domingo, 27 de abril de 2008

Virada Cultural: um comentário idem


A Virada Cultural na cidade de São Paulo está mais forte a cada edição. Em 2008 houve aumento de atrações em relação ao ano anterior. Música, cinema, dança, performances, exposições: tudo teve vez nas pouco mais de 24 horas que se iniciaram no sábado 26 às 18h.

A grande verdade é que a maior cidade brasileira é um turbilhão cultural praticamente o ano todo. Os que ficam ligados na sua programação certamente confirmarão que sempre há nela algum tipo de evento, senão gratuito, a preços populares (sem falar dos programas nem tão populares assim!).

O que a Virada traz de diferente para o panorama cultural da cidade talvez seja um elemento de condensação das atividades, além de intrinsecamente oferecer um clamoroso “convite” à população para que delas participe. O espírito do convite, em verdade, deveria existir o ano inteiro e não somente nalgum fim de semana outonal. Este escriba mesmo não quis ficar de fora da festa e assistiu ao vídeo The Velvet Underground & Nico, de Andy Warhol, no SESC Pompéia, pegou um pouco de uma jam na Barão de Itapetininga aparentemente com Andreas Kisser, Paulo Zinner e outros, viu um pouco de Bocato num improviso instrumental no Anhangabaú, acompanhou a íntegra da apresentação do lendário Afrika Bambaataa, no Parque Dom Pedro e, por fim, ainda "ouviu" (não deu para ver) um tiquinho da apresentação de Jorge Ben na São João. Numa situação normal, se bem me conheço, abdicaria, preguiçosamente, de aproveitar tais oportunidades. Se estivesse muito a fim, por exemplo, do vídeo do Velvet, comprá-lo-ia; quanto ao DJ americano, apenas guardaria a reverência pela sua importância histórica, sem chegar ao ponto de assistir a uma sua "performance", mesmo que gratuita. Mas o “ambiente” da Virada Cultural nos compele a sair de casa e participar da vida da cidade. Tal clima, diga-se, já estava presente mesmo nos dias que antecederam a este fatídico final de semana: viam-se pessoas querendo informar-se sobre as atrações, grupos reuniam-se em volta dos totens instalados nos locais dos eventos para conferir o que iria rolar por lá, os prospectos com a programação completa eram disputados quase como um troféu.

A Virada Cultural – com perdão do clichê para lá de piegas – é um evento de intensa “magia”. Mas não se deve permitir que sua intensidade restrinja a ocorrência do “abraço cultural” entre o povo e a cidade a um evento isolado. É evidente a grande dificuldade de se realizar de forma simultânea encontros tão grandiosos diversas vezes num ano. Mas, em se tratando de uma cidade -conforme já dissemos - repleta de eventos o ano inteiro, ao menos os mecanismos de divulgação poderiam ser mais eficientes. E o clima de convite à participação dos moradores é algo que deve ser trabalhado aos poucos. Isso que chamamos de “clima de convite” é mais difícil de explicar e mais complicado de expressar: ele parece estar mais no campo das sensações e, por isso, é de percepção individual, subjetiva. Talvez, para se sedimentar, ele tenha que vir num “pacote” mais completo de realizações. Um pacote que indique compromissos, por parte do poder público, de mais investimentos na cultura, educação, saúde, enfim, de mais preocupações e respeito com a coisa pública. Falamos acima de um suposto “abraço cultural” entre cidade e população. O abraço é um ato de reciprocidade. Por isso, não bastam apenas os esforços públicos na divulgação da cultura e fomento a ela. É preciso também que todos nós estejamos dispostos a fruir e a participar do que nos é colocado à disposição quase que nos 365 dias do ano na maior cidade do hemisfério sul.

Nas cidades brasileiras em que o carnaval é tradicionalmente mais forte, sempre se ouvem alguns de seus moradores manifestando o desejo de que ao menos o "clima" daquela festa persistisse o ano inteiro. Seria desejável que a “magia” da Virada Cultural também perdurasse o tempo todo em São Paulo: sem dúvida que a cidade seria mais humana, menos violenta, mais acolhedora.

Aquele abraço!

sábado, 26 de abril de 2008

Olha quem está falando!

