sábado, 22 de dezembro de 2012

Coisas que ouvi

De três temas que mobilizaram a opinião pública nos últimos meses ouvi diálogos que nos permitem ligeiras e superficiais reflexões. Aventureiros - se mais bem preparados -, se quiserem, podem até fazer longas viagens sociológicas e filosóficas com as historinhas. Fica a dica!

Os temas são o "caso goleiro bruno", a violência em São Paulo e a Ação Penal 470 do STF, vulgo mensalão.

Goleiro Bruno

Metrô lotado. Dois sujeitos conversam. Misto de tristeza e indignação com as suspeitas que recaem sobre o ex-goleiro Bruno, as quais não precisamos por ora repisar. Além de erroneamente já falar do caso como se o esportista já estivesse condenado, os dois concordavam noutro ponto:

-Como pode o cara cair numa dessas? Tinha tudo.

-Pois é. Fama, dinheiro. Jogar tudo isso fora...

-Será que na hora não pensa que vai pôr tudo a perder?

-E ele ia ter uma carreira bonita pela frente, hein?

Ouviram-se, aqui e ali, variações desse diálogo. O leitor certamente deparou-se com algum do tipo ou até mesmo repetiu coisa parecida por aí.

O triste da história é que o corolário de tal modo de pensar é que a gravidade do comportamento atribuído ao goleiro Bruno parece se circunscrever ao que ele perdeu.

Aparentemente, tendemos a aceitar que homens exterminem namoradas, mesmo com requintes de crueldade, se ele estiver no rol dos que não têm nada - ou têm muito pouco - a perder, ou seja, fizer parte da maioria esmagadora da população, infelizmente.

Bruno tinha aquelas coisas com que as pessoas em geral sonham de olhos abertos: sucesso, dinheiro, reconhecimento. E mandar tudo pelos ares por "umazinha qualquer"? No fundo é só o que leva a nossa sociedade desalmada a repudiar o suposto crime do ex-arqueiro do Flamengo.

Violência em São Paulo

A Record News apresenta uma reportagem sobre a onda de violência em São Paulo, destacando mais um caso de chacina ocorrido em cidade do entorno da Capital. Dentre os atingidos, um cidadão consegue safar-se com vida, apesar de ferimentos graves. Entrevistado, com a identidade evidentemente preservada, o jovem alvejado no ataque faz comentários surpreendentes:

-Não sei por que isso aconteceu. A moçada tava só conversando na rua. Ninguém tinha passagem...

-Ninguém tinha passagem pela polícia? - pede confirmação a incrédula repórter.

-Ninguém. Pode checar.

 Não é difícil chegar à conclusão de que, ao que tudo indica, é perfeitamente compreensível que justiceiros exterminem, com a maior tranquilidade, jovens que já tenham frequentado o sistema prisional ou, para usar o jargão, carreguem alguma "bronca". Se tal ponto de vista é expressado pelas próprias vítimas - de fato ou em potencial -, o que esperar daqueles que se sentem imunes ao risco de cair na mão - ou de ficar no caminho - de grupos de extermínio, sejam de que origem for?

 Ação penal 470

Foi no local de trabalho. Duas amigas, juristas das boas, falavam acerca do mensalão. A mais empolgada delas não perdia as transmissões da TV Justiça e recomendava efusivamente que a outra colega as acompanhasse também, para usufruir da excelente qualidade do voto dos ministros do Supremo Tribunal Federal.

-Você precisa ver a argumentação dos caras. O caso, você sabe, é complexo. Os caras fazem uma ginástica intelectual de tirar o fôlego - disse ela, com ênfase na expressão "ginástica intelectual".

Só esclarecendo, tratava-se claramente de um elogio.

Não tenho o conhecimento jurídico de minha amiga. Por isso, fico dependente da análise dos bons especialistas da matéria. Uma das melhores sobre o caso pertence ao professor da PUC-SP Pedro Estevam Serrano, também colunista da revista Carta Capital. Em texto naquele hebdomadário (vale pesquisar no site da publicação), o jurista chamava a atenção para o fato de que no caso mensalão o STF estaria julgando uma ação penal originária do Tribunal, tendo que se portar, neste particular, como corte criminal e não política.

Sob tal leitura, é especialmente preocupante que os integrantes da Corte tenham tido que caprichar tanto na argumentação, que tenham tido de fazer tanta "ginástica intelectual". Melhor seria terem se baseado em provas irrefutáveis. Na falta delas, tiveram mesmo que usar de muita "ginástica intelectual", é o que se supõe.

Em casos em que age como corte constitucional, essencialmente política, não raro seus ministros precisam mesmo de muita ginástica intelectual, pois estão em jogo interpretações dependentes de leituras várias, de entendimentos interdisciplinares, de busca de informações históricas etc. Agindo como corte criminal, diferentemente, é de se preocupar que precisem tanto de "ginásticas intelectuais", sobretudo quando é para condenar pessoas, inclusive com penas de restrição de liberdade. Em suma, as tais "ginásticas intelectuais" em julgamentos criminais deveriam ser antes motivo de lamento, de indignação, em vez de ocasião para elogios aos espalhafatosos ministros do Supremo.

domingo, 18 de novembro de 2012

Decisão judicial cumpre-se (mas se discute)

É famosa a frase: "decisão judicial não se discute; cumpre-se". Como o título da presente explicita, pretendemos aqui inverter a máxima: "decisão judicial cumpre-se; mas se discute, sim".

Em uma postagem anterior (link abaixo), demonstrávamos nossa crença de que, na ação penal 470 do STF, vulgo "mensalão", a acusação era fraca e as defesas, ao contrário, bem articuladas. Acrescentávamos a suspeita de que, se houvesse provas robustas das acusações lá contidas, a nossa diligente imprensa já as teria exposto, de forma caudalosa, em suas páginas e programas.

Acreditávamos que, sob um julgamento técnico, não se iria muito longe no caso, mas, prudentemente, deixamos uma porta aberta para o risco do julgamento político, de olho nos anseios da "opinião pública". Aconteceu este último.

O resultado do julgamento tem feito maior parte da imprensa vibrar e deixado seus colunistas permitirem-se dar como certas as acusações da Procuradoria-Geral da República, afinal houve condenações dos principais acusados e, neste caso, a última palavra é do Supremo.

Decisões judiciais, como já dito, não devem ser tomadas por inexpugnáveis. Ninguém, em sã consciência, afasta a hipótese do erro judiciário. Não raro descobre-se, após muitos anos, que pessoas condenadas à morte eram inocentes da autoria dos crimes que lhe foram atribuídos. O terem ido ao corredor da morte não transformou em verdadeira a acusação que era falsa, evidentemente - a menos, talvez, para os que acreditam que a verdade é só uma "quimera"!

Apesar do clima festivo, ouvem-se no entanto, mesmo na imprensa conservadora, vozes dissonantes, preocupadas principalmente com condenações baseadas em indícios e suposições, amarradas pela polêmica teoria do "domínio do fato". Com supedâneo na tal tese, pegou-se principalmente o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu. Como o leitor deve ter acompanhado, o jurista Claus Roxin, um dos desenvolvedores da ideia, andou desautorizando a interpretação que a Corte brasileira fez da teoria.

De todo modo, na nossa humílima opinião, o problema não está no mau uso da teoria do domínio do fato. Convenhamos que todo intrincado esquema criminoso, complexo e cheio de gente envolvida, deva sempre ter alguma figura importante e influente por trás. De se supor também que essa figura, dado seu grau de poder ainda que transitório, consiga circular sem deixar provas robustas de suas ações - afinal, testas-de-ferro estão aí para isso!

O grande problema da ação penal 470, porém, é a de que, em nossa opinião, não há provas de que existiu esse troço chamado mensalão, entendido como uma paga a parlamentares para votar projetos de interesse do governo Lula. Não havendo ação criminosa, logo não há chefe de tal prática, nem diretamente nem por domínio do fato.

Como reconhecido até pelo procurador-geral da República, e demonstrado por estudos, o governo federal perdeu votações na Câmara, durante o período em que teria vigorado o mensalão, mesmo em épocas em que ocorreram repasses (leia aqui o estudo do Movimento Universitário em Defesa do Estado de Direito).

