domingo, 29 de maio de 2011

Gil Scott-Heron (1949-2011)


O cantor, compositor, poeta Gil Scott-Heron faleceu no último 27 de maio, aos 62 anos, em Nova Iorque.

Em breve, vamos editar esta postagem, para falar um pouco mais dessa figura tão importante para a música do século XX - Gil Scott foi figura fundamental para a formação do rap e do hip-hop, e é grande expoente na seara da música socialmente engajada.

Por enquanto, vamos curti-lo, abaixo, interpretando a clássica "The Revolution Will Not Be Televised", do álbum Pieces of a Man, de 1971.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Moralismo seletivo

A história é verídica. Aqui, contada na mais possível fidelidade, até pelo menos onde a memória alcança.

Era 2007. O País estava às voltas com escândalo envolvendo o senador por Alagoas Renan Calheiros. No trabalho, havia uma amiga revoltadíssima com os rumos do caso. E ela se mostrava especialmente indignada com o então presidente Lula, por suas ligações com o alagoano.

-E esse Renan, hein? - dizia ela, dirigindo-se a mim - Começou lá atrás com o Collor, agora está com o Lula. Não me surpreende. Esperar o que desse Lula? Tudo a ver. Collor é Lula e Lula é Collor. E os dois estiveram com o Renan, cada um no seu tempo.

-Pois é - disse eu -, esse Renan é escroto mesmo. E pensar que foi ministro da Justiça. Como alguém pode nomear um cara desses ministro da Justiça?

-Exatamente. Mas é como eu disse: esperar o que desse Lula? Parece piada. Só podia ser coisa do Lula mesmo, colocar o Sr. Renan Calheiros no importante cargo de ministro da Justiça.

-Peraí. Ele não foi ministro da Justiça de Lula não.

-Ah, sim, claro - ela obtemperou, meio constrangida. Foi ministro da Justiça no goveno Collor - disse, como se estivesse arriscando. Ora, mas dá no mesmo. Afinal, Collor é Lula e Lula é Co...

-Fernando Henrique Cardoso - interrompi.

-Desculpa, não entendi - disse ela, enrugando a testa, sem passar muita certeza se não tinha entendido mesmo.

-O hoje senador Renan Calheiros exerceu o emblemático cargo de ministro da Justiça no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

-Desculpa, mas deve haver algum engano. Tenho lido muita coisa no jornal sobre o caso Renan e não me lembro de ter visto que ele foi ministro de Fernando Henrique. Tem certeza que não foi mesmo do Lula ou do Collor? Você deve estar confundindo as coisas. Ministro da Justiça do Fernando Henrique foi aquele cara lá... É... O... Puxa vida! Como é o nome dele mesmo?

-Teve uns caras bons - ajudei eu. O José Carlos Dias, o Miguel Reale Jr...

-Miguel Reale Jr. Isso mesmo. Era esse que eu queria lembrar. Mas Renan Calheiros? Francamente! Ele não foi ministro de nada do FHC. Pelo menos eu não me lembro... E nem ouvi nesses últimos dias ninguém falar disso. Acho que é você que está querendo tumultuar. Só isso.

"Tumultuar, eu?", pensei. Em vez de ficar discutindo, fiz uma pesquisa rápida na internet e em poucos minutos descolei uma lei qualquer (acho que foi a Lei Nº 9.642, de 25 de maio de 1998) em que constava o nome de Fernando Henrique Cardoso, presidente da República, seguido do de Renan Calheiros, ministro da Justiça. Entreguei a impressão nas mãos dela.

Ela olhava fixamente para o papel, parecendo não acreditar. Repetia em voz baixa, como querendo ter certeza de que não estava sendo vítima de uma fraude. De repente, começou a falar com dobrada rispidez.

-Ora, meu caro, que importância tem isso? O que vale é o "hoje", o "agora", entendeu bem? E hoje, agora, Renan é aliado de Lula, e é só isso que conta. Estão lá ó - disse, fazendo sinal com os dedos - juntinhos. Unha e carne. Aí você me vem com esse papo de ministro de Fernando Henrique... Que importância tem isso? Faça-me um favor. Isso é fugir do problema. FHC está no passado, e a gente tem mais é que pensar no hoje. E hoje o Renan está com o Lula. Entenda bem isso: a ligação de Renan com FHC é passado. Pas-sa-do. E o passado não tem importância nenhuma nesse caso.

-Mas se não me engano, o Collor é mais "passado" do que o Fernando Henrique. E até cinco minutos atrás esse "passado" parecia ter muita, mas muita importância.

Nessa hora minha amiga meneou a cabeça e voltou a trabalhar. Eu também. Aliás, trabalhar era o que deveríamos estar fazendo durante todo o tempo em que debatemos sobre o homem que foi ministro da justiça no governo de Fernando Henrique Cardoso, no período de 07.04.1998 a 19.07.1999.

Lembrei dessa história acompanhando o caso Palocci e vendo os diferentes pesos e medidas da mídia nessa confusão.

A situação se parece muito.

