Por ocasião do grande sucesso da Holanda na Copa do Mundo 2010, a Record News exibiu reportagem destacando uma cidadezinha do país, toda enfeitada com a cor laranja. Chamou a atenção o fato de as residências, o comércio e até os automóveis estarem alaranjados. Pelo que mostrou no vídeo, não se viam pinturas do vibrante colorido nas calçadas ou no asfalto.
No Brasil, em época de Copa do Mundo, costuma-se liberar a fera patriótica adormecida em cada brasileiro e as cores verde e amarelo ganham a paisagem. Diferentemente da Holanda, não se veem, todavia, as paredes ou muros de casa muito decorados; antes as cores do País vão parar preferencialmente nas guias, no passeio público e no leito carroçável dos bairros.
É uma questão cultural. Se não estou enganado, Roberto da Matta tem um trabalho que justamente trata das maneiras diferentes com que se pode lidar com a "casa" e a "rua" e suas possíveis implicações. E se a reportagem da Record não foi muito simplista e superficial, dá para imaginar que os holandeses são mais preocupados com o espaço público do que somos nós brasileiros.
A cidade de São Paulo conta com uma legislação de posturas municipais por demais rígida, proibindo - caso mais uma vez não nos enganemos - intervenção de particulares no leito carroçável. Evidentemente ninguém dá a mínima: não só a galera exagerou nas pinturas no asfalto, como, para fazê-lo, teve que fechar, sem prévio aviso às autoridades, as ruas. Estranhamente, não se viu ninguém reclamando - e olha que os motoristas estão sempre prontos a choramingar quando, por qualquer motivo, são impedidos de trafegar em uma via qualquer.
Os holandeses da pequena cidade exibida na reportagem tiveram iniciativa difícil de imaginar aqui no Brasil: coloriram a própria casa e meteram tinta nos seus automóveis. Façamos um exercício: imagine o mesmo sujeito que perdeu algum tempinho pintando as vias de São Paulo jogando tinta verde e amarela nas paredes da própria casa ou, pior, passando uma demão de cores da nossa bandeira no capô do carro. Impensável, não?
Nossa cultura é mesmo assim: da casa para a rua tudo é permitido; do portão para dentro a coisa muda. O leitor decerto lembrar-se-á dos próprios pais que recriminam o uso de palavrões dentro do lar, mas, se o filho quiser falar tais "besteiras" na rua, tudo bem!
A confusão do público e privado advém daí, sem dúvida. Ao pintar guias e asfalto sem licença do poder constituído, trato aquilo que é público não tanto como se fosse particular, mas, pior, trato-o como se fosse terra de ninguém. Algo que até poderia ser bacana, se, de outro lado, os cidadãos fizessem isso por sentirem-se, em conjunto, "donos" do espaço público, o que, convenhamos, em absoluto não ocorre.
Já na Holanda parece que se preservou o espaço eminentemente público, ao passo que se reservou para o âmbito privado a exibição, na forma de cores e enfeites, do orgulho e amor à pátria.
É, portanto, da relação do público e privado que se trata. Brasil e Holanda parecem diferentes nessa abordagem, ao menos quando tomados tão isolados exemplos. Pergunta: qual das duas formas de encarar o público e o privado é mais culturalmente compatível com a corrupção?
Não é sobre liberdade (e eles sabem disso)
Há 5 semanas
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