Grana rolando solta com certeza houve e isso está demonstrado nos autos. Ao que tudo indica, resultado dos acordos financeiros feitos por partidos aliados, prática comum nas negociações políticas, representando o famigerado - e abominável - caixa 2 de campanha. Como já sabido, ironicamente o PT valeu-se de Marcos Valério e sua expertise conquistada no trabalho realizado anteriormente para o PSDB.

Já a corrupção pura e simples, de dinheiro sendo dado em troca de votos no Congresso, não somente não foi comprovada como ainda há, conforme o estudo citado, prova em contrário.

As coalizões políticas permitem a governabilidade. E os acordos, já de longa data, têm sido feitos de forma desavergonhada por partidos tidos como representantes de setores mais modernos da sociedade brasileira com grupos tidos como representantes do atraso, das velhas oligarquias e tudo mais. Foi assim com Fernando Henrique Cardoso e o então PFL, de gente como Antônio Carlos Magalhães; o mesmo ocorreu com Lula e o PL e mais grande guarda-chuva que aceitava a trupe de Sarney, Renan e outros.

O que se chama de mensalão nada mais é que o resultado das costuras políticas vistas como normais no cenário brasileiro. O amplo e variado leque que elas representam todavia permite a gente como Joaquim Barbosa tomar como prova da existência do mensalão - no sentido de compra efetiva de consciências - o fato de o PT coligar-se com o PP. Ora, pergunta-se ele, por que partidos tão díspares do ponto de vista ideológico se uniriam não fosse meramente por dinheiro?

Junta-se a tudo isso a cultura antipolítica, a visão de que a política é uma grande bandalheira e os políticos, figuras prontas a se vender na primeira esquina. A grita do mensalão, além de perseguição ao PT e o que representa, é, em última análise, manifestação típica das posições neoudenistas, fortes sobretudo nos estratos médios dos grandes centros urbanos. E seu grau de hipocrisia vai ser posto à prova no dia em que chegar -  se chegar - o julgamento do chamado mensalão mineiro, o mensalão do PSDB de Minas Gerais. Quem sabe durante a corrida eleitoral de 2014!

Leia também:

O imprensalão





quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Eleições 2012 - São Paulo - A trivial vitória de Haddad

Numa boa navegada nas raras e recentes postagens deste blog o leitor verá que, em contraponto a colunistas da mídia tradicional, asseguramos que a cidade de São Paulo sempre esteve longe de ser uma fortaleza antipetista. Desde 1988, o Partido dos Trabalhadores é no mínimo segundo lugar nas brigas pela prefeitura.

No mesmo esforço de desconstruir mitos criados por jornalistas dos meios convencionais, mostramos, também, que o PSDB nunca chegou a ser uma força incontestável nas disputas paulistanas, tanto que desde a sua fundação somente chegou ao segundo turno da metrópole, agora, por duas vezes, ambas com José Serra - descontando-se Kassab, eleito pelo DEM em 2008, vencendo, inclusive, o peessedebista Alckmin naquele ano (noves fora a cristianização do atual governador).

Anotamos, também, que a despeito da força petista no município, sempre a garantir-lhe no mínimo o segundo turno, a adesão não era automática, em vista das nossas dificuldades de trabalhar e garantir a identificação partidária, o que explicava, em parte, o por algum tempo resiliente fenômeno Celso Russomanno.

Por fim, este blog jogou no lixo as pesquisas e apostou na vitória do petista Fernando Haddad com base somente nos resultados de Russomanno no primeiro turno, bastante consistentes justamente na periferia da cidade, reduto petista, entendendo como certa a transferência de votos do midiático político do PRB para o candidato do PT. 

Fechadas as urnas, pipocam as análises, com claras tentativas de se fazer conjeturas, sendo irresistível, num primeiro momento, apostar que o caminho para a vitória da situação no pleito de 2014 já está mais do que trilhado, assim como pode-se já estar se desenhando a destituição do PSDB do governo do estado de São Paulo.

Há que se andar devagar. Recorde-se que não faltou quem garantisse que a vitória de Kassab em 2008 indicava altíssimo prestígio do padrinho dele, José Serra, gabaritando-o para o Planalto no pleito de 2010. Razão estava, porém, com os poucos que se recusaram a nacionalizar aquela disputa, entendendo ter sido a pendenga de 2010 resolvida noutros termos, efetivamente municipais.

E em nível estadual, o discurso da turma que está há 20 anos no governo já deve estar até redigido: dono da prefeitura, dono do governo federal com chances de ser reeleito, não podemos dar ainda mais poder ao PT. O assunto é velho e tende a se repetir. Resta somente saber até quando o eleitor paulista vai sucumbir a essa baixa chantagem que usa em vão o santo nome da democracia.


sábado, 20 de outubro de 2012

Eleições Municipais 2012 - São Paulo - Haddad e Serra

Alguém que tenha enfrentado o coma durante pouco mais de um mês no período do primeiro turno, ao ver Fernando Haddad, do PT, e José Serra, do PSDB, enfrentando-se no segundo turno da cidade de São Paulo, não imaginaria que Celso Russomanno foi invariavelmente considerado um fenômeno eleitoral na maior parte desse tempo.

A "finalíssima" paulistana, portanto, nada mais representa do que o quadro mais óbvio do embate: de um lado Serra e seu fortíssimo recall, típico dos que não se cansam de se candidatar, de outro Haddad, o representante do partido que desde 1988 é no mínimo segundo lugar na metrópole, o PT.

O resultado, inesperado para alguns até no último dia da primeira fase do pleito, fez aumentar as dúvidas sobre a lisura das pesquisas. Por esse motivo, muitos entusiastas do Partido dos Trabalhadores e de Fernando Haddad estão com um pé atrás com pesquisas que lhe vêm dando, nos votos válidos, vantagem de 20 pontos percentuais sobre seu oponente. É teoria da conspiração que não acaba mais.

A nós, tal resultado não surpreende.

É saudabilíssima a desconfiança para com os institutos de pesquisa. Para sermos radicais, são indignos de crédito. Com mais moderação, digamos que no mínimo devem ter suas sondagens tomadas com cautela. Entretanto, não há, de outro lado, porque não acreditar nos números oficiais do TRE. E os resultados oficiais do primeiro turno já, no mínimo, apontavam para a possibilidade do quadro que as pesquisas dizem vir captando.

Como boa parte dos leitores deve ter visto, mapas (que abdicaremos de reproduzir aqui) mostram como o voto se dividiu em São Paulo: aparece pintado de azul no chamado centro expandido, e veio de vermelho nas regiões periféricas. Ou seja, vitória tucana no primeiro e petista no segundo. Neste quadro, em vista dos números excelentes do terceiro colocado, não havia muita dúvida de que o fiel da balança seria o eleitor de Celso Russomanno.

O aspecto mais claro dos resultados do primeiro turno era a fraca votação de Russomanno (cerca de 8%, na média) na região central, aquela que foi a mais generosa com Serra. Ora, já era de se supor que o tucano não se beneficiaria tanto com a possível transferência do grosso dos eleitores russomannistas da região, que por óbvio acrescentariam quase nada à sua votação total do primeiro turno, a qual ademais foi muito pouco acima da do petista.

Por outro lado, no chamado cinturão vermelho, o fenomenal Russomanno ainda não havia desidratado o suficiente, tendo terminado o primeiro turno acima de 20%. Entendendo que o candidato do PRB havia crescido justamente no eleitorado tipicamente petista, hegemônico naquela faixa da cidade, já se previa uma transferência maior para Fernando Haddad. Para piorar as coisas para Serra, o peso proporcional dos eleitores da periferia ainda ajudava a entender - da forma mais dolorosa - a tal de ponderação de que os estatísticos tanto falam.

A tendência pró-Haddad já era tão forte apenas com os números de Russomanno, que nem precisaria, lá, ao fim do primeiro turno, apostar que o também bem votado Gabriel Chalita e seu "capilarizado" PMDB fechariam apoio ao petista.

Entendendo, pois, não ser surpresa nenhuma a liderança extraordinária de Fernando Haddad nessa corrida do segundo turno de São Paulo, ainda assim, é válido aquele velho clichê do mundo político que diz "mineração e eleição, só depois da apuração".