Como não poderia deixar de ser, em 2007 estava louco da vida com o Sr. Renan Calheiros; mas não suportava ver a hipocrisia que envolvia o caso - e a relatada acima era apenas uma delas.

E agora, em 2011, também estou bronqueadíssimo com o Sr. Palocci, figura que adoraria ver longe do governo o quanto antes. Mas que é dureza presenciar a diferença do tratamento que lhe é dado na mídia quando comparado ao dispensado a outros figurões "competentes" da nossa República - inclusive com o mesmíssimo talento para o enriquecimento em prazo tão exíguo -, ah, isso é!

sábado, 14 de maio de 2011

Uma opinião... Diferenciada!

Este diferenciado escriba não se surpreendeu com o recente ocorrido acerca da estação do Metrô no bairro de Higienópolis.

Se alguém ainda não sabe da história, o Metrô de São Paulo mudou os planos de construir uma estação no bairro que abriga gente como FHC - mais precisamente na famosa Avenida Angélica - depois de pressões da Associação Defenda Higienópolis. Entre outras coisas, os moradores temiam o crescimento de “ocorrências indesejáveis” ou de presença de "gente diferenciada" em tão nobre localidade, por conta de estação naquele belo logradouro.

O preconceito das chamadas elites com os pobres e suas práticas segregacionistas (o nome do bairro é Higienópolis, né?) não chegam a surpreender. Muita gente de bom coração, porém, ficou sem entender por que não querer uma estação de metrô bem localizada no próprio bairro em que vive. Vá lá que não se goste de pobre, mas ter estação de metrô vale o sacrifício, devem ter pensado alguns até em tom de brincadeira.

Este blogueiro, todavia, ficou meio indiferente. Em realidade, vimos nessa história apenas a materialização de ideia polêmica que corajosa e heroicamente defendemos, sofrendo oposição quase geral.

É praticamente um lugar comum afirmar-se que, em São Paulo, a galera usa freneticamente o automóvel como alternativa às péssimas condições do transporte público. O autor destas mal digitadas, por outro lado, assegura que ocorre o contrário: o transporte coletivo de São Paulo é uma porcaria porque as pessoas preferem o transporte individual.

Não resta dúvida. O leitor, se puder, que numa oportunidade procure, deseducadamente, ouvir conversas alheias no metrô, nos trens, nas filas de ônibus. Sempre ouvirá alguém bem apertado na lata de sardinha lamentando-se de "ainda" não ter um carro, ou reclamando porque é dia do rodízio, ou maldizendo o fato de o automóvel estar no conserto. Para a maioria, a solução, portanto, não está na melhora do transporte público, mas sim na aquisição, conserto ou melhora do carrão particular.

A preferência do paulista em geral - e do paulistano em particular - pelo carro em detrimento dos meios de transporte coletivo também se assoma pelas grandiosas obras viárias e pela renitente popularidade de políticos como Paulo Maluf e Adhemar de Barros. Para eles, governar era algo do tipo... É... Abrir estradas.

Por incrível que pareça, o jornal Folha de São Paulo, não há muito, em editorial sobre a questão do transporte e locomoção na megalópole, de certa maneira nos repetiu, embora de forma mais "tucana", criticando a propensão paulistana por buscar soluções individuais para os problemas coletivos. No caso deles, todavia, a preocupação deve ser porque agora o pobre está comprando carro!

Neste caldo de cultura, os investimentos em transporte público tendem a ser pífios mesmo, já que para o político será bem melhor realizar obras vistosas que sirvam aos carros, agradando por conseguinte o seu não raro solitário ocupante, do que trabalhar em prol do transporte coletivo, cujo usuário não vai dar muita bola.

Tudo isso só para dizer que o preconceito da elite paulistana contra os pobres não causa surpresa em ninguém mesmo. Já no nosso caso, indo um pouco mais além, não nos surpreende nem o fato de os moradores do principado de Higienópolis não quererem estação de metrô perto de casa.

Se me permitem, tal estupidez não me causaria estranheza mesmo se viesse de algum bairro um pouco mais pobre... Resumindo, sou diferenciado mesmo!

domingo, 1 de maio de 2011

Preconceito é a única resposta

Em janeiro de 2010,escrevi texto neste espaço, exortando aos nossos raros - quase inexistentes - leitores que nos respondessem sobre tema que nos intrigava desde 2003. Segue abaixo trecho daquele post:

DOMINGO, 3 DE JANEIRO DE 2010
Responda-me


(...)

Nosso questionamento refere-se ao – talvez - mais comum reparo ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os seus principais críticos não costumam contemporizar: o governo Lula é um desastre. Já o de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, foi uma maravilha. Até aí tudo bem. Além de ser questão de gosto, temos nisso um pouco da beleza da democracia: a maioria esmagadora dos brasileiros prefere o governo de Lula, mas há uma minoria que entende terem sido as coisas melhores durante o mandato de FHC. Não há, em absoluto, nenhum problema quanto a isso.