E o mundo vive uma crise de alimentos. Tem-se a reboque o risco de inflação mundial. Os mais pobres, evidentemente, pagarão as contas mais pesadas de tal desequilíbrio. E dentre os vilões apontados estão os biocombustíveis. Trata-se de assunto que traz à tona questionamentos sobre como se assimila um discurso, não apenas no Brasil, mas em nível internacional.

O problema referente à fome no mundo não é novo. Já de há muito que diversos críticos apontam as contradições e desigualdades inerentes ao capitalismo, sempre lembrando que um contingente importante dos habitantes do planeta não tem acesso ao mínimo para a sobrevivência. Enquanto tal discurso ficava restrito aos esquerdistas, aos retrógrados, às “viúvas” do socialismo ou, como diria o ex-presidente FHC, aos “neobobos”, parece que ninguém dava muita atenção a ele. Agora, quando ele finalmente está nos gabinetes da União Européia ou na boca de economistas do FMI, a mídia aparentemente não vê nenhum problema em reproduzi-lo, e o faz de forma que chega a ser assustadora.

E uma péssima notícia para o Brasil é que a produção de biocombustíveis vem sendo apontada, quase sem-cerimônia, como uma das possíveis responsáveis pela crise global dos alimentos. Ninguém parece estar rindo de tal assertiva, repetida pelo secretário-geral da ONU e por gente graúda de instituições como o Banco Mundial e a OMC. Deu-se, porém, de forma diferente quando Fidel Castro e Hugo Chávez, há pouco mais de um ano, disseram exatamente a mesma coisa a respeito dos biocombustíveis: observou-se daquela feita um certo desdém e algum deboche por parte da mídia e de boa parte da opinião pública internacional.

Depreende-se de tudo isso que as falas e as opiniões, isoladamente, não são o que há de mais importante; o peso está também – e em alguns casos, principalmente – em quem as emite: daí os chamados “argumentos de autoridade”. Quantas vezes não se vê e ouve por aí alguém querendo encerrar um assunto simplesmente dizendo que o que está a afirmar foi lido num jornal, ou visto num programa de TV, ou ouvido da boca de um professor, ou “puxado” na Internet, ou checado num livro? Nada disso, por óbvio, é garantia da verdade ou sequer da probabilidade de uma afirmação. Não se pode, portanto, tomar por verdadeiro algo apenas porque foi proferido por Fidel, assim como não se deve considerar relevante a mesma tese somente por ter sido repetida por um, digamos, Gordon Brown.

Têm sido boas as intervenções sobre o tema por parte do presidente brasileiro (ele também uma “autoridade” a ser considerada). Luiz Inácio Lula da Silva lembrou, num primeiro momento, que os aumentos de preço dos alimentos em nível mundial podem estar associados ao crescimento da demanda, haja vista que as mudanças de paradigmas de desenvolvimento trouxeram ao mercado grupos que vinham historicamente sendo mantidos em estado de exclusão, ou conforme mais ou menos dito pelo presidente: “os indianos estão comendo mais, os brasileiros estão comendo mais, os chineses e venezuelanos também”. Sobre o etanol, Lula tem contra-atacado lembrando dos efeitos perversos dos sucessivos recordes de preços do petróleo sobre os custos dos alimentos, os quais, segundo o presidente do Brasil, são muito mais importantes para explicar o fenômeno da famigerada crise do que a possível diminuição de terras para o plantio de comestíveis em favor do cultivo de matérias-primas para os biocombustíveis.

Como se vê, o presidente Lula também tem o seu discurso... O pior de tudo é que talvez todos que opinem sobre o assunto tenham o seu quinhão de razão. Mas os mais certos de todos provavelmente são aqueles que vêem nesse tópico mais um desdobramento da “crise estrutural do capitalismo”. O problema é que ao usar tal expressão não se está argumentando, expondo idéias ou fazendo críticas, está-se cometendo heresias! Até que um dia a heresia se transforme em discurso...

domingo, 20 de abril de 2008

Campeonatos estaduais na reta final: é muita emoção!

E os campeonatos estaduais de futebol chegam à reta final!

