sábado, 25 de julho de 2015

É a pedra no lago, estúpido

A política vive de coisas sérias e de coisas banais; de conceitos filosóficos e sabedoria popular; teorias rebuscadas e frases feitas. Duas delas (não sei classificar se “lendas”, “teorias” ou seja lá o que for) são relevantes para entender o Brasil contemporâneo.

Do Brasil se dizia há algum tempo que havia um chamado efeito “pedra no lago”: algumas pequenas ondas se formavam no "centro", por meio de formadores de opinião e de gente bem informada e articulada, tipicamente de classe média para cima, e iam aos poucos atingindo as "margens", ou seja, um público supostamente mais desinformado, pouco politizado, menos instruído, invariavelmente formado pelos mais pobres.

No Brasil ganhou corpo também o famoso bordão “é a economia, estúpido”. Sacado pelo marqueteiro James Carville, da equipe do então candidato Bill Clinton, quer dizer que, no fundo, o cidadão vai sempre se deixar guiar, em suas decisões e avaliações políticas, pelo quadro econômico, pelo bolso.

Da “pedra no lago” se chegou a decretar o fim. A reeleição de Lula, em 2006, parecia mostrar que grandes movimentos de classe média urbana e escolarizada, com apoio ostensivo da mídia, já não detinham mais a capacidade de levar o povão na lábia.

E as ondas não chegavam às margens justamente porque “é a economia, estúpido”! O bem-estar econômico era, por assim dizer, um dique que segurava as ondas.

Como bem demonstrado por André Singer em “Os sentidos do lulismo”, Lula foi reeleito em 2006 praticamente com a mesma votação de quatro anos antes, contudo graças a eleitores de perfil extremamente divergente daquele que votara nele no pleito anterior. O motivo era simples: conservador, o (muito) pobre brasileiro quer segurança, nada de aventuras, e se possível uma melhorazinha de vida. Passado o primeiro mandato, Lula, que historicamente assustava os muito pobres e conservadores, mostrou-se perfeito: não promoveu mudanças de fundo na sociedade nem na economia, mas implementou e incrementou políticas que melhoraram significativamente a vida de um segmento historicamente abandonado. Um "reformismo fraco", diz o eminente cientista político e ex-porta-voz do governo Lula, garantiu ao metalúrgico o apoio massivo dos mais pobres.

A direita brasileira entendeu - mas não aceitou - as duas coisas: apresentava dificuldades de acreditar que o povo insolentemente não se deixasse levar pela ilustrada pregação antipetista diuturna, geralmente de caráter moralista, com o tema da corrupção à frente; e consciente de que a situação econômica era o que garantia a fidelidade ao petismo, os simpatizantes da direita lamentavam, cínica e preconceituosamente, o fato de as pessoas, segundo elas, votarem com o estômago e com tamanha mesquinhez!

A avassaladora crise internacional e um possível esgotamento do modelo baseado no mercado interno e inclusão social tenderiam já a trazer adversidades para a economia brasileira, revelando, assim, dificuldades para o segundo mandato de Dilma Rousseff. A coisa, porém, foi ganhando azedume com a operação Lava Jato.

A direita brasileira, como dissemos, entendeu muito bem o que vinha acontecendo no País. O moralismo hipócrita e seletivo típico da UDN está presente nos estratos médios, de modo que, dele, não se abre mão. Mas martelar histórias de corrupção, com economia bombando, renda crescendo e emprego em alta, não tem apelo popular. E mais: independentemente da situação, seria como se o tema tivesse que ser explorado - contra os adversários, claro - nem que fosse por uma questão de honra.

A operação Lava Jato, porém, não mexe só com os ódios e medos da corrupção. Ela também afeta a economia, pois no escândalo estão envolvidos a maior de nossas empresas de economia mista e grande parte do PIB nacional, trazendo um inexorável relaxamento dos espíritos empreendedores do País.

A Lava Jato, portanto, vem com grande força moralizadora (e de forma seletiva, como tem ocorrido em outros escândalos do País), ao mesmo tempo que mina forças da economia brasileira. Convenhamos: não parece haver coisa melhor para quem apostava no discurso da corrupção como arma política, mas sempre via ele ser barrado pela sensação de bem-estar do povão.

Com a economia mais devagar, estúpido, não tem jeito: as ondas no lago acabam inevitavelmente chegando até os que estão à margem!

Se eu acreditasse em teorias da conspiração, diria que a Lava Jato foi realmente pensada para fazer a ligação das duas coisas. E se estamos no campo das comparações e metáforas, ela é a tempestade perfeita que a direita tanto esperava.