembro de 2008

Lula e Evo, Brasil e Bolívia

Segundo o Datafolha, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva quebra o próprio recorde de popularidade. A grande novidade da mais recente pesquisa é que a sua aprovação agora também é maioria entre os mais ricos e escolarizados e entre os moradores das regiões Sul e Sudeste, estratos nos quais o presidente ainda encontrava alguma dificuldade de aceitação.

A explicação, como qualquer assessor de Clinton se apressaria em dizer, é o bom momento da economia. Ah, não se esqueça de acrescentar o “estúpido”!

Sem dúvida que o presidente Lula está numa situação indescritivelmente mais confortável do que, por exemplo, a de seu colega Evo Morales, presidente da Bolívia, que vem enfrentando turbulências oposicionistas que não pretendem outra coisa senão o golpe de estado. Entretanto, o que ocorre no país vizinho não seria, infelizmente, algo impensável de acontecer também no Brasil.

Não há acreditar que a chamada elite brasileira seja melhor do que a boliviana: basta pensar que somente agora, após praticamente seis anos de governo, o presidente Lula consegue parte do reconhecimento que já tinha de há muito nos segmentos mais populares; antes disso, só se viam choradeiras sem sentido e torcida indisfarçada pelas crises ampliadas pela mídia. E não é descartado que, na eventualidade de maus bocados na economia brasileira, viessem à tona com maior severidade os preconceitos de classe, raça, origem ou condição social, ou seja, os mesmos que hoje pressionam o presidente boliviano.

Numa crise muito acentuada, sob o governo de um presidente nordestino, haveria no Brasil grande possibilidade de os políticos dos estados do Sul e do Sudeste questionar o pacto federativo. Não há dúvida que tal tipo de discurso ganharia corpo entre a população: “São Paulo, por exemplo, é responsável por ‘não-sei-lá-quanto’ da carga tributária, mas somente uma mísera parte retorna para o Estado...”. E aí a “bolivização” do Brasil estaria feita.

Mas felizmente a nossa economia vai relativamente bem, e ninguém esquentaria a cabeça, pelo menos por enquanto, com possíveis distorções advindas do fato de sermos uma República Federativa. Nossa integridade territorial, portanto, está assegurada, e arroubos separatistas continuam nos parecendo coisas distantes, exóticas dir-se-ia até – ainda que se ouça alguma menção aqui, outra acolá, do tipo "se São Paulo fosse um país, seria uma potência do nível de...".

A aprovação ao governo Lula, de mais de 90% se considerarmos os que o julgam regular, é um elemento a mais de estabilização democrática. Mas isso não é tudo. A segurança institucional ampara-se também – ou sobretudo - na economia que insiste em crescer, apesar do COPOM. Afinal, aprovação por aprovação, o presidente Morales também tem, haja vista sua importante vitória obtida no referendo revocatório de algumas semanas atrás. A questão econômica, portanto, talvez sirva de desculpa para a violência perpetrada pela oposição no país andino.

sábado, 6 de setembro de 2008

Eleições Municipais 2008 - São Paulo - Vereadores

É praticamente impossível caminhar pelo centro de São Paulo sem ser abordado por algum cabo eleitoral de candidatos a vereador. Vez ou outra, pego algum folheto. De três postulantes, já li que recebem o apoio do Presidente Lula. Há sempre uma declaração atribuída ao Presidente da República dando a entender que ele, se pudesse, sufragaria o “dono do folheto”. Ainda bem que Lula não vota em São Paulo, caso contrário ficaria com o coração dividido na hora de teclar os cinco dígitos na urna eletrônica! Em todo caso, a sorte do Presidente não deve ser melhor em São Bernardo, onde ele provavelmente aparece como grande apoiador de inúmeros candidatos à vereança.

Mas há uma forma simples de se resolver isso, pelo menos quando todos os candidatos queridos estão no mesmo barco: é o voto na legenda. Assim, agrada-se a todos e não deixa ninguém chateado. E de qualquer forma, em última análise, todo voto vai para o partido num primeiro momento, mesmo quando confiado a um candidato em particular.