Campeonato estadual! Que eu saiba, somente no Brasil há tal excrescência. Sei que quem argumenta favoravelmente à competição dirá que este é um país de dimensões continentais e que o povo é apaixonado pelo esporte bretão, o que justificaria o interesse por tal tipo de disputa. Isso pode ter feito sentido alguns anos atrás; mas parece totalmente sem cabimento hoje em dia, quando há uma grande profissionalização do esporte, um campeonato nacional forte e relativamente bem organizado, uma série B do nacional que tem – graças ao Palmeiras, Botafogo, Grêmio, Atlético Mineiro – despertado cada vez mais interesse, além de uma disputa no sistema de copa que concede uma vaga (o caminho mais curto) para a Taça Libertadores.

É muito difícil entender o interesse de são-paulinos e de santistas, por exemplo, pelo campeonato paulista, quando o time do coração está disputando a competição sul-americana. E como fica se, num jogo do “paulistão”, um craque se contunde e fica de fora da Libertadores? Incompreensível de algum modo também a preocupação de corintianos anterior à desclassificação do clube na pendenga estadual, quando deveriam antes estar se preparando para enfrentar de forma altiva a segunda divisão nacional – a não ser que eles vissem no Paulista-2008 uma espécie de “prêmio de consolação”.

Não deixa de ser estranho também o modo de agir dos jogadores. Até mesmo craques que já atuaram no exterior parecem levar a sério a monumental babaquice que se chama campeonato estadual. Será que tais jogadores não se perguntam por que na Itália, por exemplo, não há campeonato calabrês de futebol, digamos? O duro é ver hoje jogadores se desdobrando no campeonato estadual, brigando com adversários, xingando juízes, dando entrevistas suados, para amanhã saírem por aí criticando o calendário, o excesso de jogos e a falta de organização de nosso futebol. Muitos, aliás, usarão esses argumentos para justificar a sua saída do país, quando for o caso.

Mas, antes de se criticar os torcedores e os jogadores, talvez conviesse lembrar do interesse da televisão nesse tipo de evento. Eles pagam um bom dinheiro para retransmitir os jogos de uma competição como o Campeonato Paulista. A idéia é a de, claramente, ter algo de esportes para sua grade de programação até o início do Campeonato Brasileiro. Os torcedores, incautamente, vão na onda, e de tanto falar no assunto, acabam transformando o campeonato em algo que se apresenta de interesse geral. Bom para toda a mídia que capitaliza em cima disso.

Alguns talvez invertam a premissa e digam que a televisão e toda a mídia só dão bola para os campeonatos estaduais porque o público gosta deles. Por trás de tal afirmação, há a crença de que as pessoas têm vontade própria e têm seu direito de escolha. E se elas optam por morrer de amores pelos tradicionais campeonatos estaduais, a mídia, ao propagá-los, apenas faz seu papel, que é o de atender ao interesse público.

Isso lembra o “teorema de Tostines”: “vende mais porque está sempre fresquinho, ou está sempre fresquinho porque vende mais?”. A questão é: o público gosta dos campeonatos estaduais porque a mídia (especialmente a televisão) faz um grande carnaval em cima, ou a mídia só faz a festa porque o público gosta de estaduais como o Paulistão, por exemplo?

É polêmico e é difícil dizer quem tem razão. Mas, de qualquer forma, segue um pequeno relato verdadeiro que talvez indique o que o autor destas maldigitadas pensa sobre a questão: dia desses, uma colega de trabalho contou que o longevo programa Globo Repórter fez uma matéria acerca das maravilhas da aveia para a saúde. No dia seguinte, o esposo dela dirigiu-se ao supermercado para comprar um pouco do “milagroso” produto. Ele voltou para casa decepcionado: não havia sequer uma lata para contar história!

Independência ou... Independência

Se há alguma unanimidade entre os que se dizem – ou se acham – modernos no Brasil, sem dúvida que é a reivindicação da independência do Banco Central. Neoliberais, jornalistas especializados em economia, empresários, políticos de centro a direita, todos clamam as vantagens e a conveniência de um banco central independente (ou autônomo, dependendo do gosto “vernacular” do freguês). Por independente, entenda-se, independente do(s) governo(s): a política monetária, dizem eles, deve estar sempre livre das vontades e dos humores dos governantes de plantão.

