Nesta semana, muito se falou dos quinze anos do Plano Real, comemorado dia 1º de julho. Como já era de se esperar, a mídia, juntamente com seus colunistas e articulistas, pegou pesado no puxa-saquismo a Fernando Henrique Cardoso.
Um pouco de história: o Plano Real foi obra do governo Itamar Franco. O sociólogo Fernando Henrique foi seu ministro da Fazenda, liderando, nessa posição, um grupo de verdadeiros economistas como André Lara Rezende e Pérsio Arida, certamente mais importantes na elaboração do programa do que ele, FH. Mas o mais importante a se destacar é que FHC já não era mais ministro no fatídico 1º de julho 1994. Coube a Rubens Ricupero a tarefa de conduzir o início do plano, talvez no seu momento mais difícil. Derrubado por uma parabólica, Ricupero foi substituído pelo pindamonhangabense Ciro Gomes. Parece-nos óbvio que Ciro e Ricupero foram mais importantes para o Real do que o ex-presidente Cardoso.
Tudo poderia ser pura babação de ovo da mídia para cima de FHC, mas, como eles não dão ponto sem nó, talvez seja uma desesperada tentativa de melhorar a imagem do ex-presidente, haja vista que nas eleições de 2010 o PT certamente terá um “patrono” de quem se orgulhar, e não seria de bom tom o PSDB ir para a terceira eleição consecutiva fingindo que Fernando Henrique nunca existiu.
Mas em meio a tanta celebração salvou-se equilibrada reportagem da Agência Brasil. O especial do sítio noticioso falou dos méritos do plano e dos avanços obtidos graças à estabilidade que, desde então, passou a ser um “dogma saudável” de nossa economia. Porém, graças a importante intervenção do economista Ricardo Amorim, do IPEA, foi dado também o lado sombrio do Plano Real, aspecto devidamente esquecido na grande mídia. O plano, para dar certo, teve que, de algum modo, provocar pequenas quebradeiras na economia brasileira – talvez sem alternativa, acrescentamos generosamente. A memória inflacionária, ou componente inercial ou o nome que se queira dar era muito forte, e qualquer aquecimento manteria a inflação a pleno vapor. Para matar o dragão era preciso exagerar no remédio. Desse modo, apostou-se no dólar barato, pois assim entrariam importados aos montes no país, o que impediria a subida dos preços dos produtos nacionais. Em conseqüência, com os importados tomando conta, a indústria nacional se ressentia, pois não tinha como concorrer com a enxurrada de produtos mais baratos; as exportações, por seu turno, eram desestimuladas pelo dólar na rédea curta das bandas cambiais. Resultado: desemprego e achatamento de salários. Desempregado não compra; salários baixos também não ajudam. Noves fora, inflação fica controlada. Eis um lado nefasto - talvez necessário, não descartemos - que não cairia mesmo bem mencionar num dia de aniversário!
As análises na grande imprensa também não pouparam Lula e o PT, que, segundo os adorados escribas da mídia, teriam combatido o plano em seu início, mas no final das contas acabaram descobrindo a importância da estabilidade e dado seqüência ao bem-sucedido plano de FHC (na verdade, de Itamar). Ora, bem que as críticas podiam ser ainda mais duras com o governo petista que ora comanda o Brasil, acusando-lhes, Lula e seu partido, de serem mais realistas do que o rei, pois no fundo o governo que se iniciou em 2003 é que de fato salvou o plano de estabilização iniciado por Itamar, em alguns momentos pegando até pesado demais nessa coisa de controle da inflação (alô, Meirelles!). Talvez não seja errado dizer que a estabilidade só passou a ser um valor seguro mesmo sob Lula. Se o leitor se der ao trabalho de dar uma pesquisada, verá que no final do segundo mandato de FHC a inflação já havia passado de dois dígitos; Lula assumiria seu primeiro mandato sob a égide de uma economia mais ou menos descontrolada, com poucas reservas internacionais, risco-país explosivo, dívida pública de mais de 50% do PIB e dólar fora de controle.
Hoje, mesmo com “a maior crise da história do capitalismo”, o Brasil se segura bem, tirando uma marolinha aqui, outra ali. É, portanto, muita desonestidade intelectual querer dar os créditos da razoável saúde que ora goza a economia brasileira ao governo anterior, justamente um governo que costumou atribuir suas dificuldades (ou seus fracassos mesmo) a crises internacionais muito menores do que as que o mundo observa hoje. Não sei quanto a vocês, mas isso sempre me pareceu ilógico, afinal, como pode o governo bem-sucedido que enfrenta crise maior ser considerado mera cópia de outro que sucumbiu por "marolinhas" localizadas e de menor intensidade?
Caso se queira associar o “Real” à idéia de estabilidade, ter-se-á que mudar sua idade e passar a considerá-lo como tendo seis anos, pois este é o tempo em que ele se mostra realmente sólido e estável. E se a alguém se deve atribuir o sucesso da estabilização, forçoso seria reconhecer a importância de Lula, pois sob ele, sim, a luta contra a inflação foi realmente levada a sério e, mais do que isso, foi efetivamente vencida. E olha que nada disso deve ser tomado como elogio na sua plenitude, não, pois para alcançá-lo foi preciso muito remédio amargo: os juros altos que ajudam os bancos, inibem a produção e desempregam; e a busca cega pelo superávit primário que tira dinheiro da saúde, da educação e da promoção social. Digamos que é uma espécie de PT americanizado: No pain, no gain!
Não é sobre liberdade (e eles sabem disso)
Há 5 semanas
2 comentários:
Rapaz, genial essa parte em que você diz que a estabilidade só passou a ser um valor seguro sob Lula.
Pois é, Roberto. Basta vermos no que havia se transformado o real no último ano de Fernando Henrique, 2002. Dê uma olhada: http://www.bcb.gov.br/Pec/metas/TabelaMetaseResultados.pdf
Grande abraço!
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