sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Marolinha. Ainda!

Eis que vejo na televisãozinha do Metrô a notícia, publicada no Le Monde, dando conta que o presidente Lula acertou ao afirmar que a crise econômica no Brasil seria só uma marolinha. Confirmei a informação no Vi o Mundo, do Luiz Carlos Azenha, que reproduziu a matéria do jornal francês, que, aliás, não era apenas sobre o Brasil, mas acerca da importância do chamado BRIC no novo cenário econômico internacional que se desenha após a crise.

Também, nesta semana, vi no BandNews TV reportagem sobre a forma como a crise atingiu o Brasil, e como o país a está deixando para trás. Foi absolutamente hilário ver o Sr. Luiz Carlos Mendonça de Barros, o homem da "telegangue", do "limite da irresponsabilidade", admitindo, com um sorriso mais ou menos amarelo, que o presidente tinha razão: "a crise no Brasil foi só uma marolinha mesmo e não um tsunami". Sem dúvida que é deveras surpreendente ouvir isso, sobretudo quando se teve a oportunidade de ler as barbaridades que o economista, ex-ministro do governo FHC, escrevia na sua coluna da Folha, sempre criticando o presidente e as autoridades brasileiras por, segundo ele, estarem fazendo pouco caso da "terrível crise".

Por tudo isso, tomamos a liberdade de reproduzir texto que publicamos neste espaço no dia 27.03.2009, e que, nessa altura do campeonato, soa bastante atual. Felizmente, diga-se!

Sexta-feira, 27 de Março de 2009
Marolinha sem aspas

Alguns colunistas da mídia adotaram a expressão marolinha, utilizada pelo presidente Lula para se referir ao tamanho com que a crise econômico-financeira internacional iria atingir o Brasil. O vocábulo tem sido geralmente destacado entre aspas. O uso desses sinais não parece estar sendo com o intuito de indicar que se trata de uma metáfora, ou de gíria ou algo que o valha; em verdade, o que se quer é sugerir que o presidente pode ter dado uma bola fora ao utilizá-lo, ainda mais que a imprensa tem sido bastante competente no tentar demonstrar que a crise teria desembarcado no Brasil em níveis que mereceriam ser associados a fenômenos naturais bem mais devastadores. Noutras palavras, as aspas que envolvem a marolinha presidencial, quando empregadas pelos estafetas da imprensa, estão carregadas de ironia e sarcasmo.

Lula sabia que a crise atingiria o Brasil em alguma medida, tanto que admitiu que seríamos tocados por ela na forma da tal marolinha, o que significa dizer que ele não se iludia com o fato de que ela não chegaria de nenhuma maneira aqui, como tentaram distorcer alguns. O presidente, em verdade, buscou apenas demonstrar que não haveria tsunami (metáfora antípoda à do presidente brasileiro) na economia brasileira e por isso escolheu um termo que, na opinião dele, melhor dimensionaria os efeitos da crise neste país tropical. Que se analisem friamente os dados após cerca de dois anos de maus resultados em nível global e forçoso será concluir que, com efeito, no Brasil a crise é só a tal marolinha mesmo.

A bem da verdade, não foi apenas o presidente da República que se mostrou, por assim dizer, otimista com os possíveis efeitos da crise no país. Órgãos como a OCDE e o FMI já haviam, antes dele, afirmado que o Brasil era das nações menos vulneráveis aos maus bocados internacionais e que, ipso facto, levaria poucos arranhões oriundos desse acidente universal. O ingrato Lula deveria ter dado os créditos!

A imagem da marolinha brasileira vem sofrendo a tentativa de desmoralização promovida pela mídia calcada principalmente em dois resultados bastante significativos: a queda do PIB no quarto trimestre de 2008 e os fechamentos de vagas no mercado de trabalho nos meses de dezembro e janeiro últimos. Mas vamos lá: não obstante a contundência com que o mercado foi atingido em 2008, a grande verdade é que dezembro sempre foi um mês de expressiva dizimação de empregos, mesmo em anos de bonança internacional; já o PIB do último quartel do ano passado – nunca é exagerado lembrar – foi desastroso se comparado com o terceiro trimestre, mas positivo se confrontado com idêntico período de 2007 – fora o fato de que no acumulado do ano obteve excelente resultado, como já apontamos noutra postagem. Merece nota também a informação de que o mês de fevereiro foi positivo na criação de vagas do mercado formal de trabalho. No caso deste último, a imprensa, como se sabe, quis minimizar o resultado que, realmente, é marcadamente inferior ao do mesmo mês de 2008; mas, num mundo em que se comemora até mesmo quando o desemprego aumenta em nível menor do que o esperado, deveria ser celebrado o tímido porém consistente resultado do mercado de trabalho brasileiro no segundo mês de 2009.

Os jornais brasileiros fizeram, por motivo político, uma aposta na crise. Tentam de toda forma mostrar que acertaram. Já a rede norte-americana CNN parece pensar de maneira diversa: o mais famoso canal noticioso do mundo afirmou, quando do encontro dos presidentes Lula e Obama, que uma das grandes qualidades do Brasil neste momento é que o país tem sofrido muito menos com a crise quando comparado a outros países da mesma importância. Yes, nós temos marola!