A medida da última quarta-feira, mediante a qual o Banco Central, por decisão do Conselho de Política Monetária, resolveu aumentar a taxa de juros básica da economia em meio ponto percentual, comprova que o Brasil tem, com efeito, um BC para lá de independente.

Ouviram-se, nos dias que antecederam a reunião do COPOM, declarações do Presidente da República, dos Ministros de Estado, de políticos da base aliada e de militantes do principal partido de situação condenando um possível aumento da SELIC. A despeito disso, os conselheiros majoraram a taxa num valor que foi considerado alto até para quem dava como favas contadas o aumento dos juros, numa clara demonstração – ou mais, reiteração – de independência.

Trata-se de uma situação inesperada para os comentaristas de economia: como associar o arrocho monetário à política governamental quando o próprio presidente Lula usa das suas famosas expressões incontinentes para criticar a medida? E como exigir um Banco Central independente sabendo que a instituição presidida pelo tucano Henrique Meirelles faz pouquíssimo caso do clamor em prol de uma política de juros menos severa e aumenta a taxa básica em um nível acima do que os próprios conservadores já acharam exagerada? Fica claro que o discurso único daqueles comentaristas é um mero exercício de retórica.

Mas e o aumento de juros, é culpa dos riscos de inflação? Não. Talvez culpa da forma como a imprensa divulga os indicadores. É bom lembrar que o IPCA não se descolou da meta de inflação. Em verdade, os mais recentes dados dão conta de que, nos últimos 12 meses, o resultado apurado superou em coisa de 0,15 ponto percentual o chamado “centro da meta”, que é de 4,5% ao ano. Noutras palavras, aparentemente a inflação não está fora de controle e está longe de constituir uma grande preocupação no momento. Mas seja como for, Meirelles e sua trupe deram de bandeja manchetes catastróficas para a imprensa: ao menos o Estadão e O Globo cinicamente estamparam nas respectivas primeiras páginas que o “risco de inflação” levou o BC a tomar a amarga medida.

Mas a idéia de aumentar a taxa básica de juros como forma de controle inflacionário se liga a um tipo de problema mais sério da ordem capitalista no Brasil. É como se se dissesse que é necessário menos crescimento, menos gente empregada, menos consumo, enfim, menos desenvolvimento econômico, para que o país não entre em bancarrota, engolido pelo dragão da inflação. Já faz algum tempo que tais idéias vigoram no Brasil. O próprio “sucesso” do Plano Real parece ter sido em virtude da desaceleração econômica, com a conseqüente quebra de empresas, recordes de desemprego, consumo de produtos de menor valor agregado etc, ou seja, num clima nada propício para aumento de preços.

Quando da “parada técnica” da queda dos juros no Brasil, em outubro de 2007, escrevemos um texto para o blog Veritas, que parece vir ao encontro do tema que ora tratamos. Leia-o abaixo:

