sexta-feira, 19 de março de 2010

Auxílio-reclusão

Sim, eu sei, você recebeu, recentemente, algum e-mail falando do famigerado auxílio-reclusão. Você deve ter lido que os presos o recebem; deve ter visto que é muita grana por preso; deve ter descoberto que é mais uma espécie de "bolsa" criada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Aposto um doce que as mensagens são apócrifas. Não me surpreenderia também se ficasse sabendo que elas são distribuídas, preferencialmente, por antipatizantes de Lula e do PT, que querem fazer você acreditar que o presidente e seu partido são os pais dessa criança "feia, suja e malvada".

Mas qual será a verdade de toda essa história? Vamos aos fatos e conheçamos a legislação sobre o assunto.

A Constituição de 1988 diz:

(...)

Seção III
DA PREVIDÊNCIA SOCIAL

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:

(...)

IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda;

(...)

Brasília, 5 de outubro de 1988.

Como se vê, diferentemente do que costuma aparecer nas mensagens, não é aos presos "segurados" da Previdência Social que se destina o auxílio-reclusão, mas aos seus "dependentes".

O auxílio-reclusão é disciplinado pela Lei 8.213/91, que ora destacamos:

LEI Nº 8.213, DE 24 DE JULHO DE 1991.

Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

(...)

Capítulo II
DAS PRESTAÇÕES EM GERAL

Seção I
Das Espécies de Prestações

Art. 18. O Regime Geral de Previdência Social compreende as seguintes prestações, devidas inclusive em razão de eventos decorrentes de acidente do trabalho, expressas em benefícios e serviços:

(...)

II - quanto ao dependente:

(...)

b) auxílio-reclusão;

(...)

Subseção IX
Do Auxílio-Reclusão

Art. 80. O auxílio-reclusão será devido, nas mesmas condições da pensão por morte, aos dependentes do segurado recolhido à prisão, que não receber remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, de aposentadoria ou de abono de permanência em serviço.

Parágrafo único. O requerimento do auxílio-reclusão deverá ser instruído com certidão do efetivo recolhimento à prisão, sendo obrigatória, para a manutenção do benefício, a apresentação de declaração de permanência na condição de presidiário.

(...)

Brasília, em 24 de julho de 1991; 170º da Independência e 103º da República.

FERNANDO COLLOR
Antonio Magri

Também de interesse para o tema é o Decreto 3.048/99. Veja:

(...)

CAPÍTULO II
DAS PRESTAÇÕES EM GERAL

(...)

Seção VI
Dos Benefícios

(...)

Subseção X
Do Auxílio-reclusão

Art. 116. O auxílio-reclusão será devido, nas mesmas condições da pensão por morte, aos dependentes do segurado recolhido à prisão que não receber remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, aposentadoria ou abono de permanência em serviço, desde que o seu último salário-de-contribuição seja inferior ou igual a R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais).

§ 1º É devido auxílio-reclusão aos dependentes do segurado quando não houver salário-de-contribuição na data do seu efetivo recolhimento à prisão, desde que mantida a qualidade de segurado.

§ 2º O pedido de auxílio-reclusão deve ser instruído com certidão do efetivo recolhimento do segurado à prisão, firmada pela autoridade competente.

§ 3º Aplicam-se ao auxílio-reclusão as normas referentes à pensão por morte, sendo necessária, no caso de qualificação de dependentes após a reclusão ou detenção do segurado, a preexistência da dependência econômica.

§ 4º A data de início do benefício será fixada na data do efetivo recolhimento do segurado à prisão, se requerido até trinta dias depois desta, ou na data do requerimento, se posterior, observado, no que couber, o disposto no inciso I do art. 105.

§ 5º O auxílio-reclusão é devido, apenas, durante o período em que o segurado estiver recolhido à prisão sob regime fechado ou semi-aberto.