Leia também outros textos do blog sobre as eleições municipais 2012 em São Paulo:

Sobre Celso Russomanno
Sobre aliança PT-PP
Sobre o drama paulistano do PSDB
Sobre a força do PT em São Paulo

sábado, 22 de setembro de 2012

Eleições municipais - São Paulo 2012 - Para não dizer que não falei de Celso Russomanno


O candidato Celso Russomanno, do PRB, vem sendo o grande fenômeno das eleições municipais 2012. Ótimas análises, diferentes em alguns pontos e complementares noutros, foram feitas pelo filósofo Vladimir Safatle, pelo cientista político Aldo Fornazieri e pelo jornalista José Roberto de Toledo. Não torno disponíveis os links delas , mas os leitores interessados não terão dificuldade em encontrá-las usando mecanismos de busca da internet.

Comentaremos o caso pegando um dos pontos abordados pelos analistas acima: a despolitização. E a observaremos sob dois aspectos. O primeiro deles é um de seus desdobramentos, que chamaremos de "despartidarização".


Despartidarização
A política no Brasil é por demais personalizada. O leitor já deve ter ouvido algum eleitor bater no peito e bradar orgulhosamente: "não voto em partidos, voto em nomes; se eu gostar do cara, não importa a agremiação".

Números de pesquisa já mostram - mas à falta deles a observação empírica já seria suficiente - que o candidato do PRB tem conseguido se manter na primeiríssima posição pela corrida de São Paulo, de acordo com as sondagens, graças a resultados nas regiões que historicamente votam nos candidatos do Partido dos Trabalhadores - mais do que isso, Russomanno tem obtido apoio de eleitores que declaram abertamente a preferência pelo PT.

Não obstante a excelente "marca", resistente inclusive à oposição midiática praticamente generalizada, o PT parece esforçar-se pouco para estimular a identidade entre partido e eleitor, de modo a fazer que o respeito e apreço dos cidadãos para com o partido redundem em votos em seu candidato. 

O uso da imagem da figura mítica de Lula sinaliza que o próprio partido parece acreditar mais no lulismo do que no petismo, entendido o primeiro como um movimento que excede o segundo - tema que deve figurar neste blog em breve.


"Desestatização"
As aspas é porque a palavra não está aqui no seu sentido comum, mas para designar o outro desdobramento da despolitização de que queríamos tratar, neste caso a falta de confiança sobretudo dos mais pobres com a capacidade do Estado de resolver problemas e mediar conflitos.

Como é sabido, Celso Russomanno já tem história de homem de mídia especializado em solucionar pendências de consumidores.

Não entraremos na questão - crítica - de que a melhoria de vida em consequência das políticas do governo Lula criaram consumidores antes de cidadãos, o que poderia, de fato, explicar o sucesso do postulante pelo PRB.

No caso específico importa entender porque o homem de mídia, antes do político, é visto como o cara certo para "cuidar das pessoas".

Na primeira metade da década de 1990, no curso de Ciências Sociais, uma professora foi motivo de pilhéria dos alunos ao recomendar que prestássemos mais atenção em um sucesso da época: o programa "Aqui Agora".

O jornalístico do SBT não era apenas um sucesso de audiência: era, ao que tudo indicava, grande portador de prestígio entre os mais pobres e com menos escolaridade.

Não era raro, a quem se deparava com algum problema, ouvir a sugestão de "chama o 'Aqui Agora'". o jornalístico "popular" era evocado nas brigas de vizinhos, nas rebeliões em presídios, em casos de flagrante injustiça e, last but not least, nas histórias de desrespeito a consumidores. Neste último, o repórter que resolvia tudo era ninguém menos do que Celso Russomanno.

No "Aqui Agora", Russomanno era apenas mais um, evidentemente. O prestígio, num primeiro momento, era do programa. E não é trivial que as pessoas acreditassem - e acreditem - mais no poder da televisão do que no dos órgãos estatais legalmente constituídos.

E os veículos transferem sua credibilidade para aqueles que pilotam seus programas. Russomanno constrói a imagem de um destemido que enfrenta poderosos em nome dos pobres já de algum tempo. E nem é preciso, para entendê-lo, voltar ao caso da morte da própria mulher, por ele denunciado como negligência médica.

Resumo com absolutamente nenhuma profundidade: enquanto o Poder Público permitir que programas no formato "Aqui Agora" tenham mais credibilidade e eficácia do que, por exemplo, o PROCON, os "russomannos" continuarão "surpreendendo".

Ah, e a professora, como resta claro, tinha razão.



sábado, 11 de agosto de 2012

O imprensalão


Que papelão da imprensa, hein?

Nos últimos meses, matérias enviesadas e colunistas e âncoras raivosos estavam conseguindo me convencer de que havia, de fato, um  clamor pelo julgamento do chamado mensalão. Um clamor decerto subterrâneo e silencioso, já que eu não ouvia muita gente dando bola para o assunto. De todo modo, muitas das ondas e movimentações sociais ocorrem na surdina, na moita, o que dava verossimilhança à gritaria acerca do irrefreável desejo da opinião pública em assistir ao "julgamento do século".

Pois bem. Iniciado o julgamento, com barulheira, matérias especiais, cadernos especiais, discussões com especialistas etc.,  e o que se vê? Tirando os muito politizados e os interessados de sempre, ninguém está dando a menor bola. A bem da verdade, nem mesmo os mais politizados parecem estar muito entusiasmados com o assunto.

Conclui-se disso que colunistas, diretores de jornalismo, âncoras, redatores, editorialistas mentiam e manipulavam, com a clara intenção de "meter a faca no pescoço" do STF, ou seja, pressionar a instância máxima do Judiciário brasileiro. Tudo bem pensando com o fito de contaminar o processo eleitoral deste 2012.

Agora o pior.

Iniciado o julgamento, com pompa e circunstância, depois de todo o bombardeio midiático e o inegável prejulgamento dos "mensaleiros" e da "quadrilha" denunciada pela Procuradoria-Geral da República, a impressão que dá é a de que, dada a voz ao contraditório, o jogo começa a virar de forma até um tanto humilhante para os algozes.

Posso estar enganado, mas a sensação é a de que as defesas estão, de modo geral, dando um show, desbancando com folga a acusação, e principalmente estão contando um lado da história que a imprensa sonegou ao público durante esses anos todos, o que neste particular é um belo tapa na cara dos meios de comunicação, sempre muito preparados a encher a boca para falar de democracia.

Mas o que mais me intriga é que, enfraquecidas as teses da acusação como parecem estar, não se vê a outrora dedicada imprensa, com seu jornalismo investigativo e blá blá blá, vir a campo para contra-atacar, mostrando que o tal mensalão realmente existiu, que foram compradas, sim,consciências de congressistas, que aquele foi, realmente, o "maior escândalo de corrupção da história do Brasil".

É claro que, como todos sabemos, o que realmente vale, para a Justiça, é o que está nos autos. Mas não é possível que a imprensa que falava do tal mensalão com tanta carga emotiva, com termos tão grandiloquentes, simplesmente não tenha, agora, nada para mostrar.


De qualquer forma, como bem disse um advogado famoso anos atrás, "de bumbum de neném e de cabeça de juiz não se sabe o que pode vir". Portanto alguns dos dorminhocos ministros do STF podem até achar que houve mensalão mesmo, que é todo mundo tão ou mais criminoso do que a mídia havia assegurado, que a "opinião pública" quer resposta exemplar etc etc etc. De todo modo, é difícil apagar a impressão de que a imprensa, neste caso, se prestou a um dos papéis mais ridículos de sua história. E olha que não foram poucos, hein?!

Leia também:

"Mensalãodependentes"

sábado, 4 de agosto de 2012

"Mensalãodependentes"

O leitor decerto deve estar de saco cheio da cobertura, dos comentários e das análises sobre a ação penal 470 do STF, dito "mensalão". Por isso, este blog procurará ser bem breve sobre o assunto.

Vê-se na imprensa e ouve-se da boca dos luminares da oposição um discurso que pretende transformar o famoso caso que marcou o primeiro mandato de Lula no maior escândalo político da história do Brasil, no principal caso de corrupção do País, numa espécie de paradigma da devassidão petista.