27.10.07
JURO que não entendo
No último encontro do COPOM, optou-se por cessar a queda na taxa básica de juros, estacionando-a nos 11,25%. Enquanto não sai a ata da reunião, os especialistas identificam como principal motivo dessa parada técnica um pequeno temor de inflação, isso porque o mercado está razoavelmente aquecido, o nível de emprego aumentou um pouco e a renda do trabalhador melhorou um bocadinho, o que, “noves fora”, pode indicar um campo fértil para o aumento de preços.
É relativamente fácil compreender a preocupação do Banco Central, afinal, conforme já repetido ad nauseam por aí, a inflação é uma espécie de “imposto” pago pelos mais pobres. O que não parece estar claro é por que tanta grita pela redução dos juros, já que o resultado final de tal política vai ser a volta do “dragão” que engole o salário do trabalhador sem que ele perceba.
Sempre foi dito que, com juros menores, as empresas investiriam mais, conseqüentemente contratariam mais, as pessoas consumiriam mais, com mais vendas as empresas poderiam remunerar um pouco melhor os seus funcionários, que por causa disso consumiriam mais ainda, o que faria empresas produzirem mais, contratarem mais, pagarem mais, e isso... Em suma, o ciclo virtuoso se instalaria de forma quase natural; tão natural que justifica o simplismo da exposição deste humilde não-especialista.
Mas se as análises dos experts - que atribuem ao risco inflacionário o zelo de Meirelles e sua equipe - estiverem corretas, será lícito se chegar à conclusão de que não há muita luz no fim do túnel. Se a significativa queda na taxa de juros, que nos anos do governo Lula caiu cerca de 15 pontos percentuais, realmente tem algo a ver com a pequena melhora na economia brasileira, não seria de todo esdrúxulo concluir que o “cavalo de pau” do BC esteja sugerindo que o Brasil andaria melhor se as empresas investissem menos, contratassem menos, pois com as pessoas consumindo menos, com menos vendas, poderia haver algumas demissões, e com mais desempregados os salários de quem ainda trabalha tenderiam a cair, aí as pessoas comprariam ainda menos, as empresas demitiriam ainda mais, e conseqüentemente os preços não subiriam. Em resumo, o círculo vicioso se instalaria naturalmente, o que explica, naturalmente, a "pentelhice" repetitiva deste chatérrimo blogueiro!
Se a oposição política parece trabalhar muito com a tese do “quanto pior, melhor”, na realidade econômica, o Banco Central e seu honorável Conselho de Política Monetária apostam as fichas no “quanto melhor, pior”! Mas o mais importante de tudo é que, aparentemente, há alguma lógica nos argumentos apresentados pelos que aprovam essa maior rigidez da política monetária. Se a forma como as coisas de fato funcionam realmente justificam medidas que, em última análise, podem vir a trazer algumas dificuldades aos trabalhadores, talvez seja forçoso reconhecer que o capitalismo realmente encontra algumas barreiras intransponíveis. A crítica a tal sistema econômico vem sendo considerada ultimamente quase um crime de lesa-majestade, ou como coisa típica de românticos ou de retrógrados; Evidentemente que não se trata disso, afinal, vez ou outra, ouvem-se críticas ou apresentam-se limitações ao sistema vindas de gente que se poderia chamar de tudo, menos de seguidores de Che Guevara ou de guerrilheiros sedentos de transformações radicais. O que precisava era se abrir um debate que tentasse degringolar a crueza de uma realidade em que, dentre outras contradições, os trabalhadores tenham que, às vezes, amargar um desemprego ou serem obrigados a deixar de consumir e realizar os seus sonhos para não correr o risco de, empregados e felizes, terem que pagar à tarde um preço mais alto do que aquele que pagaram pela manhã.
Será que há alguém que queira discutir isso desapaixonadamente?

criado por iendiS
15:19:13

domingo, 13 de abril de 2008

Megabazar

Foi um sucesso o bazar, realizado em São Paulo, com produtos que pertenceram ao megatraficante Juan Carlos Abadía. Houve tumultos, filas, intervenção da polícia.

Um colega de trabalho sugeriu que a “loucura” que se verificou no evento poderia trazer algo de fetichista: as pessoas compravam as mercadorias não somente pelo seu baixo preço ou por sua possível utilidade, mas porque seria bacana ter em casa algo que pertenceu a uma pessoa “importante”. O mesmo colega não descartou a hipótese de que pudesse também haver por lá alguns “exploradores do fetichismo alheio”, ou seja, pessoas que adquiririam os bens a preço baixo e que, posteriormente, o venderiam bem caro sob a alegação de que “pertenceram ao Abadía”.

Uma outra colega reprovou a procura e a grande divulgação do evento, lembrando que isso poderia trazer uma mensagem subliminar do tipo “o Abadía é legal”, ou “é bacana ter as coisas que pertenceram a ele”, sem questionar como ele as conseguiu e a custa de quê (e de quem).

Eu, particularmente, acho que as pessoas correram ao Jockey Club de São Paulo por um motivo bastante prosaico: o preço era ótimo, e elas tinham certeza de que os produtos eram bons. Parece estar arraigada na nossa cultura a idéia de que figuras como o Sr. Abadía é que sabem viver, que curtem a vida com o bom e o melhor. A idéia mais ou menos geral é que um sujeito desses é um bon vivant e certamente realizava os sonhos de consumo que a maioria dos brasileiros mortais não pode realizar.