O legal da democracia é que cada um faz o que quer com o voto. Mas algo que constituiria um grande avanço para a vida institucional seria o hábito de se sufragar candidatos às Casas Legislativas pela mesma coligação dos eventuais candidatos a governante. Nem sempre o eleitor age assim. Em nível municipal, não raro opta-se por um pleiteante a alcaide do partido X e vota-se num postulante a edil da agremiação Y. O resultado, repisemos, são prefeitos sem maioria, tendo que “negociar” com uma Câmara cheia de gente sem compromissos com o eleito – sem compromissos sequer com uma eventual oposição séria ao prefeito. Daí o fisiologismo, a corrupção, os acertos.

O voto para vereador é muito importante. Entretanto, os heróis que assistem ao horário eleitoral gratuito sempre comentam acerca das “figuras” curiosas, dos artistas, dos “folclóricos”. Está na hora de se dar mais atenção a este aspecto de escrutínio tão importante para a vida das pessoas, até porque, como gostam de dizer alguns políticos, “o cidadão não mora no país, nem no Estado, mas sim no ‘município’”. Em suma, vamos “no popular”, vereador é – ou deveria ser - coisa séria!

E agora, como ficam os grampos?

É de nos encher de orgulho o conteúdo do belíssimo diálogo entre o senador Demóstenes Torres e o Presidente do STF, Gilmar Mendes, supostamente captado por escutas telefônicas ilegais. Coisa mais linda! Sem palavrões, nada de informações constrangedoras, nada de confissões perigosas. Os dois apenas falaram de preocupações sobre o andamento de CPIs e da ordem jurídico-institucional do país. Que maravilha!

Onde estão os calorosos elogios a esses dois grandes brasileiros? Puxa vida, pela primeira vez na nossa história o conteúdo de uma escuta telefônica, não importa se legal ou ilegal, vem a público sem constranger pelo menos um dos interlocutores, e mesmo assim não saímos por aí cantando loas e compondo poemas épicos para falar da honradez de ambos! E a indignação tem mesmo que ser muito grande com o expediente do grampo. Afinal, um Senador da República e o Ministro-Presidente do Supremo são ilegalmente grampeados, quando apenas queriam discutir questões nobres, que deveriam ser do interesse de toda a sociedade. Que injustiça.

Depois de uma dessas, fica mesmo difícil haver clima para tal tipo de serviço, ainda que ele seja necessário e feito de forma legal. Por isso, a coisa deve se complicar para quem for realizar certas investigações. O Governo Federal sentiu-se acuado e “mordeu a isca”, e mudanças vêm por aí.

Deve haver gente comemorando...

Caruso

Para mim, que não costumo dar muita “pelota” para as novidades do cinema, foi uma gratíssima surpresa o filme Match Point, dirigido por Woody Allen. O diretor encarna um Hitchcock numa história que tem ecos “dostoievskianos”, com direito à fortuna maquiavélica agindo na vida da personagem principal. Além de tudo isso, um outro destaque da película é a sua magnífica trilha.

Ao ouvir a beleza atemporal do canto que servia de fundo às belas imagens captadas por Allen, arrisquei o palpite de que se tratava de Enrico Caruso. E como sempre faço, acompanhei atentamente os créditos no final do filme. Foi confirmado! Era mesmo o genial tenor italiano.

Na noite em que assisti a Match Point decidi que iria comprar algum disco daquele que é um dos maiores cantores do século XX. E de fato peguei uma coletânea de gravações da primeira década dos novecentos, mais precisamente dos anos de 1906 e 1907. Mas cuidado: como uma espécie de efeito colateral da audição das gravações deste álbum pode-se acabar por ter menos apreço e interesse pelos Pavarotti, Bocelli, Carreras e outros. Passe “batido” por eles; vá direto em Caruso, que é infinitamente melhor. Palavra de leigo!

sábado, 30 de agosto de 2008

Petróleo e eleições

Segue abaixo colaboração do historiador José Raimundo. Trata-se de um texto provocativo que debate o que devemos esperar do Brasil após as importantes descobertas do pré-sal e como o assunto perpassa pelo tema "eleições 2008", sobretudo na cidade de São Paulo.

Este espaço coloca-se à disposição dos que discordam do professor "Zé Raimundo" ou que queiram de alguma forma participar do debate.