Análises mais frias, no entanto, inclusive de gente que está longe de ser simpatizante do Partido dos Trabalhadores, dão conta de que um julgamento eminentemente técnico da causa - como deve ser - tem tudo para afastar os principais pontos da denúncia da Procuradoria-Geral da República.

Com efeito, paga mensal de parlamentares para votar com o governo, a justificar o nome "mensalão", é acusação que não se sustenta, por motivos já expostos em blogs "sujos" e mesmo em órgãos da imprensa "limpinha". O próprio Roberto Jefferson, aliás, numa de suas inúmeras intervenções recentes já admitiu ter simplesmente apelado para um recurso retórico, com o uso do famigerado vocábulo.

O uso de dinheiro público é outro aspecto grave e fundamental da denúncia que parece, também, não estar devidamente comprovado no procedimento instrutório da ação, embora a grande imprensa, fingindo-se de desentendida, omita esse e outros detalhes.

Por que oposição e mídia, a despeito da aparente fragilidade do processo, deposita tantas esperanças no julgamento?

Em primeiro lugar, acreditam na politização pura da decisão do STF, afinal aquela é uma Corte política, como dizem. Só há um problema com tal esperança: a ação penal 470 é um processo originário do STF, estando o Supremo, neste caso, agindo como uma corte criminal, portanto sem todo aquele peso político de que, principalmente em tempos recentes, se revestem as principais decisões da Corte.

Em segundo lugar, e mais importante, mídia e oposição são o que chamaremos de "mensalãodependentes", isto basicamente por dois motivos: o principal deles é a falta de projeto alternativo para o País seguido de  clara sensação de perda do bonde da história; o segundo porque, a despeito do massacre contra o governo do PT no campo ético - a única seara que restou à oposição -, a realidade é que, com a publicação do livro "Privataria Tucana" e o surgimento dos escândalos envolvendo Demóstenes e Perillo, o jogo começou a virar, deixando-os sem bandeira nas fileiras moralistas.

A esperança da oposição é que o risco de minguar ainda mais nas eleições municipais deste 2012 seja obstado pelo bombardeio em cima do superjulgamento do mensalão no STF, fazendo que sua superexposição traga prejuízos imediatos ao PT e a seus planos nas cidades em que concorre.

A mídia e a oposição não param por aí. Com um pouco mais de pretensão, a obsessão com o mensalão traz um sonho mais de longo prazo: a de que um resultado desfavorável ao PT e aliados, no julgamento, seja "comprado" pela opinião pública como um escândalo capaz de macular toda a era Lula.

Coisas como o vício, a mania e a dependência química, física e psicológica, como não poderia deixar de ser, são vistas como doença e, evidentemente, como algo bastante negativo. Mas a "mensalãodependência" não deve, a princípio, ser entendida como um quadro patológico a inspirar cuidados. De forma solidária e compreensiva, devemos pensar apenas o que seria da oposição e de sua mídia não fosse o apego ao mensalão como tábua de salvação.

sábado, 23 de junho de 2012

Eleições 2012 - São Paulo - PT e PP

A imprensa deleitou-se com fotos de encontro do ex-presidente Lula e do candidato do PT à prefeitura de São Paulo, Fernando Haddad, com o deputado Paulo Maluf. Destacaram, de forma intensa, o "acordo do PT com Paulo Maluf", nestes termos. Ou seja, para a imprensa ocorreu o acerto entre um partido político e uma figura política.

O enfoque escolhido pelos meios de comunicação tenta claramente proceder a uma distorção, com fins ideológicos. Em realidade, a aliança é entre PT e PP para a disputa da capital paulista. E nela, por lógico, não pode haver nada de muito estranho, haja vista que os dois partidos têm mantido civilizada convivência desde 2003, no primeiro governo Lula.

Destaque-se que, quando, há poucas semanas, o PR juntou-se ao PSDB na cidade de São Paulo, não se viram estampas do tipo PSDB se alia ao "mensaleiro" Valdemar da Costa Neto; tampouco houve quem tripudiasse sobre intelectuais tucanos terem que engolir Tiririca e Agnaldo Timóteo, ainda que somente pela corrida municipal deste 2012.

A aliança PT-PP, para fins eleitorais, com toda a simbologia da união, sacramentada por caciques tidos como díspares - Maluf e Lula - nada mais é do que um simples fato inserido no contexto histórico mais amplo que é o das combinações partidárias capazes de permitir resultados eleitorais inesperados e, principalmente, a garantir a tal da governabilidade.

Após a queda de Collor, parece que a caiu a ficha da necessidade de maior arrojo das coalizões. Para quem não se lembra, o ex-presidente Itamar Franco conseguiu, com a oposição do PT, até trazer para seu governo uma então estrela do partido, ninguém menos do que Luiza Erundina! Seu sucessor, Fernando Henrique Cardoso, sem maiores problemas aliou-se ao velho PFL; o mesmo FHC, na campanha de reeleição em 1998, a despeito de ter Mário Covas disputando o governo de São Paulo pelo PSDB, não viu problemas em aceitar o apoio -posando sorridente para fotos e tudo - do grande adversário do candidato de seu partido naquela ocasião: Paulo Maluf!

Pode-se até argumentar que talvez Lula e o PT estejam levando essa história de alianças e acordos ao paroxismo. Mas ela, com certeza, não é invenção do ex-presidente nem do seu partido. Aos trancos e barrancos, essa geleia geral tem permitido razoável governabilidade, a despeito dos entraves que provoca. Se é errada, o tempo dirá e julgará. E eventual condenação, num ambiente desapaixonado, por questão de justiça não poderá jamais recair somente sobre o Partido dos Trabalhadores e o seu mais importante fundador.


Leia também:
São Paulo 2012
Força do PT
Qual é a do PSDB

sábado, 16 de junho de 2012

Profissionais na CPMI

No dia 12.06.2012, prestou depoimento à CPMI do Cachoeira no Congresso Nacional o governador de Goiás, Marconi Perillo, do PSDB. De forma um tanto masoquista, assisti a um trecho. Minha impressão, já naquele momento, foi a de que o goiano não se saíra mal.

Na noite daquele dia, no programa Entre Aspas, da GloboNews, o cientista político José Álvaro Moisés e a historiadora Maria Aparecida de Aquino decretavam: a "performance" de Perillo tinha, de fato, sido relativamente boa.

Minha mulher, sempre irritada com as tucanices do canal do sistema Globo, tripudiou sobre o termo escolhido pelos convidados: "performance". Ora, como assim, performance?, perguntava ela. Por acaso se tratava de um show?

Pois bem. Obtemperei que, infelizmente, tudo talvez não passasse mesmo de um show. Arrisquei, bem no escuro, que o governador deveria ter treinado muito sua participação, ter se reunido por horas com marqueteiros, assessores, especialistas em imagens etc, daí ter conseguido "atuar" bem naquele "palco" montado no Congresso.

No dia seguinte, 13.06.2012, foi a vez de Agnelo Queiroz, do PT, governador do Distrito Federal, enfrentar  os deputados e senadores da mesma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito. Mais uma vez, excelente desempenho (quase disse performance).

Naquela mesma data, em telejornal noturno, dessa feita na RecordNews, o jornalista Luiz Monteiro relata a participação considerada bem-sucedida do governador do DF, surpreendente em razão de Agnelo ser apontado como homem "tímido", com dificuldades de expressão etc. Mas eis que havia explicação: nos dias anteriores, segundo o repórter da Record, o governador havia passado horas reunido com assessores da área jurídica e de comunicações, passando e repassando os temas que poderiam ser motivo de questionamento naquela sessão do Congresso. Confirmava-se, pois, minha suspeita quanto à justificativa para as boas "performances" dos governadores.

Não dá para imaginar "políticos profissionais" sem pensar em "profissionais da política". Estas pessoas debruçam-se sobre os temas, pressentem armadilhas, estudam estratégias; ensinam a aparecer em vídeo, a olhar para a câmera e o uso das palavras certas na hora certa; mostram as situações em que tem que parecer firme, ou fingir indignação, quiçá demonstrar humildade.