Como prova (frágil) do que acabo de expor no parágrafo anterior, considero o fato de o evento ter atraído pessoas de outras cidades e, principalmente, a tristeza e frustração que se abateram sobre os que não conseguiram entrar. Ora, a cidade de São Paulo é certamente um dos melhores lugares do mundo para os que gostam de comprar artigos usados: sebos, brechós, antiquários há aos borbotões! Muitos deles, aliás, com preços muito bons; e para os fetichistas, há até a possibilidade de alguns itens terem pertencido a gente importante, embora sem saber quem. “Ora”, dirá o amigo leitor, “mas a graça do fetiche está exatamente em se saber a que ‘personalidade’ pertenceu a quinquilharia”! De todo modo, se a intenção fosse apenas a de adquirir coisas boas usadas a preços razoáveis, por que não aproveitar os diversos outros pontos que a cidade de São Paulo oferece?

E o que havia lá era tudo fruto de atividade ilegal. Ironicamente, o crime compensou para os que puderam comprar coisas bacanas a um preço bem baratinho!

Peito de homem

Neste domingo faz exatamente uma semana que a Folha publicou a despedida do ombudsman Mário Magalhães, sem dúvida o melhor que já passou pela função. O motivo de sua saída foi o impasse quanto à crítica diária: o jornal não queria que ela continuasse sendo colocada disponível na Internet; Mário Magalhães não aceitava tal condição.

As críticas aos meios de comunicação têm se tornado mais freqüentes pelo menos nos últimos dois anos. Não deixa de haver, todavia, aqueles que defendem a atuação da imprensa e que vêem exagero por parte de seus críticos. No caso da saída do ombudsman, porém, não se tem visto manifestações por parte daqueles que ainda têm alguma coragem de defender os meios de comunicação. Em vez de buscar confirmação do que dizemos nos órgãos independentes, talvez valesse a pena uma visita à seção de cartas da própria Folha (do jornal impresso e também do Folha Online), para se ter a dimensão do repúdio à situação que provocou a saída de Mário Magalhães.

A figura do ombudsman foi uma idéia bem-vinda desde a primeira hora. E a publicação, no site, da crítica diária do titular do posto era uma maneira de o leitor acompanhar as ressalvas e elogios à correria do dia-a-dia de um jornal. Por meio da crítica diária, poder-se-ia até voltar a ler uma matéria, para confirmar ou para entender melhor as assertivas do ombudsman. Está certo que talvez internamente não ajudasse muito na qualidade do jornal, haja vista que, em memorável texto de crítica semanal, o próprio Mário Magalhães comparou o ombudsman a “peito de homem”: existe, mas ninguém sabe se serve para alguma coisa! Mas independentemente da falta de ressonância das críticas na redação, ninguém poderia deixar de reconhecer que a medida era um oásis de transparência no jornalismo brasileiro.

E agora, como é que fica o discurso da transparência? A Folha decerto que não poderá mais encampá-lo. O já citado destaque que as seções de cartas deram aos leitores que reclamavam da saída de Magalhães certamente que faz parte de uma tentativa desesperada por parte do jornal de reafirmar sua independência, sua clareza de propósitos, sua abertura a críticas etc.

Muitos enxergaram na determinação de não mais permitir a publicação da crítica diária um ardil por parte da Folha, que provavelmente sabia que o ombudsman não aceitaria tal imposição. O jornal talvez não quisesse mesmo era a continuidade de Mário Magalhães. Afinal, não deve ser nada fácil ter que aturar alguém freqüentemente apontando a parcialidade do jornal, a blindagem em relação a José Serra, a falta de tom crítico ao PSDB, a inexplicável diferença de tratamento ao atual e ao anterior Governo Federal etc.

O jornal já tem um novo ombudsman? Se tem ou deixa de ter não faz mais nenhuma diferença. Por mais que um novo titular consiga adquirir a confiança do leitor, sempre ficará uma pulga atrás da orelha: “será que por baixo dos panos esse cara não acata imposições da diretoria do jornal?”, é o que bem pode perguntar um desconfiado leitor.

sábado, 12 de abril de 2008

“Aí tendes, maus gênios, fartai-vos deste belo espetáculo!”

