sábado, 12 de fevereiro de 2011

O inflacionado mercado das mentiras

O assunto inflação vem, neste começo de 2011, ocupando bastante espaço na imprensa e ganhando lugar nas discussões de nosso cotidiano.

O medo é grande, dizem, pois a inflação está em níveis preocupantes. E a expansão de gastos - supostamente exagerada - dos últimos anos do governo Lula estaria na origem da escalada dos preços.

A presidenta Dilma Rousseff, ao que tudo indica, também está bastante assustada, e o resultado do IPCA de janeiro, indicando certa resiliência do "dragão", pode ter contribuído para o relativamente pesado "ajuste fiscal" que anunciou nesta semana.

Paradoxalmente - ou não tão paradoxalmente assim, vai saber... - o comportamento da equipe econômica de Dilma acaba por dar munição aos que, de forma oportunista, chegam a falar de uma "herança maldita" deixada pelos anos Lula.

Mas que tal um pouco de verdade sobre a "terrível" inflação deixada por Lula, sobrevivente em janeiro, e que tem tudo para pôr a perder as hodiernas conquistas do trabalhador brasileiro?

Antes de mais, gostaria de deixar claro que o autor destas mal digitadas, velhinho que é, viveu sob inflação e sabe que ela não tem nada de agradável, além de ser, como já exaustivamente repetido por aí, uma espécie de imposto pago justamente pelos mais pobres.

Portanto, este escriba jamais deixará de enxergar com bons olhos esforços que sejam empreendidos para controle da inflação.

Mas íamos nos meter a falar sobre a verdade por trás dessa história de inflação.

Pois bem, recordemo-nos da campanha presidencial de 2010. Nos debates e especialmente numa entrevista à Rede Globo, a então candidata Dilma Rousseff evocou um tal descontrole inflacionário que teria sido deixado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso como herança ao seu sucessor, o petista Luiz Inácio Lula da Silva. Dilma recebeu críticas da oposição e da imprensa, chegando a ser chamada de mentirosa por uma grande colunista de nossos jornais. Como o leitor pode conferir aqui, em 2002, ano de despedida de FHC, para um limite máximo de 5,5% de meta de inflação, o Brasil efetivamente registrou 12,53%, ou seja, havia ultrapassado a casa dos dois dígitos. Como já tive oportunidade de dizer, não critico de forma muito dura os que afirmam que Dilma mentiu ao falar em descontrole inflacionário no ocaso de FHC, pois não estou bem certo de que 12,53% seja número tão superlativo assim, a ponto de poder ser qualificado como descontrole, embora não reste dúvidas de que ele inspira os maiores cuidados.

Já em 2010, último ano do presidente Lula, para um limite máximo de 6,5% de meta de inflação, o resultado do IPCA foi de 5,91%, ou seja, quase 10% menor do que o limite da meta. Todavia, ficou acima do chamado centro da meta, que é de 4,5%, e é aí que os catastrofistas se seguram para falar que a inflação está saindo dos eixos. Enganam os interlocutores ao omitir que o centro da meta é o mais desejável, mas não é a própria meta em si, que, como já dissemos, tinha em 2010, como limite máximo, o número de 6,5%.

Agora a pergunta que não quer calar: se em 2002, com 12,53%, a inflação não estava fora de controle, como afirmaram certos colunistas da grande imprensa, por que os 5,91% de 2010, dentro da meta, devem ser tomados quase como uma herança maldita de Lula? Em 2002, com mais de 12% de inflação não havia descontrole, mas em 2010, com menos de 6% temos uma herança maldita? Ora, ora, ora! Será que somos todos idiotas?

E ainda há mais, o PIB brasileiro em 2002 foi de 2,7%, ao passo que o de 2010 deve superar os 7%, o que quer dizer estarmos hoje com uma economia extremamente mais bem aquecida do que a do último ano de governo tucano. Além disso, Em 2002 o País estava em plena escalada do desemprego, já em 2010, por seu turno, atingiu-se quase uma situação de pleno emprego. Numa análise fria, pois, seria mais razoável uma inflação de no máximo 6% em 2002, e não surpreenderia muito algo na casa dos dois dígitos em 2010, uma vez que, evidentemente, a pressão de demanda foi bastante mais significativa no último ano do que foi oito anos atrás. Tal quadro indica, sem sombra de dúvidas, que a situação deixada ao final de 2002 é que era digna de assustar.

Há, portanto, algo de muito estranho nessa barulheira sobre inflação. Longe de mim querer arriscar que isso possa ter a ver com lobby do mercado financeiro para aumentar os juros. Aliás, se é que tinha, pode ser que o ajuste fiscal anunciado pela presidenta nesta semana seja tomado como um balde de água fria, haja vista que ele indica a possibilidade do uso de outros mecanismos no controle da inflação além da taxa Selic. A conferir.

No mais, sugiro ao leitor que, antes de começar a estocar alimentos, pare, reflita, pesquise, compare: por exemplo, faça uma busca e veja o que disse um certo colunista sobre o comportamento da economia em 2002 e coteje com o que ele diz agora. Preocupar-se com o comportamento dos preços nunca é demais; mas não precisa se desesperar nem ver pelo em ovo. Ademais, há sempre fortes interesses políticos e/ou do mercado nas campanhas bem organizadas via mídia. Pensemos nisso.