De se concluir disso que "pesos-pesados" na política tendem a oferecer muito pouco numa Comissão de Inquérito ou em qualquer outra Comissão importante do Congresso. Horas de ensaio e o envolvimento de, talvez, dezenas de profissionais levam a "atuações" que tendem a propiciar, no mínimo, a simpatia do grosso dos espectadores. A excelência dessas preparações tende, inclusive, a tornar cada vez mais sem graça os já não muito empolgantes debates eleitorais.

Neste quadro, não é descabida a seguinte pergunta: a convocação ou convite de nomes de peso do cenário político para depoimentos em CPIs ainda tem alguma serventia?

A resposta é sim. Serve ao menos para mostrar a correlação de forças. Se figura importante da oposição tem sua convocação aprovada, com o fim de que compareça para prestar esclarecimentos, decerto que se deduz haver ali um tento do governo, dos situacionistas e da base aliada. Depreende-se o contrário quando um bambambã ligado, de algum modo, ao grupo situacionista é chamado a dar explicações. Parece que não muito mais do que isso. Infelizmente.


sexta-feira, 8 de junho de 2012

Ray Bradbury (1920-2012)

Em 05.06.2012 morreu, aos 91 anos, o escritor estadunidense Ray Bradbury. Normalmente classificado como autor do gênero ficção científica, ele poderia, em verdade, estar mais associado à literatura fantástica em geral, com suas histórias de certo nonsense, denunciando de forma sub-reptícia alguma mazela de nosso cotidiano ou explorando nossos temores, alguns deles não muito confessáveis.

Sua principal obra, Fahrenheit 451, é um clássico das distopias, rivalizando com 1984 e Admirável mundo novo, entre outros. O romance, de 1953, insiste em não perder a atualidade e ao longo do tempo vem despertando renovado interesse inclusive em razão da versão cinematográfica de François Truffaut na segunda metade da década de 1960.

Neste nosso espaço, ousamos, em novembro de 2009, fazer uma relação entre o argumento do célebre conto A multidão e o açodamento midiático na exploração de eventos de grande repercussão nacional, normalmente com dissimulados objetivos políticos e anseios partidários, estes absolutamente inconfessáveis.

Colaremos abaixo, na forma de homenagem, aquele post de então, com alguns ajustes. Assim como nos trabalhos de Bradbury, apesar de passado algum tempinho, ele permanece - tristemente - atual.


SÁBADO, 14 DE NOVEMBRO DE 2009
Multidão de especialistas
No conto A multidão, de Ray Bradbury, o protagonista, ao sofrer um acidente de carro, incomoda-se com a rapidez da multidão que, poucos segundos depois, se avoluma em frente ao ocorrido. A personagem principal começa a reparar que o mesmo se dá noutras situações da mesma natureza, o que o leva a investigar o porquê de aparecer com tamanha rapidez uma massa humana de curiosos quando do acidente de automóveis.
No Brasil, em vez da multidão de Bradbury, o que provoca estranheza é o grupo de especialistas que surge em eventos de grande repercussão, como, por exemplo, acidentes de avião. Está certo que, em situação diferente da galera nas batidas de carro, eles só aparecem porque são convidados pelos meios de comunicação, os quais, na primeira hora, estão tão destituídos de informações precisas quanto qualquer do povo. O próprio especialista não sabe de nada, mas, mesmo assim, não abdica de lançar suspeitas (no caso dos mais honestos), ou proferir certezas e vaticínios (quando mais ávidos de minutos de fama) acerca do evento ocorrido.
No conto A multidão, a turbamulta, aproveitando-se do anonimato, e fingindo-se de desentendida, contraria a clássica orientação dos paramédicos e mexe nos acidentados, deixando-os com graves sequelas ou até mesmo os levando a morte. Os especialistas que aparecem nos meios de comunicação em situações de desastres também fazem-se de bobo; porém, de forma diferente da multidão do conto, que tenta se aproveitar da ignorância que em geral se lhe atribui, os experts, por seu turno, valem-se justamente de sua suposta autoridade, servindo, assim - dependendo da natureza do sinistro – como “idiotas úteis” para um ou outro propósito político.
Ressalte-se que não são só os especialistas; costumam lhes fazer as vezes também alguns jornalistas, cheios de opiniões e certezas, mesmo antes de apurados os fatos nos quais estão metendo o bedelho. A multidão do conto a que nos referimos - observa seu protagonista -,quando chega em poucos segundos ao local do acidente, decide se o sujeito vai viver ou se vai morrer. Tem ela, portanto, o que se poderia chamar de “utilidade”. Os especialistas também são, conforme já dito, deveras úteis: servem ao teste de hipóteses a que certa feita se referiu Ali Kamel, o mandachuva do jornalismo da Globo.
O acidente da TAM em 2007, todos hão de se lembrar, era, num primeiro momento, culpa do chamado “caos aéreo”, o que, em última instância, significava que era responsabilidade exclusiva do Governo Federal. Todavia, em tempo razoável, já se sabia que a tragédia tinha outras causas, não diretamente relacionadas com a crise naquele setor. Foi aí que veio o Sr. Kamel desculpar não somente a si próprio mas a imprensa em geral, dizendo que estiveram todo o tempo imbuídos das melhores intenções, pois enquanto persistiam dúvidas, os “patrióticos” meios de comunicação ofereciam, generosamente, “hipóteses” ao público sedento de informações.
No caso do blecaute de 10.11.2009 percebe-se situação semelhante. Como bem observado por Eduardo Guimarães, no Cidadania.com, foi digna de “surpresa” a rapidez com que os jornais conseguiram fechar suas edições, com vasta cobertura de problema ocorrido após às 22 horas do dia anterior. No rádio, poucos minutos depois, já se ouviam os palpiteiros dando ideias do que havia ocorrido, na lacuna das informações oficiais, chegando a responsabilizar os pobres que andam comprando geladeiras e outros eletrodomésticos, graças à isenção de IPI! Alguns deles, sem dúvida, são mais rápidos do que a multidão do conto de Ray Bradbury...!
Uma boa objeção: talvez a culpa seja das autoridades, que, a exemplo do próprio caso TAM, no dia do blecaute demoraram para dar satisfações oficiais do ocorrido. Mesmo dentre os mais equilibrados ou menos críticos ao governo brasileiro, há quem pense que a demora em se pronunciar leva à derrota da comunicação. Trata-se, com efeito, de observação perspicaz e de crítica bastante razoável. Entretanto, é bom ponderar que, diferentemente de jornalistas irresponsáveis e de sabichões empolgados com câmeras e microfones, as autoridades não podem – ou não devem - se dar ao luxo de fazer uso de “achismos” inconsequentes antes da apuração dos fatos.
Há, pois, que se dar um desconto, afinal o governo e seus técnicos, no caso, são como as equipes de resgate em acidentes de carro: muito dificilmente conseguem chegar antes da “multidão”!

Para os interessados: A multidão está presente na seleção de contos O país de outubro, lançada pela editora Francisco Alves em 1981, juntamente com outras dezoito histórias do escritor estadunidense Ray Bradbury, autor do clássico Fahrenheit 451 e roteirista do filme Moby Dick, dirigido por John Huston em 1956.



sábado, 2 de junho de 2012

Mídia ou... Mídia!

Em abril de 2009, este blog publicou uma postagem acerca de bate-boca no Supremo Tribunal Federal envolvendo os ministros Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes, este então presidente daquela Corte. Para entender a polêmica daquela época, clique aqui.