§ 6º O exercício de atividade remunerada pelo segurado recluso em cumprimento de pena em regime fechado ou semi-aberto que contribuir na condição de segurado de que trata a alínea "o" do inciso V do art. 9º ou do inciso IX do § 1º do art. 11 não acarreta perda do direito ao recebimento do auxílio-reclusão pelos seus dependentes.

Art. 117. O auxílio-reclusão será mantido enquanto o segurado permanecer detento ou recluso.

§ 1º O beneficiário deverá apresentar trimestralmente atestado de que o segurado continua detido ou recluso, firmado pela autoridade competente.

§ 2º No caso de fuga, o benefício será suspenso e, se houver recaptura do segurado, será restabelecido a contar da data em que esta ocorrer, desde que esteja ainda mantida a qualidade de segurado.

§ 3º Se houver exercício de atividade dentro do período de fuga, o mesmo será considerado para a verificação da perda ou não da qualidade de segurado.

Art. 118. Falecendo o segurado detido ou recluso, o auxílio-reclusão que estiver sendo pago será automaticamente convertido em pensão por morte.

Parágrafo único. Não havendo concessão de auxílio-reclusão, em razão de salário-de-contribuição superior a R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais), será devida pensão por morte aos dependentes se o óbito do segurado tiver ocorrido dentro do prazo previsto no inciso IV do art. 13.

Art. 119. É vedada a concessão do auxílio-reclusão após a soltura do segurado.

(...)

Brasília, 6 de maio de 1999; 178o da Independência e 111o da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Waldeck Ornélas

No sítio da Previdência Social, há informações compiladas sobre o assunto, decerto baseadas nas instruções normativas que disciplinam a matéria. Veja um resumo na página dedicada ao auxílio-reclusão:

O auxílio-reclusão é um benefício devido aos dependentes do segurado recolhido à prisão, durante o período em que estiver preso sob regime fechado ou semi-aberto. Não cabe concessão de auxílio-reclusão aos dependentes do segurado que estiver em livramento condicional ou cumprindo pena em regime aberto.

Para a concessão do benefício, é necessário o cumprimento dos seguintes requisitos:

- o segurado que tiver sido preso não poderá estar recebendo salário da empresa na qual trabalhava, nem estar em gozo de auxílio-doença, aposentadoria ou abono de permanência em serviço;
- a reclusão deverá ter ocorrido no prazo de manutenção da qualidade de segurado;
- o último salário-de-contribuição do segurado (vigente na data do recolhimento à prisão ou na data do afastamento do trabalho ou cessação das contribuições), tomado em seu valor mensal, deverá ser igual ou inferior aos seguintes valores, independentemente da quantidade de contratos e de atividades exercidas, considerando-se o mês a que se refere:

PERÍODO SALÁRIO-DE-CONTRIBUIÇÃO TOMADO EM SEU VALOR MENSAL
De 1º/6/2003 a 31/4/2004 R$ 560,81 - Portaria nº 727, de 30/5/2003
De 1º/5/2004 a 30/4/2005 R$ 586,19 - Portaria nº 479, de 7/5/2004
De 1º/5/2005 a 31/3/2006 R$ 623,44 - Portaria nº 822, de 11/5/2005
De 1º/4/2006 a 31/3/2007 R$ 654,61 - Portaria nº 119, de 18/4/2006
De 1º/4/2007 a 29/2/2008 R$ 676,27 - Portaria nº 142, de 11/4/2007
De 1º/3/2008 a 31/1/2009 R$ 710,08 – Portaria nº 77, de 11/3/2008
De 1º/2/2009 a 31/12/2009 R$ 752,12 – Portaria nº 48, de 12/2/2009
A partir de 1º/1/2010 R$ 798,30 – Portaria nº 350, de 30/12/2009

Equipara-se à condição de recolhido à prisão a situação do segurado com idade entre 16 e 18 anos que tenha sido internado em estabelecimento educacional ou congênere, sob custódia do Juizado de Infância e da Juventude.