O título deste post é uma citação feita por Sócrates, no clássico A República, de Platão. O filósofo conta que Leôncios, ao voltar um dia do Pireu, viu cadáveres estendidos perto do carrasco. Ao mesmo tempo em que sentiu um grande desejo de observá-los, foi acometido de repugnância e afastou-se. Lutou consigo, escondendo o rosto com as mãos. Mas dominado pelo desejo, arregalou os olhos e, correndo na direção dos cadáveres, gritou a célebre frase que dá nome a este texto.

Sócrates a resgata porque está falando de dois elementos presentes na alma: um irracional, que compele a pessoa a satisfazer seus desejos, e o racional, pelo qual ela raciocina e apresenta algumas características de autocontrole.

Hodiernamente, tudo isso parece ter a ver com a maneira como as pessoas e os meios de comunicação, de forma imbricada, reagem a - e participam de - assuntos espinhosos como a violência.

Parece não haver espaço para o racional, para a análise fria e para a ponderação se a discussão for, por exemplo, sobre a morte trágica de uma bela criança de cinco anos de idade.

É difícil saber o que vem primeiro: se a curiosidade mórbida associada à necessidade de se saciar com algum tipo de “justiçaria”, por parte da sociedade, ou se o desejo mesquinho de “dar um furo” ou de “conseguir” um choro ou um desespero de parentes, por parte da mídia.

O espetáculo, de todo modo, é sempre “belo”, com direito a autoridades policiais que não hesitam em cometer abusos e proferir frases infelizes em troca de um pouco mais de quinze minutos de fama. É de estonteante beleza também a atuação dos “vidiotas” que vão a portas de delegacia para xingar suspeitos e para dar murros nas viaturas que os transportam. Como contraponto, há de ser mencionada quão sábia é a Providência quando permite que os suspeitos sejam brancos de classe média, pois, assim, a “agenda” de nossas vidas é poupada de estéreis discussões sobre pena de morte e acerca do recrudescimento de leis.

Mas as “belezas” mais ordinárias costumam também ser um tanto efêmeras. Por isso, não tarda muito, o bonito espetáculo dará lugar a outro, às vezes até mais completo, ou será simplesmente substituído por algo mais leve, mais familiar, em suma, mais comercial. E a despeito das promessas, das certezas, dos protestos, o velho espetáculo, que todos garantiam que não seria jamais olvidado, cairá no mais absoluto esquecimento. Irá para algum desvão da alma, que talvez nem Platão saberia nomear.

sábado, 5 de abril de 2008

Aí tem!

A jornalista Eliane Cantanhêde costuma se sair melhor nos comentários políticos do que em palpites sobre febre amarela. No mínimo, os primeiros merecem mais a nossa atenção.

Não adianta a perda de credibilidade e não adianta o avanço de mídias alternativas: os colunistas da velha imprensa tradicional sempre vão se considerar “formadores de opinião”. Por isso é sempre bom ficar atento às entrelinhas do que falam e escrevem.

Na coluna de 02-04-2008, publicada no Folha On Line, Cantanhêde insinua que o imbróglio do suposto dossiê das tapiocas de FHC poderia ter o objetivo de minar as possibilidades de a ministra Dilma Roussef ser candidata à sucessão de Lula. Isso eu também acho. Só que a colunista da Folha parece achar que tudo não passa de uma espécie de conspiração “oficial” que, no fundo, quer emplacar a idéia de um terceiro mandato para o atual presidente. Ou seja, o tapete da comandante da Casa Civil está sendo puxado por gente de dentro do próprio governo, que quer garantir mais uma reeleição para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Já tivemos oportunidade de falar sobre a tese do terceiro mandato de Lula (leia abaixo*). Em verdade, tal questão somente ganha espaço por conta do desempenho do atual presidente. Suponhamos que se conseguisse “facilitar a idéia do ponto de vista político”, e suponhamos que se conseguisse também “viabilizá-la do ponto de vista legal”: se o governo estivesse indo mal a tese certamente não incomodaria ninguém. Ao contrário, seria ainda mais divertido para a oposição derrotar nas urnas o presidente que, em um dado momento, mostrou-se imbatível.