E em semana que mais uma vez Gilmar Mendes não apenas protagoniza caso que ganha a mídia (entenda um pouco aqui), mas ocupa, ele mesmo, muito espaço nos meios de comunicação, convém reproduzir aquele nosso texto de 2009, até porque ele parece, infelizmente, bastante atual. Confira:


DOMINGO, 26 DE ABRIL DE 2009
Mídia ou rua?
Estar nas ruas é uma coisa; estar na mídia é outra. É o que se pode depreender da censura do ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa dirigida ao presidente daquela corte, Gilmar Mendes (o leitor deve ter acompanhado).
Não se tratava de uma mera constatação, mas de uma crítica – por que não dizer um ataque – dirigida ao ministro Gilmar Mendes. Por isso, não nos parece despropositado supor que Joaquim Barbosa quis também dar uma cutucada na mídia. Foi como se ele dissesse que sair às ruas é bom; por outro lado, estar na mídia...
Creio que a assim chamada grande mídia, aquela representada pelas grandes oligarquias do setor, sentiu o golpe, tanto que deixou transparecer alguma simpatia por Gilmar Mendes e não escondeu certa reprovação (quem são eles?) por Joaquim Barbosa.
Não é caso de se entrar no mérito da questão que se discutia naquela sessão – que isso fique para os juristas e para as partes envolvidas na pendenga. Mas é bom ver se realmente a pobre da mídia merecia mesmo ter sido chamada a protagonizar tão áspero diálogo na mais alta instância do Poder Judiciário brasileiro.
Apenas um fato já seria suficiente para dar razão a Barbosa na sua indireta crítica aos meios de comunicação. E ela vem justamente da falta de ressonância de uma ousadia do ministro contra o presidente do Supremo. Ele disse qualquer coisa a respeito de capangas do Mato Grosso. Por que a mídia não foi atrás de saber do que se tratava, perguntou um atônito Luciano Martins Costa noObservatório da Imprensa. Não se trata de prejulgar nem de levar a sério a insinuação de Joaquim Barbosa; mas seria aplicação do bom jornalismo correr atrás de fatos e desnudá-los para que o cidadão que acompanha o caso não ficasse, digamos, “boiando”. Reparemos que, em virtude disso, o sempre sarcástico Mino Carta sugeriu que a revista que edita deve figurar entre as leituras de Barbosa!
E a mídia e as ruas, como ficam? Ora, basta ver os resultados das eleições presidenciais de 2002 e 2006; se não for o bastante é só acompanhar o índice de popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva: de fato, o descompasso entre mídia e rua é algo colossal, não?
Mas é claro que não se quer que a mídia (os formadores de opinião) tenha sempre posições que sigam as ruas, afinal não nos esqueçamos do maciço apoio popular de que gozava o nazismo na Alemanha, por exemplo, ou, em nível doméstico, lembremo-nos de como tende a se posicionar a população em relação a questões de direitos humanos. A sugestão seria que, para a mídia, estar nas ruas é fazer jornalismo de verdade, relatar fatos, não editorializar matérias, pautar-se pelo máximo equilíbrio possível, tomar partido se for o caso, mas de forma clara e de maneira honesta com o leitor - em suma, é basicamente seguir os manuais de redação da maioria dos órgãos!
Mas, para finalizar, as ruas bem que poderiam fazer uma observação e emendá-la a uma pergunta: não há, em princípio, maiores problemas no fato de o presidente do STF aparecer muito na mídia, afinal ele é pessoa pública e suas opiniões bem podem ser de grande interesse; mas, pergunta-se, por que ele tem tanto espaço na mídia? O que o leva a aparecer mais do que os presidentes anteriores? Deve haver alguma resposta – e pode até não haver nada de mais nela. Mas “as ruas” mereceriam saber...



sábado, 28 de abril de 2012

Cotas raciais - reprodução de texto de 2008

Em vista da histórica decisão do Supremo Tribunal Federal nesta semana, considerando constitucional a adoção de cotas raciais em exames vestibulares, republicaremos texto acerca do assunto aqui postado em 2008. Naquela época, foram entregues a Gilmar Mendes, então presidente daquela Corte, um manifesto contrário e outro favorável à adoção do sistema de cotas. Pretendíamos ter escrito mais sobre o assunto, tanto que aquela postagem foi classificada como primeira parte da discussão. Lamentavelmente não o fizemos. Agora, felizmente talvez não seja mais necessário. Reproduzamos aquele texto, então.


DOMINGO, 10 DE AGOSTO DE 2008

 O STF estará julgando em breve uma ADIN representada contra a lei de cotas nos concursos vestibulares das universidades estaduais do Rio de Janeiro. Por conta disso, foram apresentados àquela Corte dois manifestos assinados por nomes importantes da sociedade civil brasileira, um contrário ao sistema de cotas e outro favorável. O documento anticotas intitulava-se “113 Cidadãos Anti-Racistas Contra as Leis Raciais” e conta entre os seus signatários com gente como Aguinaldo Silva, autor de telenovelas da Rede Globo, e Reinaldo Azevedo, jornalista da revista Veja. O texto é bem escrito, mas peca pela excessiva auto-indulgência. A todo momento lembrando o leitor de que não são racistas, os manifestantes mais parecem aquela personagem do conto Arranjo em branco e preto, da escritora norte-americana Dorothy Parker!
 Do outro lado, o “Manifesto em Defesa da Justiça e Constitucionalidade das Cotas” é assinado por, entre outros, Oscar Niemeyer, pelo jurista Fábio Konder Comparato e pelo teatrólogo Augusto Boal. Apresentado no Supremo após a entrega do manifesto anticotas, o documento, mais do que uma defesa, é um contra-ataque aos argumentos apresentados pelos antagonistas.
 Sem dúvida que é inquietante a celeuma provocada pela simples alusão às cotas nos concursos vestibulares. Inquietante e incompreensível. Afinal, o Brasil é, de forma geral, um país altamente tolerante com o sistema de cotas e reservas. Não se ouve falar de oposição organizada à reserva de vagas para portadores de deficiência física em concursos públicos. Tampouco se sabe de ações judiciais contra a obrigatoriedade de se assegurar um mínimo de candidatas mulheres por partido político (embora, nesse caso, o legislador tenha sido inteligente em não assegurar um mínimo de vagas para um dos sexos, mas antes evitar que qualquer um deles obtenha mais do que 70% das candidaturas, mas ninguém é ingênuo o suficiente a ponto de não perceber que, em última análise, a lei protege a mulher na política). Os anticotas tentam desqualificar os argumentos que usam tal analogia, mas não conseguem demonstrar claramente que eles não têm no mínimo a mesma raiz (por isso talvez a quase paranóica necessidade de ter de demonstrar que sua posição contrária às cotas para negros nos vestibulares não tem nada a ver com racismo). 
O portador de deficiência por óbvio que depara com grandes dificuldades de entrar no mercado de trabalho, daí a “discriminação inversa” da reserva de vagas nos concursos para ingresso no setor público. E historicamente a mulher ficou relegada a um segundo plano no quadro político do país, sendo necessária alguma compensação que tente minimizar tal desequilíbrio. Mas tanto os portadores de deficiência quanto as mulheres precisam efetivamente participar dos respectivos processos seletivos ou de escolha a que se submetem, e independentemente de qualquer reserva de vagas, são obrigados a obter resultados mínimos ou apresentar características que estão enquadradas no já consagrado - ainda que discutível - princípio do mérito.
 O mesmo se dá com a questão do negro na sociedade em geral e no campo escolar em particular. Os dados estatísticos comprovam - mas mesmo sem eles qualquer observação empírica denuncia - que a participação do negro na riqueza do Brasil e no universo escolar é desproporcional ao seu contingente geral no país. O sistema de cotas é apenas um pequeno passo na tentativa de se alterar tal realidade, a qual tem origem não somente nos árduos anos de escravidão, mas talvez principalmente na não-inserção do negro na sociedade brasileira pós-abolição. E a exemplo dos deficientes nos concursos públicos, e das mulheres nos partidos políticos, os negros beneficiários dos sistemas de cotas são obrigados a também ter desempenhos mínimos para ingressar nos cursos no número de vagas que lhes couber.
 E por falar em mérito, vale recorrer a Peter Singer (ele de novo!), que no seu indispensável Ética prática questiona por que apenas a inteligência é usada nos concursos de ingresso nas universidades. O filósofo sustenta que outras qualidades ou características são também fundamentais para as mais diversas atividades e, portanto, poderiam ser usadas como critério de admissão de estudantes. Indo além, Singer alega que a seleção pelos testes de inteligência pode ser enquadrada no mesmo nível de qualquer outra utilizada pelos programas de “discriminação inversa”. Noutras palavras, se as universidades passassem a usar outro critério para fomentar seus programas de ação afirmativa em vez dos tradicionais testes que supostamente medem a inteligência, estariam apenas mudando sua política, e se isso trouxesse descontentamento, seria apenas a choradeira típica dos beneficiários do modelo anterior. Ainda sobre isso, o texto em defesa das cotas marca um de seus melhores tentos ao asseverar que “uma sociedade democrática sabe que o mérito deve ser um ponto de chegada e não um ponto de partida”. (grifo nosso)
(...).

