Nunca antes na história deste país se viu gente tão importante passar noites na cadeia. Nunca antes na história deste país a Polícia Federal trabalhou tanto. Nunca antes na história deste país viram-se juízes tão firmes na realização de seu trabalho.
Mas, numa democracia, é natural que nem todos estejam tão contentes com essa situação, “nunca antes vista na história deste país”. O presidente do STF – acompanhado de alguns políticos, sobretudo dos partidos de oposição no Congresso – acha que está havendo exageros por parte da PF: houve reclamações quanto ao uso de algemas e também com a exposição pública dos presos pela operação satiagraha.
De tudo isso se presume que o ministro Gilmar Mendes e alguns de nossos políticos – como aliás seria de se esperar de homens tão refinados como eles – nunca assistiram aos populares programas policiais da TV, e conseqüentemente não tiveram oportunidade anterior para se indignar com a expiação pública de suspeitos, de acusados ou mesmo de condenados. Quanto às algemas, o famoso criminalista Alberto Zacharias Toron, em ocasião semelhante, já indicara sem muita cerimônia para que “tipo de gente” elas foram feitas.
Mas sejamos frios e sensatos, amigos: se realmente ocorrem abusos nas prisões e operações, eles devem ser por todos condenados. Não é porque ficamos de alma lavada com o fato de a polícia e a justiça estarem indo para cima de banqueiros, políticos e megaespeculadores que vamos aceitar um Estado “policialesco”. De todo modo, não se deve concordar com a idéia, mais brasileira do que “orwelliana”, de que “alguns são mais iguais do que os outros”. Noutras palavras, poder-se-ia aproveitar tais episódios para abrir uma discussão acerca das diferenças de tratamento nas questões policiais e jurídicas no Brasil: quem nunca viu pobres suspeitos sendo tranqüilamente chamados de “bandidos” pela imprensa? Já os homens de classe média que espancam empregadas domésticas em pontos de ônibus são simplesmente chamados de “jovens de classe média que espancaram uma empregada doméstica num ponto de ônibus”! A mídia e de resto todos nós entendemos como perfeitamente normal os dois pesos e duas medidas. Quando aceitamos esse tipo de coisa, sem perceber estamos abrindo espaço para que naturalmente se contemple uma seletiva preocupação humanitária com banqueiros acusados de milionárias operações fraudulentas, para dizer o mínimo.
Quando digo banqueiro, o leitor o sabe, estou falando de Daniel Dantas. Tal nome é deveras conhecido dos leitores de Carta Capital e dos freqüentadores do sítio de Paulo Henrique Amorim. Mas é de se suspeitar que muita gente, leitora da maioria dos grandes jornais brasileiros ou telespectadora dos principais telejornais ou, ainda, ouvinte das principais rádios noticiosas, nunca tivesse ouvido falar dele. E do dia para a noite, literalmente, vêem-se os cínicos órgãos da nossa imprensa dando manchetes sobre Dantas, falando dele como se ele fosse um habitué de suas páginas, telas e ondas, como se estivessem se referindo a um Pelé ou a um Roberto Carlos da mídia brasileira! Faz-me lembrar de minha adolescência, quando ouvia muito rádio FM: havia algumas pioneiras “rádios-rock” em São Paulo, a saber, a 97 FM e a 89 FM. Elas eram as únicas que tocavam bandas como The Cure, Echo & the Bunnymen e Siouxsie & the Banshees, por exemplo. Mas quando estes grupos fizeram turnê pelo Brasil, ainda nos anos 1980, rádios que nunca os haviam tocado, como a Jovem Pan II, começaram a fazer especiais, promoções etc. É o que está fazendo a hipócrita mídia brasileira em relação a Daniel Dantas; e o que é pior, esquecendo-se de lembrar de suas estripulias nos tempos da privatização da “iluminada ‘era FHC’”.
Não é sobre liberdade (e eles sabem disso)
Há 5 semanas
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