domingo, 6 de dezembro de 2009

Imprensa força a barra da imparcialidade

O jornalismo praticado no Brasil deve ser enxergado sob o olhar da desconfiança. A análise dele não é simples. Além do que, é de nossa natureza moderna o hábito de ter dúvida de tudo. Destaco pequeno trecho de trabalho que cometi para a disciplina História da Filosofia Contemporânea, ministrada pela professora Yolanda Glória Gamboa Muñoz para o curso de Filosofia, da Universidade São Judas Tadeu, de São Paulo:

Sob a influência do pensamento de Freud é possível que alguém pergunte o que uma pessoa realmente quis dizer ao proferir algo, ou quais são suas reais intenções por trás das palavras ou, ainda, se “deixou escapar algo”, se cometeu um ato falho etc.; na mesma linha de entendimento, pela influência do pensamento de Marx, não são raras as vezes que se pergunta quais são os verdadeiros interesses por trás de um comportamento, a quem tais interesses atendem ou qual a verdadeira motivação do ato. Por exemplo, no caso de uma guerra, talvez seja mais apropriado aos que a defendem e/ou patrocinam dizer que ela tem o objetivo de depor um ditador sanguinário, encontrar armas de destruição em massa ou instaurar os benfazejos ares da democracia, em vez de dizer que o seu principal interesse são, digamos, reservas de petróleo.

Pedimos desculpas pela ingenuidade das observações, as quais faziam a abertura de atividade que versava sobre o tema “ideologia”, após todo um semestre imerso nos pensadores alemães mencionados na epígrafe.

Convém entender quais são as intenções da imprensa, neste momento difícil pelo qual ela passa, vendo – literalmente – cenas explícitas de corrupção recair nas costas dos seus apaniguados, justamente sobre aqueles que ajudavam a reverberar o moralismo presente em seus editoriais, ao mesmo tempo que municiavam suas editorias de política com CPIs, discursos inflamados e frases bombásticas, especialmente acerca da questão ética.

A verdade é que na última sexta-feira, dia 04.12.2009, os três mais importantes jornais do país trouxeram manchetes sobre a aceitação de denúncia, no STF, contra o senador Eduardo Azeredo, do PSDB de Minas. Até aí tudo bem. A questão está no fato de terem destacado a sigla a que o ex-governador mineiro pertence. Durante todo esse tempo, ao falar de tal escândalo, a mídia referia-se a “mensalão mineiro” ou “valerioduto mineiro”, numa clara tentativa de preservar o partido de José Serra, Geraldo Alckmin e Fernando Henrique Cardoso; na última sexta-feira, porém, falaram em “mensalão tucano” e “mensalão do PSDB”, com todas as letras. O que há por trás do fato de os maiores jornais do País terem, surpreendentemente, feito jornalismo, dando nome aos bois em tão complicado imbróglio?

O primeiro ponto é que não se deve negligenciar o fato de as gravações comprometedoras de corrupção do DEM, velho aliado tucano, terem imposto uma situação vexatória para todos que patrocinaram a atuação de tal partido na cena política brasileira, dando-lhe guarida por ter apoiado FHC, por apoiar Serra em São Paulo, por ser a sigla de Gilberto Kassab na capital paulista e, principalmente, por fazer cerrada oposição ao governo Lula. Em segundo lugar, que não se olvide do fato de que as dores de cabeça que se concentram no Distrito Federal resvalaram no PSDB local, mas ameaçam chegar a políticos das duas siglas em outros estados da Federação, notadamente em São Paulo, complicando a vida não apenas de Serra, mas também do prefeito da capital, Gilberto Kassab. Portanto, a imprensa ficou em situação tão difícil que talvez não fosse mesmo o caso de querer tergiversar numa hora dessas.

Mas não é só isso. O caso dos panetones, dinheiro nas meias, cuecas e tudo mais deu à imprensa a inesperada oportunidade de posar de imparcial: “ora, nós batemos pesado no mensalão do PT, mas agora estamos detonando com o mensalão tucano”. Pois é. Só que nunca haviam qualificado o mensalão de Azeredo como “mensalão tucano” antes. De qualquer forma, para os que não acompanham a imprensa muito de perto, ou que ingenuamente acreditam que o partidarismo dela sempre foi bem-intencionado, do tipo que nada mais era do que uma intransigente defesa da ética, tal argumento vai ser de grande serventia.

A desconfiança nos obriga a enxergar mais coisas por trás disso tudo. A imprensa bem pode estar apenas se antecipando aos desdobramentos do processo contra o chamado mensalão federal, aquele que envolve políticos do PT e da base aliada do governo Lula no Congresso Nacional. Saindo notícias bombásticas sobre tal caso, poderá explorá-las e a respeito delas exagerar à vontade, pois terá nas mãos a “prova” de que falou do mensalão dos outros também. E ninguém ficará contando quantas laudas foram oferecidas a cada um dos escândalos. Ademais, os responsáveis pela mídia já devem estar pensando que na cabeça do eleitor prevalecerá o “crime” mais recente. Fora isso, os barões dos meios de comunicação devem estar acreditando piamente que algum aloprado petista apronta alguma nos próximos dias para equilibrar o noticiário.

