sábado, 19 de julho de 2008

Espetáculos e espetáculos

O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, após reunião com o presidente Lula e o ministro da Justiça, Tarso Genro, buscou esclarecer, em entrevista coletiva, o seu ponto de vista em relação aos supostos abusos de autoridade que ele vem observando nas ações de agentes públicos no Brasil.

O ministro alegou que os abusos não vêm apenas da polícia e do Judiciário, mas também de parte de outras instituições públicas, como a Receita Federal e demais órgãos com atribuições de controle e fiscalização. Gilmar Mendes tentou demonstrar que o combate a supostos exageros é, em larga medida, uma iniciativa em prol da própria coisa pública, pois, segundo ele, os implicados não raro pedem socorro na Justiça e acabam recebendo gordas indenizações do erário. Noutras palavras, o presidente do Supremo quis dar a entender que está, em última instância, preocupado com os cofres públicos. E como republicanismo pouco é bobagem, o ministro esclareceu que os casos de grande repercussão, como os que envolvem a exposição de banqueiros ou políticos poderosos, podem trazer luzes às humilhações rotineiramente praticadas contra os mais pobres.

Muito bem! Este blog mesmo, no post anterior, a propósito da operação Satiagraha, desfraldou humildemente esta bandeira, qual seja, a de que não se deve comemorar atos violentos e degradantes somente porque eles nos saciam e aparecem como uma espécie de vingança contra aqueles que sempre foram protegidos pela Justiça brasileira. Ressalvávamos, porém, que toda a indignação de Gilmar Mendes e de alguns políticos parecia um pouco seletiva demais...

Lembremos que Mendes falara de certa “espetacularização” nas ações da Polícia Federal. Ora, um espetáculo só ganha sentido quando dirigido ao público. E na era das comunicações, sociedade de massas, indústria cultural etc., o espetáculo precisa de um veículo para se propagar e, se for o caso, chegar a um maior número de pessoas. Deste modo, se, nas operações da PF, há de fato a “espetacularização” diagnosticada por Mendes, ela só se consagra com a sua difusão principalmente por meio de vídeos e imagens. Posto isto, é inegável o papel fundamental realizado pela mídia nesse processo, talvez especialmente – não unicamente - pela televisão.

Cada um trata dos problemas que lhe estão mais próximos, e talvez por isso Gilmar Mendes se sinta mais à vontade para falar das ações da PF, cujos efeitos tendem a parar de forma mais imediata na Corte que ele preside. Mas é do STF a guarda da Constituição. Por isso, em última análise, quaisquer abusos e “espetacularizações” da polícia ou nas ações de aplicação das leis por parte de qualquer órgão deveriam incomodar não apenas seu presidente mas todos os seus componentes.

Vejamos a propósito o que vem ocorrendo nas operações da chamada “lei seca”. Algumas reportagens de TV têm mostrado pessoas embriagadas, evidentemente fora de seu juízo normal, “pagando o maior mico” em rede nacional. Alguns dos que são expostos em tais “espetáculos” talvez nem sejam bebedores contumazes, mas por azar foram pegos justamente num dia em que abusaram do álcool, e uma vez mostrados em situações ridículas e humilhantes na tela, ficarão sempre marcados como “bebuns”, sofrerão prejuízos sociais e trarão dissabores para familiares e amigos. E onde estão o presidente do Supremo e os políticos do PSDB e do DEM para maldizer a “espetacularização” das prisões de embriagados? Os motoristas que têm sido pegos no teste do bafômetro sofrem sanções administrativas e podem, dependendo do caso, responder criminalmente pelos seus atos, o que é ótimo para um país campeão de acidentes de trânsito. Mas, pergunta-se, para que a “espetacularização”, sobretudo quando o sujeito está sem condições sequer de procurar evitar, por conta própria, a sua exposição pública e, ao contrário, acaba se entregando docilmente a um ridículo papelão que o deixará marcado pelo resto da vida?

Talvez alguns espetáculos sejam mais espetaculares do que outros...

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