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Eleições municipais - São Paulo 2012 - Qual é a do PSDB?

No primeiro texto voltado às eleições municipais de 2012 em São Paulo, comemoramos o fato de José Serra ter decidido não participar do embate. Tratava-se de um claro avanço, haja vista a necessidade de a cidade ser administrada por alguém realmente interessado e disposto a enfrentar seus problemas, não por alguém que pretenda usá-la como trampolim ou, quiçá, a enxergue como mero prêmio de consolação, ante as derrotas em nível nacional.

A história todos conhecem: após ter afirmado que não disputaria a eleição municipal de 2012, José Serra voltou atrás, participou das prévias do PSDB que já estavam marcadas, venceu-as de forma um tanto decepcionante e acabou por trazer nova cara ao pleito deste ano.

José Serra não é novo nas disputas municipais na capital paulista, delas participando em 1988 e 1996, com resultados não muito estimulantes. Em 2004, todavia, conseguiu levar seu partido pela primeira vez ao comando da maior cidade do País. Parece ter sido resultado de processo que já vinha se construindo de forma gradativa, como veremos.

Ao contrário do que a mídia e o burburinho do dia-a-dia nos querem fazer acreditar, o Partido da Social Democracia Brasileira não chega a ter uma história marcante no município, em linhas gerais. Desde a fundação do partido - o que se confunde com o período da pós-redemocratização do País -, o PSDB somente chegou ao segundo turno em eleições na cidade de São Paulo no ano de 2004, justamente com Serra, que se saiu vitorioso naquele pleito. Como já tivemos a oportunidade de mostrar, o PT é o único partido que sempre esteve na briga final.

Entre 1988 e 2000, a disputa foi clara, numa franca polarização ente o PT e a corrente conhecida como malufismo. Era a peleja entre esquerda e direita. Em 1988, bem na reta final, Luiza Erundina (então do PT) atropela Paulo Maluf; em 1992, Maluf dá o troco, batendo Eduardo Suplicy (PT), no segundo turno; em 1996, sem o instituto da reeleição, Maluf lança seu secretário Celso Pitta como candidato, que consegue vencer a ex-prefeita Erundina (ainda no PT); finalmente, no ano 2000, apesar do fracasso retumbante da administração Pitta, o malufismo ainda demonstrou algum resquício de força, com seu patrono conseguindo abocanhar mais de 40% dos votos no segundo turno contra a vitoriosa Marta Suplicy, do PT.

O insistente Maluf, em 2002, na disputa pelo governo do estado de São Paulo, foi ultrapassado por José Genoíno, do PT, não conseguindo, pela primeira vez desde a instituição da eleição em dois escrutínios, chegar ao segundo turno da disputa estadual - sinal de que havia mesmo algo de estranho com o fenômeno do malufismo, cujo patrono só ficara de fora de um segundo turno em 1994 (não disputou o cargo naquele ano). Em 2004, na disputa municipal, Maluf consegue apenas um terceiro lugar, deixando o segundo turno ser disputado por Marta e Serra. Com tal resultado, não restava dúvidas de que o malufismo já não era mais o representante hegemônico do conservadorismo paulista e paulistano.

O PSDB, talvez sem querer, talvez sem o perceber, começa a ocupar o espectro mais à direita da política paulistana. Em 2008, embora disputando a corrida municipal com um nome de peso - nada menos que Geraldo Alckmin -, o partido, repetindo o aspecto mais comum de sua saga na cidade de São Paulo, ficou apenas no terceiro lugar. Não se pode olvidar, entretanto, que a reeleição de Kassab naquele ano se deu com o apoio explícito do PSDB no segundo turno e velado no primeiro - caso clássico de cristianização, sofrido por Alckmin. Dê-se um desconto, portanto, aos que consideram o feito de Kassab quase como uma vitória tucana.

Muitos entendem ser o conservadorismo a principal característica do que se pode chamar de "eleitor médio" paulistano. Eleição após eleição, foi-se vendo o malufismo perder força e o PSDB ocupar os espaços mais à direita no campo político paulistano. O partido de FHC, Covas e Serra não surgiu com tal proposta ou vocação. Talvez tenha sido empurrado para este lado por representar, em nível nacional e em diversos lugares também na seara estadual, o antipetismo, posição que ostenta por normalmente enfrentar o Partido dos Trabalhadores nas principais eleições pelo País.

A ocupação dos flancos à direita pelo PSDB, como dito, deu-se de forma bastante paulatina, talvez imperceptível e - ousaria dizer - surpreendente até para muitos de seus membros. Aos poucos, seus integrantes e correligionários foram aceitando essa nova cara do partido. Verdade seja dita, quem parece hoje melhor entender que ao PSDB pouco sobra senão tentar correr por essa vereda é mesmo José Serra, o que por si só já basta para classificá-lo como fortíssimo candidato na disputa deste ano.

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Eleições municipais - São Paulo 2012
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sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Eleições municipais - São Paulo 2012 - Força do PT

Em comentários no mês de agosto e setembro de 2011, Lucia Hippolito, colunista da CBN, qualificou a cidade de São Paulo como uma fortaleza antipetista. Decerto que ela não é original ao pensá-lo e, ainda pior, há inúmeros petistas que pensam igual, talvez até o ex-presidente Lula. Aliás, a constrangedora movimentação em busca da aliança com Kassab parece advir dessa suposição.

A análise histórica, no entanto, parece indicar situação muito diversa. Ao contrário do que sustentam os conservadores - com tanta firmeza que até conseguem engambelar petistas históricos -, o Partido dos Trabalhadores é talvez a única força política realmente coesa na complexa cidade de São Paulo após a redemocratização do País. Vamos aos fatos.

Na última eleição em turno único, em 1988, Luiza Erundina surpreendentemente bate Paulo Maluf e ganha para o PT a prefeitura da maior cidade do Brasil. Em seguida, os pleitos passariam a ser disputados com a possibilidade de realização em dois turnos. Na capital paulista, desde então, todas as disputas iriam para o segundo turno. O Partido dos Trabalhadores, se nossa memória não nos trai, foi o único partido que esteve presente em todas as pendengas finais.

Em 1992, apesar de todas as dificuldades enfrentadas por Luiza Erundina, o PT conseguiu, com Eduardo Suplicy, ir para o segundo turno contra Paulo Maluf, que, depois de diversas tentativas, finalmente vence uma eleição - era talvez o auge do paulistíssimo fenômeno do malufismo.

Em 1996, Maluf aposta todas as suas fichas em seu secretário Celso Pitta, que, no segundo turno, enfrenta e vence a ex-prefeita Luiza Erundina, na época ainda no PT. Era o Partido dos Trabalhadores mais uma vez no segundo escrutínio na cidade de São Paulo, e novamente enfrentando o malufismo.

Em 2000, para variar um pouco, o PT mais uma vez chega ao segundo turno na disputa pela prefeitura de São Paulo, naquela feita com Marta Suplicy, que vence Paulo Maluf. A briga acirrada talvez tenha sido dos últimos suspiros do malufismo.

Administrando uma verdadeira herança maldita deixada por Pitta, a petista Marta enfrentou uma série de problemas, mas mesmo assim conseguiu, em 2004, ir para o segundo turno, sendo derrotada por José Serra, à época beneficiado pelo chamado recall, eis que candidato à presidência da República dois anos antes.

Gilberto Kassab herda a prefeitura de Serra, que renuncia para candidatar-se a governador em 2006, e, após uso eficiente da máquina (atenção: não é necessariamente uma crítica), vai para o segundo turno do pleito de 2008, mais uma vez com o PT na disputa, novamente com Marta, derrotada outra vez.

Como se vê, precisava avisar os eleitores paulistanos que a cidade é fortaleza antipetista e pedir para eles pararem de levar os candidatos do Partido dos Trabalhadores para as cabeças das disputas municipais!