Mas há outra questão que parece preocupar a Eliane (e que segundo ela ajudaria a fortalecer a tese do terceiro mandato): é a “desconstrução” do candidato mais forte da oposição para 2010, o governador de São Paulo, José Serra. A destruição da candidatura tucana, segundo a colunista, não é capitaneada por Lula, pelo governo ou pelo PT, mas pelo próprio PSDB.

Se a própria colunista admite a dificuldade e a inviabilidade de prosperar a tese do terceiro mandato, por que cargas d’água nos manda ficar espertos com esse “risco”? Creio que no fundo o recado dela era outro: “fiquem espertos, meus amigos do PSDB, não adianta querer apenas arrasar os candidatos da preferência de Lula; é preciso antes investir no próprio candidato, de preferência, naquele que apresenta mais chances”.

A jornalista poderia ter feito menos rodeios. Quem sabe não seria mais fácil formar opiniões assim?

Ah, só lembrando: ainda estamos em abril de 2008!


*Leia abaixo texto publicado originalmente no blog veritas:

24.11.07
Ouvi de TERCEIROS

A polêmica de um terceiro mandato para o presidente Lula pode-se dizer que já é antiga. Ouve-se falar disso desde a corrida eleitoral de 2006. Não nasceu da boca do presidente ou dos seus correligionários, mas sim daquele grupo coeso formado de um lado por alguns políticos de oposição, e de outro, por setores da mídia.
Alguns vêem nisso uma espécie de conspiração: se os índices de popularidade do presidente persistirem, a tentação de querer mudar a Constituição para um eventual terceiro mandato consecutivo será muito grande, e se isso ocorrer, os opositores de Lula poderão dizer que estavam certos, que o presidente brasileiro é a versão local de Chávez, ou que ele é um protoditador, um oportunista etc.
É bom que ninguém se esqueça que esse assunto só tem vez no Brasil porque há um precedente importantíssimo: se Lula um dia vier a acenar com tal possibilidade, não estará fazendo nada de diferente do que FHC fez em 1997. No fundo, os que expressam tal possibilidade são os mesmos que acreditam que o governo Lula é uma mera continuação do de seu antecessor, além de um imitador de seus fundamentos. É claro que não podem admiti-lo, mas ao temerem o terceiro mandato de Lula, reconhecem o casuísmo de coloração golpista da reeleição do ex-presidente. E se o atual presidente, para consegui-lo, vier a “comprar” um ou outro deputado, maravilha: o ato se mostrará completo.
Mas, salvo engano, estamos em 2007. Faltam, portanto, três anos para a eleição do novo presidente da República. É preciso ter muita esperança nos rumos do governo para acreditar que Luiz Inácio Lula da Silva chegará tão forte em 2010. O mundo da política é muito dinâmico: Lula elegeu-se de forma esmagadora em 2006, mas um ano antes, no momento nevrálgico da crise do mensalão, dizia-se que ele iria “sangrar até morrer”, e mesmo um tempo depois, com o pior da crise já superado, houve senador do bloco de oposição que falou que, assim mesmo, “o presidente levaria uma surra”, nas urnas, claro! (A propósito, é muito interessante – e triste - que o discurso oposicionista seja tão povoado de imagens de violência: “surra”, “sangrar até morrer”...). Tal situação deixa este blog numa encruzilhada paradoxal: somos totalmente contrários à tese do terceiro mandato e consideramos que o assunto foi arte da imprensa sem pauta e da oposição sem projeto; mas, em contrapartida, torcemos para que as condições que permitem que esse tópico seja aventado continuem vigorando no Brasil. Afinal, alguém da oposição estaria se importando se Lula realmente quisesse um terceiro mandato, mas aparecesse envolto numa crise que o estivesse “sangrando”?
Parece, no entanto, que já houve deputado da base governista pondo lenha na fogueira do "Lula III". Pode ser uma mera estratégia de quem queira deixar o assunto em pauta, tendo em vista que ele, conforme exposto acima, pode fazer parte de um turbilhão que confirma a razoabilidade do governo. Por outro lado, pode ser alguém que se encantou com tal possibilidade e acabou “mordendo a isca”, deixando-se levar por tema tão despropositado. A segunda hipótese, se confirmada, apenas provará que o arsenal de “alopragem” do PT e da base aliada ainda não foi de todo utilizado.