domingo, 3 de janeiro de 2010

Responda-me

O geógrafo Douglas Santos cometia aulas muito cativantes. Professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e da Fundação Santo André, ele tinha um método personalíssimo de ministrar aula e critérios de avaliação por demais interessantes. Um exemplo: era absolutamente permitido colar dos colegas durante as provas, desde que se creditasse a fonte e justificasse o porquê da cola. Ao cometer algumas aulas no sistema público de ensino, vali-me da mesma estratégia, com excelente resultado: ninguém queria copiar a resposta dos colegas, pois seria muito mais trabalhoso ter que explicar por que o fez.

Outra grande contribuição do professor Douglas foi ensinar que a maioria das perguntas é mentirosa. Os alunos, ao levantar questões em sala de aula, não têm dúvidas honestas, mas querem apenas exibir algum conhecimento ou se “aparecer” para o professor e para seus pares. Os mestres, por seu turno, tendem a formular questões de que já sabem a resposta, esquecendo-se de que a educação se molda de aprendizado novo, de respostas a questões ainda não bem compreendidas. Por isso, afirmava Douglas Santos, ele só fazia perguntas cujas respostas não sabia, pois assim daria uma maior contribuição para o desvelamento de dúvidas latentes, seja no campo político, seja no mundo científico, ainda que não devidamente expostas pelos atores interessados.

Fazer perguntas de que não se sabe a resposta não significa, em princípio, que o formulador das perguntas não tenha respostas (algum tipo de resposta) para o questionamento que levanta. O velho Sócrates, por exemplo, ao proferir dezenas e mais dezenas de indagações, parecia estar percorrendo um caminho para um destino a que já parecia certo chegar, ou seja, dava a entender que tinha as respostas para as suas perguntas, sendo elas, senão mentirosas, ao menos metódicas para o objetivo que empreendia.

Mas Sócrates era Sócrates e nós não somos nada. Faremos adiante uma pergunta bastante sincera. Honestamente, consideramo-la intrigante e gostaríamos de receber respostas definitivas em relação a ela. Talvez tenhamos opiniões formadas acerca dela, mas a pergunta não segue em absoluto o método socrático, não tendo como objetivo, portanto, o provar algo ou trazer juízos em relação à diversidade de opiniões que pululam na sociedade brasileira. Pelo menos não neste momento.

Nosso questionamento refere-se ao – talvez - mais comum reparo ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os seus principais críticos não costumam contemporizar: o governo Lula é um desastre. Já o de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, foi uma maravilha. Até aí tudo bem. Além de ser questão de gosto, temos nisso um pouco da beleza da democracia: a maioria esmagadora dos brasileiros prefere o governo de Lula, mas há uma minoria que entende terem sido as coisas melhores durante o mandato de FHC. Não há, em absoluto, nenhum problema quanto a isso.

O grande problema reside no fato de que, segundo os críticos – até mesmo os mais respeitáveis – de Lula, seu governo é uma mera cópia ou seguimento do de FHC. Em linhas gerais, é como se se dissesse que Lula nada mais faz do que o seu antecessor ou alguém de seu partido faria caso estivesse hoje investido da posição de presidente da República. Muitíssimo bem. Trata-se de um modo de enxergar e uma opinião de alguma maneira bem sustentada. O problema, repitamos, é tal opinião advir de pessoas que não apenas são críticas a Lula, mas, mais do que isso, são entusiastas do governo que o antecedeu.

Vamos à pergunta!

Se FHC foi tão bom, e Lula apenas o imita, como pode o governo Lula ser considerado tão ruim justamente pelos principais admiradores do sociólogo? Ou ao contrário: se o governo Lula é tão ruim, e é mera cópia de seu antecessor, como pode este ser tão idolatrado pelos críticos do metalúrgico? Não seria mais lógico admitir que o governo Lula é bacaninha, afinal apenas segue o governo de seu antecessor, considerado fantástico? Ou, de outro modo, não seria mais razoável admitir que o governo Lula é ruim, porque é igualzinho ao de FHC, mas o de FHC, por sua vez, também não prestou? Em resumo, como pode Lula ser ruim, FHC ser bom, mas Lula ser igual FHC?