De se destacar que o principal antípoda do PT em nível nacional, o PSDB, apesar da hegemonia no estado, somente chegou ao segundo turno na capital paulista uma única vez, justamente quando Serra bateu Marta em 2004. Importante lembrar que Kassab em 2008 elegeu-se pelo DEM, inclusive superando, na reta final do primeiro turno, o candidato peessedebista - reparo fundamental, pois erroneamente alguns tentam creditar aos tucanos a vitória do então demista, o que não é verdade, noves fora a cristianização de Alckmin.

Frise-se, ademais, que, nesses anos todos, o PSDB não tem enfrentado as disputas municipais com "galinhas mortas". Serra e Alckmin, a exemplo do que fazem em nível estadual - e mesmo federal - são os tucanos que nas últimas corridas municipais representaram o partido. Mesmo assim, excetuando 2004, encontram dificuldades de, diretamente, superar o PT em São Paulo.

Outro importante registro histórico: em 1985, na primeira eleição direta pós-redemocratização, o PT alcançou apenas o terceiro lugar, com Eduardo Suplicy. A vitória foi de Jânio Quadros, num surpreendente arranque final contra Fernando Henrique Cardoso, na época ainda do PMDB. Cuidado, leitor, pois não falta quem tente dizer que aquele segundo lugar de FHC é feito do PSDB. Como dito, não é: o homem ainda não tinha, naquela época, motivos para cair fora do PMDB.

Soa estranho, portanto, o tão bem articulado discurso que tenta provar que a cidade de São Paulo tem ojeriza contra o PT. Assim como parece incompreensível que o próprio partido já se apresente com a ideia de que realmente acredita não ter a cara da nossa maior metrópole.

O eleitor paulistano talvez seja mesmo antipetista. Entretanto, ele decerto ainda não sabe!

sábado, 28 de janeiro de 2012

Eleições municipais - São Paulo 2012

No último 25 de janeiro a cidade de São Paulo completou 458 anos de vida. Em ano de eleições municipais, o melhor presente que a cidade pode receber é alguma reflexão sobre o que o pleito deve representar para sua realidade e seu futuro.

Esta corrida eleitoral de 2012 parece que guardará diferenças significativas em relação à disputa de 2008. Há quatro anos, nossa preocupação era com o protagonismo de políticos que pareciam não ter na chefia da administração municipal o maior significado de suas vidas. O PT apresentava-se, então, na briga com Marta Suplicy, ex-prefeita e nome sempre cotado para o governo do estado, pelo que talvez, se eleita, não hesitasse em abandonar a prefeitura para disputar o outro cargo; já o PSDB naquela feita pleiteava o comando do município com Geraldo Alckmin, que já tinha sido governador e fora candidato à presidência da República, nome que decerto não se contentaria com o "rebaixamento" do cargo de prefeito.

Em 2008, por incrível que pareça, a vitória de Kassab talvez tenha premiado o candidato que, naquele momento, era o mais comprometido com o município, aparentemente menos interessado em usar a prefeitura de São Paulo como trampolim para interesses políticos maiores - bem, o "praticamente" abandono da cidade com vistas à criação do PSD veio a demonstrar que tal cálculo também estava errado! Pobre São Paulo e sua sina...

A despeito do negativo exemplo de Kassab, este pleito de 2012 pode ter como diferencial justamente a presença de candidatos que, num primeiro momento, não parecem granjear objetivos eleitorais em instâncias maiores. O único nome certo no páreo é Fernando Haddad, do PT, ex-ministro da Educação nos governos Lula e Dilma, que, a exemplo da sua "chefe" mais recente, nunca disputou uma eleição antes. Também ex-secretário de Marta Suplicy, Haddad não é neófito nas coisas da máquina municipal. Tudo indica que sabe o que está fazendo e, principalmente, querendo. No partido de gente como Marta, Mercadante, Ruy Falcão, não se pode desde já supor que, em 2014, um fortalecido Haddad, se o caso, abandonaria a cidade de São Paulo para candidatar-se ao governo do estado. Merece o benefício da dúvida, pelo menos.

O PSDB ainda não tem nome definido. O partido deve passar por prévias. Decidido, por enquanto, está que José Serra não será o candidato. Ótimo para a cidade, uma vez sabido que o ex-governador não abandonou o sonho de levar a presidência da República. Se disputasse a corrida de 2012, fá-lo-ia meramente de olho em ter um cargo somente para ganhar visibilidade, com vistas à corrida presidencial de 2014. Convenhamos, uma megalópole de 12 milhões de habitantes precisa de um governante verdadeiramente comprometido com seus rumos. Não seria, obviamente, o caso de Serra. É reconfortante, pois, saber que o PSDB, a exemplo do PT, não se apresentará ao eleitor paulistano com um "escalista eleitoral".

O quadro na cidade para este 2012, portanto, ainda está bastante indefinido. Como exposto, a poderosa força política representada pelo PSDB ainda não tem candidato; não se sabe, por enquanto, o que Kassab e o seu PSD farão; o famigerado PMDB e seu Gabriel Chalita também ainda não deixaram claro o que farão; apesar de pesquisas favoráveis, não dá para vislumbrar que dimensão tomará o apoio do ex-presidente Lula a Fernando Haddad; quanto a Haddad, impossível também dimensionar como o seu desempenho no ministério da Educação afetará seu resultado eleitoral: este blogueiro, por exemplo, considera a atuação dele naquele ministério bem acima da média, mas, de outro lado, tem um esforço do aparato midiático em provar o contrário. Aguardemos.

É inegável que a capital de São Paulo apresenta forte tendência conservadora. É perceptível também, sobretudo nos chamados estratos médios, um certo antipetismo, como já até defendido por colunistas da grande mídia, além de notória insensibilidade social. Entretanto, resultados históricos recentes - aliados à sempre crescente complexidade geográfica e demográfica da metrópole - permitem enxergar outras nuanças e, consequentemente, variar os tipos de análise. Fica para um próximo post.

sábado, 21 de janeiro de 2012

Etta James (1938-2012)

A cantora norte-americana Etta James completaria 79 anos de idade em 25 de janeiro. Não deu tempo. Uma das grandes divas da música popular estadunidense do Século XX faleceu no dia 20.01.2012.

Etta James passeava com muita facilidade entre o soul, o jazz, o blues e o rhythm'n'blues. Sua linha era das cantoras de estilo mais vibrante e agressivo, diferenciando-se, sob esse aspecto, de algumas outras estrelas da música negra suas contemporâneas. Não por acaso o melhor de seu trabalho, nas décadas de 1960 e 1970, foi cometido para o selo Chess, celeiro dos trabalhos mais marcantes do blues de Chicago, ou produzido em Muscle Shoals, no Alabama, sob a batuta do produtor Rick Hall, cujos estúdios eram conhecidos pela mistura bem equilibrada de blues, rock e soul, não raro com alguma pitada de country.

A peculiaridade desse seu estilo - mais "sujo", por assim dizer - não era meramente casual, como sugere pequena história que vamos aqui ventilar. Não raro passa nalguma TV fechada aqueles famosos documentários, segmentados em capítulos, dedicados à história do Rock ou da música pop. Num dos episódios, justamente voltado à soul music e - salvo engano - com destaque às mulheres, a nossa Etta James revela jamais ter gostado das Supremes, de Diana Ross. Num gesto hilário, ela cantarola, num estilo sarcasticamente lânguido, o clássico "Baby Love", megahit do trio. Desse modo, sem conhecer Etta James, qualquer ouvinte já intuiria ser ela, naquele final dos anos 1960, na sua melhor fase, adepta do soul mais áspero, portanto mais próxima da linha da Stax/Volt do que da Motown.

Sintomaticamente, Etta influenciou cantoras de rock que bebiam muito da fonte do soul e do blues, dentre as quais Janis Joplin, Bonnie Raitt e Christine Perfect; vai lá, ouvem-se alguns ecos esparsos até mesmo em Amy Winehouse e Adele!

Abaixo, ouviremos trecho de gravação perpetrada em 24.08.1967, que faz parte do rol dos trabalhos feitos em Muscle Shoals. Trata-se de "Tell Mama", composição do soulman Clarence Carter, também gravada por Janis Joplin. Ouça Etta James, com nossas saudades.