Eleições em São Paulo, petróleo e o futuro do Brasil - por José Raimundo

Em que pese a chatice gerada pela propaganda eleitoral, no rádio e na TV, é importante atentarmos para o fato de que paralela a esta questão existe uma outra discussão já iniciada, que trata da descoberta de petróleo na camada pré-sal (fundo do mar, numa área que vai do Espírito Santo a Santa Catarina) e que as estimativas feitas dão conta da existência de mais de 50 bilhões de barris de petróleo de boa qualidade.
Alguém sabe quanto isto significa em dólares ou mesmo em Real? Um valor incalculável de muitos bilhões e que pode muito bem tirar o Brasil do seu secular atraso e colocá-lo na senda do desenvolvimento. Tudo vai depender de como a população irá organizar-se para intervir neste debate. Isto porque as empresas estrangeiras e grupos econômicos internos descompromissados com o Brasil e sua gente já se articulam para abocanhar essa riqueza.
Se não nos engajarmos nisto agora poderá haver uma repetição, resguardadas as devidas proporções de tempo, do que ocorreu com a nossa riqueza gerada através da cana-de-açúcar, de Pernambuco, nos séculos XVI e XVII, do ouro, de Minas Gerais, no século XVIII, do algodão e do café, nos séculos XIX e XX, e da qual nada sobrou para o povo, que, apesar de tudo, continuou pobre e, na sua maioria, excluído.
Não se trata aqui de nacionalismo tacanho, ou de querer ideologizar o assunto, mas a defesa do “mar de petróleo” existente na camada pré-sal interessa a todos nós, e o presidente Lula vem defendendo que este permaneça sob controle do Estado para ser transformado em recurso voltado à educação e ao desenvolvimento do Brasil, tendo em vista acabar com a miséria. Por isto mesmo é preciso que haja um repensar sobre o processo eleitoral deste ano, especialmente em São Paulo, cujo resultado acabará por decidir os rumos das eleições em 2010 para presidente da República e, assim, os destinos dessa riqueza que está a seis mil metros no fundo do Oceano Atlântico.
A quem entregaremos os destinos da nação em 2010? Aos que entre 1994 e 2002 privatizaram (entregaram de bandeja) empresas estatais ricas, lucrativas e consideradas estratégicas, como as siderúrgicas (CSN, Usiminas etc.) e as mineradoras (Vale do Rio Doce, por exemplo), descapitalizando assim o Estado brasileiro ao transferir parte substancial do patrimônio público a particulares, ou devemos mantê-los com o grupo hoje à frente do governo que está demonstrando nesse momento crucial compromisso em preservar essa riqueza nas mãos do Estado e transformá-lo em beneficio para a maioria e não para grupos minoritários de indivíduos que nos últimos 500 anos têm governado o Brasil de costas para o seu povo?
Além do mais, no nosso entendimento, cabe à Petrobrás, com sua estrutura, conhecimento (know-how) e corpo técnico competente operacionalizar e gerir essas descobertas e, ao governo, seu controlador, aumentar significativamente a sua participação acionária no capital da companhia e, se for o caso, estatizá-la por completo, de modo que se dispense a possibilidade de criação de uma nova empresa pública para cuidar dos negócios do petróleo da camada pré-sal.
Toda essa reflexão torna-se fundamental e passa inevitavelmente pela disputa eleitoral deste ano na capital paulista, uma vez que, como foi dito acima, São Paulo possui a vantagem de decidir as eleições presidenciais e, entregar o poder aos alckmins, aos kassabes e aos malufes, é um risco muito sério frente ao que está posto e isto não devemos sequer tolerar, muito menos permitir.
Portanto, o que se pretende é uma profunda reflexão e uma tomada de posição sobre a candidatura de Marta Suplicy à prefeitura da maior e mais importante cidade do Brasil, como parte da estratégia não só para administrar bem São Paulo, mas sobretudo, para 2010, visto que os dois grupos com chance de vitória nestas eleições possuem estratégias distintas sobre esta e outras questões não menos importantes. O primeiro (PT, PSB, PC do B e PDT), não obstante ressalvas, demonstra compromissos que o segundo (PSDB e DEM) já revelou não ter, visto que sua ação política é neoliberal e entreguista, e quem se preocupa de fato com os problemas do nosso país não pode desperdiçar esta oportunidade histórica de eleger uma boa prefeita para o nosso município e ainda poder ajudar a construir um Brasil verdadeiramente para os brasileiros.