O grande problema reside no fato de que, segundo os críticos – até mesmo os mais respeitáveis – de Lula, seu governo é uma mera cópia ou seguimento do de FHC. Em linhas gerais, é como se se dissesse que Lula nada mais faz do que o seu antecessor ou alguém de seu partido faria caso estivesse hoje investido da posição de presidente da República. Muitíssimo bem. Trata-se de um modo de enxergar e uma opinião de alguma maneira bem sustentada. O problema, repitamos, é tal opinião advir de pessoas que não apenas são críticas a Lula, mas, mais do que isso, são entusiastas do governo que o antecedeu.

Vamos à pergunta!

Se FHC foi tão bom, e Lula apenas o imita, como pode o governo Lula ser considerado tão ruim justamente pelos principais admiradores do sociólogo? Ou ao contrário: se o governo Lula é tão ruim, e é mera cópia de seu antecessor, como pode este ser tão idolatrado pelos críticos do metalúrgico? Não seria mais lógico admitir que o governo Lula é bacaninha, afinal apenas segue o governo de seu antecessor, considerado fantástico? Ou, de outro modo, não seria mais razoável admitir que o governo Lula é ruim, porque é igualzinho ao de FHC, mas o de FHC, por sua vez, também não prestou? Em resumo, como pode Lula ser ruim, FHC ser bom, mas Lula ser igual FHC?

Deixamos a pergunta no ar. Ficaríamos gratos a quem se habilitasse a dar a resposta. Como já dissemos, interessante seria uma resposta mesmo, não uma opinião. Ter um juízo sobre o assunto, opinar por que há pessoas que odeiam o governo Lula, adoram o de FHC e tentam justificar os bons resultados de Lula alegando que este apenas imita o tucano, não é das tarefas mais difíceis; respostas de verdade, simples e diretas, no entanto, tendem a ser raras e, via de regra, são trabalhosas.


Somente dois abnegados leitores responderam. Ficamos aguardando mais, sem sucesso, até por conta da já mencionada escassez de leitores - do que não reclamamos: parafraseando Groucho Marx, jamais seguiria um blog que fosse escrito por mim!

Mas eis que nesta semana começa a circular texto de Luís Fernando Veríssimo sobre o tema, estimulando-me a recuperar o meu velho post do trecho acima destacado.

E é do Veríssimo mesmo. Bom que se diga, pois o escritor gaúcho - juntamente com Arnaldo Jabor e Zíbia Gasparetto - é dos mais "falsificados" em mensagens que circulam na internet.

Vamos botar na íntegra o texto de Luís Fernando Veríssimo, da forma como publicado no site Conversa Afiada:


Luis Fernando Verissimo: sobre Lula, FHC e a classe média


Diálogo urbano, no meio de um engarrafamento. Carro a carro.


— É nisso que deu, oito anos de governo Lula. Este caos. Todo o mundo com carro, e todos os carros na rua ao mesmo tempo. Não tem mais hora de pique, agora é pique o dia inteiro. Foram criar a tal nova classe média e o resultado está aí: ninguém consegue mais se mexer. E não é só o trânsito. As lojas estão cheias. Há filas para comprar em toda parte. E vá tentar viajar de avião. Até para o exterior — tudo lotado. Um inferno. Será que não previram isto? Será que ninguém se deu conta dos efeitos que uma distribuição de renda irresponsável teria sobre a população e a economia? Que botar dinheiro na mão das pessoas só criaria esta confusão? Razão tinha quem dizia que um governo do PT seria um desastre, que era melhor emigrar. Quem pode viver em meio a uma euforia assim? E o pior: a nova classe média não sabe consumir. Não está acostumada a comprar certas coisas. Já vi gente apertando secador de cabelo e lepitopi como e fosse manga na feira. É constrangedor. E as ruas estão cheias de motoristas novatos com seu primeiro carro, com acesso ao seu primeiro acelerador e ao seu primeiro delírio de velocidade. O perigo só não é maior porque o trânsito não anda. É por isso que eu sou contra o Lula, contra o que ele e o PT fizeram com este país. Viver no Brasil ficou insuportável.


— A nova classe média nos descaracterizou?


— Exatamente. Nós não éramos assim. Nós nunca fomos assim. Lula acabou com o que tínhamos de mais nosso, que era a pirâmide social. Uma coisa antiga, sólida, estruturada…


— Buuu para o Lula, então?


— Buuu para o Lula!


— E buuu para o Fernando Henrique?


— Buuu para o… Como, “buuu para o Fernando Henrique”?!


— Não é o que estão dizendo? Que tudo que está aí começou com o Fernando Henrique? Que só o que o Lula fez foi continuar o que já tinha sido começado? Que o governo Lula foi irrelevante?


— Sim. Não. Quer dizer…


— Se você concorda que o governo Lula foi apenas o governo Fernando Henrique de barba, está dizendo que o verdadeiro culpado do caos é o Fernando Henrique.


— Claro que não. Se o responsável fosse o Fernando Henrique eu não chamaria de caos, nem seria contra.


— Por quê?


— Porque um é um e o outro é outro, e eu prefiro o outro.


— Então você não acha que Lula foi irrelevante e só continuou o que o Fernando Henrique começou, como dizem os que defendem o Fernando Henrique?


— Acho, mas……………


Nesse momento o trânsito começou a andar e o diálogo acabou.