sábado, 12 de junho de 2010

Oliver Stone - Ao Sul da Fronteira


Em cartaz nalgumas raras salas alternativas, o documentário Ao Sul da Fronteira (South of the Border), dirigido por Oliver Stone, pode ser tomado como uma espécie de “direito de resposta” dos líderes de esquerda latino-americanos. À exceção do cubano Raul Castro, os entrevistados do cineasta estadunidense – todos eles presidentes sul-americanos – ascenderam aos seus postos como resposta popular a séculos de descaso das elites, em especial a políticas que tiveram sua culminância no descalabro neoliberal que reinou em seus países nas décadas de 1980 e 1990.

Destacam-se no filme os presidentes Lula, Rafael Correa (Equador), Fernando Lugo (Paraguai), Cristina Kirchner (Argentina). Tem-se, também, a oportuna participação do ex-presidente argentino Nestor Kirchner, com sóbrias opiniões, inclusive acerca de Hugo Chávez. Mas as duas principais “estrelas” são exatamente o venezuelano Chávez e o boliviano Evo Morales. Não por acaso, os dois últimos são os que mais sofreram ataques do fundamentalismo de direita dos Estados Unidos, especialmente do fomentado pela mídia.

Stone faz um belo apanhado da história recente da Venezuela, passando pelas tentativas de golpe, tanto a perpetrada pelo então coronel Hugo Chávez Frias, quanto a que ele, como presidente legitimamente eleito, sofreria em 2002, por obra de grupos que se organizaram com o apoio externo dos Estados Unidos e, internamente, em torno da mídia. No caso deste último, o cineasta valeu-se das informações e imagens já utilizadas no imperdível documentário The Revolution Will Not Be Televised, facilmente encontrável no YouTube.

Com Evo Morales, o cineasta deve ter provocado enfartes nalguns adeptos do Tea Party, ao consumir um punhado de folhas de coca enquanto ouve o boliviano falar da importância de se ter o domínio sobre os recursos naturais, justo no país que teve a própria água privatizada em favor de uma empresa americana, sob regras que proibiriam as pessoas de armazenar a água da chuva! Já em um momento de descontração, jogam um pouco de futebol.

Como uma não identificada personagem do filme está uma instituição: a imprensa. O que Stone parece tentar fazer é justamente desvelar a mistificação que a mídia procura impingir a esses presidentes latino-americanos. Trata-se de um acerto do diretor buscar entender a importância dos meios de comunicação nesse processo. Com efeito, os oposicionistas de direita ou de centro-direita na região encontram-se fragilizados, sem discurso. Por isso a mídia se arvora no papel de fazer as vezes de oposição política. É difícil para os políticos defender um legado de privatizações, de submissão ao FMI, de desregulamentação no mundo do trabalho; a mídia, ao contrário, não tem pudores de proteger tal modelo, mesmo sabendo – ou talvez exatamente por isso – que isso só encontra eco numa parcela ínfima da população, sobretudo entre os mais bem aquinhoados.

E é justamente de imagens tiradas de programas jornalísticos da TV americana que se têm os momentos mais hilários do documentário. Alguns depoimentos e notas são tão cômicos no radicalismo de direita que chegam a se parecer com as extraordinárias sátiras do professor Hariovaldo de Almeida Prado. Neste particular, Stone aproxima-se de seu conterrâneo Michael Moore, que sempre usa dos recursos do sarcasmo e da ironia para expor parte do absurdo do ideário político conservador. Moore, aliás, aparece no documentário em imagens tiradas de uma sua participação na CNN, descascando para cima do âncora Wolf Blitzer, acusando toda a mídia pelo endosso às mentiras de George W. Bush acerca do Iraque.

Uma crítica fácil seria imputar certa falta de objetividade ao diretor, acusando o viés ideológico do filme. Poder-se-ia, em vista disso, argumentar que não seria difícil produzir um documentário demonizando os governos retratados por Oliver Stone. Ora, como apontava o filósofo Isaiah Berlin, política é acima de tudo ideologia, devendo-se desconfiar das tentativas de a ela atribuir caráter científico. De qualquer forma, Stone documenta, apresenta dados confiáveis, exibe “confissões” de jornalistas.

De todo modo, aquele que assiste ao filme pode dele gostar ou não, pode levá-lo a sério ou não. O mais importante é que, no fim das contas, um cineasta norte-americano, ironicamente, é quem dá voz a políticos que, de alguma maneira, são censurados pela mídia de seus próprios países.

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