Após a concessão do benefício, os dependentes devem apresentar à Previdência Social, de três em três meses, atestado de que o trabalhador continua preso, emitido por autoridade competente, sob pena de suspensão do benefício. Esse documento será o atestado de recolhimento do segurado à prisão .

O auxílio reclusão deixará de ser pago, dentre outros motivos:
- com a morte do segurado e, nesse caso, o auxílio-reclusão será convertido em pensão por morte;
- em caso de fuga, liberdade condicional, transferência para prisão albergue ou cumprimento da pena em regime aberto;
- se o segurado passar a receber aposentadoria ou auxílio-doença (os dependentes e o segurado poderão optar pelo benefício mais vantajoso, mediante declaração escrita de ambas as partes);
- ao dependente que perder a qualidade (ex.: filho ou irmão que se emancipar ou completar 21 anos de idade, salvo se inválido; cessação da invalidez, no caso de dependente inválido, etc);
- com o fim da invalidez ou morte do dependente.

Caso o segurado recluso exerça atividade remunerada como contribuinte individual ou facultativo, tal fato não impedirá o recebimento de auxílio-reclusão por seus dependentes.


Observe que, para fazer jus ao benefício, é necessário ser dependente de preso que não tenha perdido a qualidade de segurado. Atente-se às informações no site da Previdência:

Perda da qualidade de segurado
Para ter direito aos benefícios da Previdência Social, o trabalhador precisa estar em dia com suas contribuições mensais, caso contrário, pode perder a qualidade de segurado.

Há situações em que os segurados ficam um período sem contribuir e, mesmo assim, têm direito aos benefícios previdenciários, enquanto mantiverem a qualidade de segurado.

Mantém a qualidade de segurado:

Sem limite de prazo, quem estiver recebendo benefício;
Até 12 meses após cessar o benefício por incapacidade ou o pagamento das contribuições mensais.
Esse prazo pode ser prorrogado para até 24 meses, se o trabalhador já tiver pago mais de 120 contribuições mensais sem interrupção que acarrete perda da qualidade de segurado;

Para o trabalhador desempregado, os prazos anteriores serão acrescidos de mais 12 meses, desde que comprovada a situação por registro no Ministério do Trabalho e Emprego;

Até 12 meses após cessar a segregação, para o segurado acometido de doença de segregação compulsória;
Até 12 meses após o livramento, para o segurado preso;
Até três meses após o licenciamento, para o segurado incorporado às Forças Armadas;
Até seis meses após interrompido o pagamento, para o segurado facultativo.

Resumindo:
- A legislação que prevê o auxílio-reclusão foi assinada pelos presidentes Fernando Collor (lei) e Fernando Henrique Cardoso (decreto), diferentemente, portanto, do que afirmam algumas mensagens eletrônicas, inclusive em seus títulos, atribuindo o benefício ao presidente Lula;

- o auxílio não é pago aos presos, mas somente a seus dependentes, e mesmo assim, como visto, respeitados alguns critérios;

- destina-se a dependente de segurados de baixa renda, e, como é baseado nos salários-de-contribuição, por óbvio que paga valores modestos, a despeito de as missivas eletrônicas falarem, às vezes, em cifras exorbitantes.


Em tom dramático, as mensagens fazem comparações, falando que os "presos" recebem uma grana, ao passo que suas vítimas ficam à míngua. A afirmação não é necessariamente verdadeira. Se a vítima ostentar a qualidade de segurada do INSS e sofrer alguma lesão corporal - o que não é desejável -, terá, sim, direito a benefício previdenciário.

É importante não acreditar, de plano, nas mensagens que recebemos por e-mail. Em verdade, é temerário até mesmo confiar piamente em postagens como esta. Motivo pelo qual vale a pena clicar nos links no corpo do próprio texto e conferir por si mesmo.

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