Um amigo conta-me que propaganda do DEM – à qual não tive oportunidade de assistir – vem tentando explorar a metáfora molhada de Lula, procurando mostrar a suposta infelicidade da fala presidencial. O cerco se fecha: o partido de José Agripino Maia tem na grande imprensa o mentor intelectual de seu discurso. O assunto crise econômico-financeira internacional (a bola da vez) tem que ser martelado diuturnamente na mídia, para que partidos oposicionistas, claramente sem projeto, tenham do que falar e possam dar suas alfinetadas de vez em quando. É essa, infelizmente, a importância que resta à vetusta imprensa no Brasil de hoje!

4 comentários:

Érico Cordeiro disse...

Caro Iendis,
É abjeta a forma como o governo Lula é tratado pela mídia tupiniquim. Tenho muitas decepções e críticas a ele (sobretudo por conta da sujeição a certos tipos de oligarquias jurássicas, em nome de uma pretensa governabilidade), mas louvo os seus inúmeros acertos. Aos 41 anos, sobrevivi aos governos Médici, Geisel, Figueiredo, Sarney, Collor e FHC (dou um desconto ao governo Itamar, por conta da situação que o levou ao poder e pelos bons resultados obtidos na economia, especialmente com o fim da inflação).
Você já viu quando qualquer dos veículos do PIG (termo cunhado pelo Paulo Henrique Amorim) dá uma notícia ruim na economia: "produção da indústria automobilística despenca" - os caras só faltam bater palmas e gritat "U-hu".
E os "escândalos" do governo Lula? Bom as privatizações de FHC são, no mínimo, mil vezes mais escandalosas e prejudiciais ao país que todos os "escândalos" cometidos ao logo do governo Lula somados.
O IBGE deu ontem: nos últimos dez anos a desigualdade de renda caiu 9% no país.
A Petrobrás (que quase ia para a bacia das almas da privatização) conseguirá para muito breve não apenas a auto-suficiência, como fará do Brasil um grande exportador de petróleo.
Os indicadores econômicos e sociais melhoram a olhos vistos.
Apenas a questão da crimilalidade e da violência urbana não têm melhorado ao longo dos anos - talvez seja o grande ponto negativo desse governo, como resultado de políticas públicas frouxas e pouco eficientes.
O resultado final é positivo.
Já vivi e senti na carne o que é ser governado pelo PSDB, partido que apesar de grandes e respeitáveis quadros peca por uma enorme insenbilidade social e por um tecnicismo exacerbado de boa parte de sua cúpula.
Admiro o governador Serra, por sua história de vida e de luta contra a ditadura. Tenho-o como um homem de bem e um político sério. Todavia, não creio que ele possa ser um bom presidente para o Brasil.
Falta-lhe conhecer o Brasil.
Falta-lhe o aprendizado de realidades locais tão díspares como as que temos em nosso país continente.
Embora decepcionado com muitos pontos (principalmente a tibieza ética que contaminou o PT nos últimos anos) não creio que haja outro partido capaz de operar o desenvolvimento econômico sem esquecer as políticas sociais inclusivas, fundamentais para que sejamos uma grande nação.
Desculpe a verborragia, mas esse tema sempre me deixa com vontade de falar muito.
Um fraterno abraço!!!!

iendiS disse...

Érico, agradeço muitíssimo os seus comentários. Você está certíssimo na sua análise. Se pudesse fazer um reparo, lembraria que a questão da violência urbana é de responsabilidade precípua dos governos estaduais (embora em nível federal muito possa de fato ser feito para minimizar os seus efeitos), mas na realidade, ao menos aqui em São Paulo, o governo estadual parece ter abandonado a questão da segurança pública, havendo sérios problemas nas corporações policiais e algum descaso com questões como inclusão social, por exemplo.
Um grande abraço e, por favor, não se desculpe pela verborragia. Isso é ótimo!

Trinity Ohara disse...

Na minha humilde opinião, o tamanho da onda depende da distância a que se está dela. Em números totais, pode até ter sido a tal "marolinha" e, concordo, está bem longe do tsuname. Mas acredito que os poucos por cento que ficaram sem emprego chegaram a se molhar feio com a metáfora.

Como admiradora do governo que o Lula fez até agora, concordo que a mídia tradicional bate primeiro e pergunta depois. Mas acredito que, por falar demais, na maior parte das vezes o presidente estimula tal comportamento.

iendiS disse...

Mas, Vivi, acho que os presidentes não têm muita alternativa senão falar demais. Isso lhes é cobrado a todo tempo. Tanto que houve um certo momento no governo Lula, que uma das principais críticas que lhe eram feitas era justamente a de não se expor, de não dar entrevistas, de não apresentar à sociedade o que pensava sobre diversos assuntos. Numa das entrevistas coletivas que deu, o mote explorado foi justamente o fato de ele "quase nunca" dar coletivas!
Quanto à intensidade com que a crise abate cada um de forma individual, a verdade é que, mesmo sem crise, a todo momento o trabalhador está sendo pego de calças curtas. Os números do CAGED, mesmo que, no geral, tenham sido favoráveis aos trabalhadores, mostram que há uma grande rotatividade no Brasil, o que é sinal de que não há segurança e tranquilidade no emprego. Por exemplo: mostra-se o saldo de criação de 250.000 empregos, o que é um bom número; porém, quando se vai analisá-los, vê-se que na verdade o número de empregos criados foi, sei lá, de 1 milhão, porém os demitidos foram 750 mil, o que significa, conforme já dissemos, que há uma rotatividade acima da desejável. Poderia ser um debate bacana, mas ninguém se interessa pelo tema, nem mesmo a impresa ou a oposição. Talvez por isso que Lula fique surfando na... marolinha... ou tsunami.