domingo, 7 de agosto de 2011

CDs: não se deixe programar pela obsolescência

Logo quando os CDs começaram a se popularizar no Brasil - devagar, devagarinho - no início da década de 1990, alguns puristas e vinilófilos radicais saíram dizendo que em não mais do que dez anos os registros dos "discos-laser" simplesmente desapareceriam. Como nada aconteceu em tal período, falaram que seria em 15 anos. Tendo continuado a tocar os disquinhos, subiram para 20 anos. E quem tem CDs fabricados ainda no final dos anos 1980 pode confirmá-lo: os dados não sumiram coisa nenhuma.

Dia desses, um amigo teorizou que, no fundo, o sumiço dos dados não é, em absoluto, o grande problema. Ele apresentou o que seria para ele o verdadeiro motivo para não se gastar dinheiro com CDs originais: em breve, não somente a mídia será substituída por outra forma - inclusive "virtual" - mas também não será possível botar para rodar os itens da coleção, pelo simples motivo de que não haverá aparelhos para reproduzi-los. Quer dizer: os registros estarão lá no disco, mas de nada vai adiantar porque não haverá máquinas para decodificá-los, por assim dizer.

Na mesma hora lembrei-me de um episódio dos Simpsons, em que aparece um depósito de lixo no qual consta um espaço dedicado para "betacam", outro destinado para VHS, ambos já devidamente abarrotados de objetos, e um terceiro, ainda vazio, "reservado para DVDs".

Meu amigo e os Simpsons estão a tratar do famigerado fenômeno da obsolescência programada, assim definida no Dicionário de Economia, de Paulo Sandroni (São Paulo: Best Seller, 1989): se dá quando "a produção industrial determina de antemão o período de durabilidade de um produto(...), frequentemente se chega a preparar um desgaste artificialmente curto para obrigar os consumidores a uma reposição mais rápida do produto".

Aceitando que, com efeito, não é de se descartar a hipótese de sumirem os aparelhos apropriados para se ouvir CDs, há de se buscar um bom motivo para adquirir essas maravilhas. Quanto à música, criação humana, sempre se terá uma forma de a ela ter acesso e em algum lugar ficará guardada, nem que seja num museu, e certamente com a gravação de que gostamos. Mas e os CDs, objeto físico, forma tangível?

Uma boa desculpa para não abandonar o hábito de adquiri-los talvez seja comprar aqueles que - mais uma vez apropriando-se da linguagem dos economistas - tenham maior valor agregado, digamos assim. No caso, as edições com reprodução de capas originais, textos novos e da época, fotos inéditas, serviços completos das gravações etc.

Coleções como a Rudy Van Gelder Series, do selo Blue Note, a Columbia Legacy, da Sony-BMG, Atlantic Jazz Masters, com a turma da Rhino, entre outros, são ótimas pedidas. Os encartes dessas edições são praticamente livretos. Na RVG, da Blue Note, por exemplo, as fotos destacam preferencialmente os músicos da sessão, e não o artista que a lidera, e além do texto original, traz uma nova leitura do expert Bob Blumenthal. Na Atlantic Jazz Masters, por seu turno, tem-se o fac-símile da contracapa, mas para não precisar forçar muito a vista, todo o conteúdo é reproduzido no livrinho em letras maiores.

Não tem jeito. Tecnologia vai, tecnologia vem, mas o velho e bom livro sobrevive e não se cogita que ele venha a sumir de todo. O jeito, para quem gosta de gastar dinheiro com CDs, é pensar assim: adquirir um objeto que "contém" boa música, mas que pode, entre seus acessórios, trazer um pouco de boas imagens e, principalmente, boa leitura. São textos de Nat Hentoff, Ira Gitler, Gunther Schuller, Lenny Kaye, Fausto Canova, Martin Williams, Armando Aflalo e, não raro, os próprios artistas e produtores das obras fazendo "leituras atualizadas" dos trabalhos que protagonizaram.

É bom sempre adquirir, preferencialmente, discos de que não se vai enjoar. O problema, como aqui aventado, é não poder ouvi-los um dia, por algum motivo de força maior, como, por exemplo, a predação capitalista. Para não ficar com a sensação do risco de aquilo perder valor no futuro, fixemo-nos, então, na certeza de que um texto como o de Bruce Geller para a contracapa da trilha de Mission: Impossible, de Lalo Schifrin, não deve se perder nunca.

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