Deixamos a pergunta no ar. Ficaríamos gratos a quem se habilitasse a dar a resposta. Como já dissemos, interessante seria uma resposta mesmo, não uma opinião. Ter um juízo sobre o assunto, opinar por que há pessoas que odeiam o governo Lula, adoram o de FHC e tentam justificar os bons resultados de Lula alegando que este apenas imita o tucano, não é das tarefas mais difíceis; respostas de verdade, simples e diretas, no entanto, tendem a ser raras e, via de regra, são trabalhosas.

No aguardo.

5 comentários:

Trinity Ohara disse...

O que assusta a todos e nós vamos ver de forma gritante nas eleições deste ano, é que não existe, de fato, mais governo e oposição. A única coisa que muda é quem vai levar os créditos pela coisa.

O governo de Lula é igual ao do FHC, e ainda assim, "pior" porque foi o Lula, e não o FHC quem fez.

Por outro lado, há a questão da comparação. Tanto Lula quanto FHC fizeram o melhor governo até então. Só que os antecessores do FHC foram, de muitas formas, catastróficos.

Racionalmente, é fácil compreender que tão valoroso quanto inventar a lâmpada, é melhora-la, baratea-la e torna-la acessível ao maior número de pessoas possível. Mas matar o montro da inflação em rede nacional é de um apelo emocional quase imbatível.

A única saída possível seria admitir o mérito e paranenizar o adversário pelas vitórias. Mas isso, parece, é impensável pela política - e mídia - brasileira.

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Grande Sidnei. Até que enfim acessei teu blog. Realmente é engraçada essa crítica que se faz ao governo Lula. Creio que ou o brasileiro é "quase como" o espanhol - Hai gobierno, soy contra - , sei que quase como é um termo lusitano inexistente; ou a antiga classe média, atualmente intitulada de Classe C, por ter decaído economicamente, julga que o governo Lula só ajuda os menos abastados, pauperizando os remanescentes da antiga Classe Média. Esquisito não? Na verdade, devemos pensar que nem Cristo era Socialista, lembre do Sermão da Montanha, quando dividiu os peixes, cada um ganhou uma porção adequada ao seu merecimento ou à aproximação afetiva e geográfica no momento. Aqueles que ficaram com o peixes miúdos e os que receberam a cabeça ou o rabo, sem dúvida saíram de lá maldizendo sobre o Cristo.

Unknown disse...

Grande Sidnei.Até que enfim acessei teu blog. Quero comentar sobre esta tua postagem. Rapaz, acredito que o problema das críticas sofridas pelo Lula podem ser explicado por duas formas.
Primeira, aqueles que pertenceram à antiga Classe Média,que beberam do melhor vinho e champagne na fase Sarney e incial do Real, agora estão na posicionados na Classe C - sendo que alguns estão decaindo para a D. Assim, acabam atirando pedras em Lula, dizendo que ajuda apenas aos pobres, favorecendo ao mesmo tempo os ricos.
Segundo: Lembrando de Cristo no famoso Sermão da Montanha que, ao fazer a divisão dos pães e peixes, não satisfez a todos. Creio que somente aqueles que estavam geografica a afetivamente mais próximos puderam receber pães frescos e peixes graúdos, enquanto que os outros, ficaram com as pontas duras dos pães ou com pequenos pedaçõs, ocorrendo o mesmo com os peixes,pois quem recebeu a cabeça ou o rabo, saíram maldizendo sobre Cristo.
Aquele Grande Abraço de Eraldo.

iendiS disse...

Vivi e Eraldo, gratíssimo pelas participações. Valeu terem atendido à minha exortação. Reflexões bastante úteis.
Abraço!