No entanto, questões ideológicas costumam trazer implicações mais graves. Vejamos.

O ex-PFL está cheio de oligarcas representantes do atraso, e o PSDB deu, nos últimos tempos, uma boa guinada para o centro-direita. De todo modo, seja como for, são partidos que atuam na via institucional, tendo como maior pecado justamente a terceirização da política que ofereceram à medíocre imprensa brasileira nos últimos tempos. O perigo, no entanto, pode ser de, por trás da repentina “imparcialidade” da imprensa, estar uma tentativa de desmoralização absoluta da política, abrindo espaço para a extrema-direita ou para aventureiros golpistas. Bem aqui perto, em Honduras, foi dada a senha para tal tipo de maluquice, ainda com direito à institucionalização forjada da "situação de fato".

Este último ponto, admitimos (e torcemos), é pura teoria da conspiração, não parecendo encontrar, por enquanto, maiores lastros na realidade. De qualquer forma, é bom ficarmos atentos.

No meu supracitado trabalho escolar, vali-me de O dezoito brumário de Luís Bonaparte, de Karl Marx. Encerrei-o de um modo que parece caber aos propósitos esposados aqui:

Vê-se [no relato de Marx] a profusão de interesses que pode estar por trás de atos que no desenrolar histórico parecem plenamente normais. É neste ponto que a ideologia pode ser entendida como um mascaramento natural de interesses subjacentes. É exatamente aí que caberia aquela suspeita dos que perguntam: “quais serão os verdadeiros interesses que estão escondidos atrás disso tudo?”. Para encontrar a resposta, há “um contínuo processo de distinção, desmascaramento, e manifestação do que está aí. Para realizá-lo será necessária uma escavação constante que traga à luz os interesses subjacentes que naturalmente se mascaram” (MUÑOZ, Y.G.G. Ainda a ideologia?, in Integração: ensino, pesquisa, extensão, - ano X, nº 39, São Paulo: Centro de Pesquisa da Universidade São Judas Tadeu, 2004.)

4 comentários:

Trinity disse...

E pensar que tanta gente acredita que aqueles trabalhos nunca serveriam para nada... Meu tema, à época (e não menos agora) era a metafísica (e que Nietzsche não me ouça), não li o 18 Brumario com a atenção devida, mas agora fiquei interessada.

Quanto à imprensa, eu diria que, abstrair os fatos das interpretações, tem se tornada tarefa cada dia mais trabalhosa.

iendiS disse...

Vivi, diferentemente dos colóquios internacionais, acho que nossos trabalhos foram, sim, de grande serventia.

Que bom seria que tão singelo texto sempre inspirasse as pessoas a ler obras fantásticas, como é o caso do 18 brumário.

Obrigado mais uma vez e grande abraço!

Brasileiro Indignado com o PIG disse...

Prezados seguidores do (Quase) Tudo,

O link abaixo me lembrou o célebre cemitério dos mortos vivos, do saudoso Henfil:

http://noticias.uol.com.br/ultnot/internacional/2009/12/09/ult1859u2022.jhtm

Merecem atenção detida (diria até psiquiátrica) as palavras cataclísmicas do iracundo Artur Virgílio.
E sobre o Arruda (do programa Panetones Et Circensis), nada?

AGORA, UM TEMA PARA REFLETIR:

Já que o governo Lula é corrupto, incompetente e o presidente é um estuprador, porque veículos sérios como a Veja, a FSP e a Globo se "misturam" com essa "raça"?
É, porque se você abrir a Folha ou a Veja (manuseie com cuidado para não sujar as mãos), verá dezenas de comerciais de estatais (Petrobras, CEF, BB, etc,) e do próprio governo federal.
Ora, porque os liberais, arautos da privartização, aceitam fazer propaganda de estatais ineficientes e que servem apenas como cabide de emprego?
Porque não professam, dignamente, o seu credo e não dizem: NÓS NÃO ACEITAMOS PROPAGANDA DE UM GOVERNO CORRUPTO E DE ESTATAIS INEFICIENTES!
Seria muito digno da parte desses senhores, não é mesmo?
E porque o seu blog (e outros blogs) não compra essa briga: o governo não deveria anunciar em veículos que o achincalham - não é uma crítica o que esse PIG faz, mas verdadeiro massacre.
Pois então: PUBLICIDADE ZERO! E JÁ!

iendiS disse...

Concordo com vc, indignado, deveria cortar a publicidade das estatais, e as institucionais deveriam ser gratuitas e obrigatórias.
Grande abraço!