sábado, 15 de outubro de 2011

Alguém marcharia a favor?

As chamadas "marchas contra a corrupção" que vêm ocorrendo no Brasil são, num primeiro momento e numa certa leitura, algo sem muito sentido, e, em segundo lugar e por outra ótica, reveladoras de má intenção ou de interesses inconfessáveis por parte daqueles que as insuflam. Antes de prosseguir, tente imaginar alguém organizando uma "marcha a favor da corrupção". Faz algum sentido?

A desaprovação à corrupção é da mesma linha da praticamente natural repulsa que as pessoas ditas normais têm por assassinatos ou assaltos, por exemplo. E ninguém consegue, creio eu, imaginar cidadãos saindo às ruas em marcha contra assassinatos ou contra assaltos. Por óbvio nem é necessário que uma horda de pessoas se organize para demonstrar sua contrariedade à prática de assassinatos e assaltos; assim como no caso da corrupção, as leis e códigos já tipificam o assassinato e o assalto como crimes, sendo isso, per se, a representação da discórdia da sociedade para com tais barbaridades.

Seria, por outro lado, compreensível que as pessoas saíssem às ruas contra assaltos e assassinatos em situações específicas, como, por exemplo, numa "marcha contra assassinatos de líderes de trabalhadores rurais" ou em protesto "contra o aumento do número de assaltos numa dada localidade no último semestre" e coisas assim. O Movimento dos Sem Mídia, por exemplo, recentemente organizou uma manifestação "contra a corrupção da mídia", ou seja, delimitou e direcionou aquela repulsa que, naturalmente, se sente pela corrupção em geral.

Não parece ser o caso de dizer que houve aumento da corrupção no Brasil para justificar, nos termos dos exemplos acima, as marchas realizadas nos últimos dias: observe-se que, pelo menos até agora, ninguém fala em "marcha contra o 'aumento' da corrupção". Ainda que aparentemente haja quem pense ser a corrupção maior hoje em dia, não se veem corajosos o suficiente para empunhar tal bandeira, expondo-se desse modo ao risco de passarem por ingênuos ao renegar todo um conjunto de discussões que defendem - e explicam - que a corrupção é uma espécie de praga já disseminada, de há muito, em toda nossa cultura.

Na mesma linha, dado o fato de as tais marchas se autoproclamarem apartidárias, espontâneas, gerais e radicais, não podem elas dar-se ao luxo de declaradamente concentrar-se num alvo muito concreto e definido. Elas não podem dizer que são contra a corrupção de um certo partido, por exemplo, ou contra a roubalheira numa esfera específica de governo, ou contra uma determinada figura pública (tida como) corrupta. Elas têm que ser contra a corrupção em geral, pagando, portanto, o preço de ser, como já dissemos, sem sentido.

Mas o que estamos dizendo?! É lógico que os atos políticos não podem ser sem sentido; a violência contra a lógica é apenas aparente, pois por certo que eles têm objetivos claros, ainda que inconfessáveis.

Mesmo que não o digam, com as tais marchas querem sugerir a seus próprios participantes - e os há de boa-fé em número decerto não muito reduzido - e a toda opinião pública que haveria hoje no País mais corrupção do que houve ontem. Seus inflamadores sabem que não é verdade, mas querem passar tal tipo de sensação. Para isso, usam uma espécie de mensagem subliminar, eis que lhes falta coragem - e alguma cara de pau suficiente - para advogar, de forma aberta, o aumento da corrupção no Brasil nos dias de hoje ou mesmo nos últimos anos.

De outro lado, os cérebros por trás de tão "espontâneas" manifestações querem usar o natural descontentamento com a corrupção - crime, como já dissemos - para tentar acertar somente o governo federal, especialmente os seus últimos anos petistas. As suspeitas de corrupção nada desprezíveis dos governos federais anteriores a Lula, muito especialmente as do seu antecessor, não parecem ter muita importância para a galera das marchas; muito menos importantes ainda têm se mostrado os malfeitos nos governos estaduais, notadamente de São Paulo e Minas. Sem dizer palavra, as tais marchas são contra a corrupção do PT e de seus aliados, ponto. (As realizadas em Brasília, reconheça-se, nalguma medida parecem ter fugido um pouco do quadro que descrevemos).

As coisas seriam mais simples - e mais providas de sentido - se os insufladores dessas manifestações dissessem claramente o que querem e de que lado realmente estão - ou, pelo menos, contra que lado estão. Contra a corrupção? Ora, com marcha ou sem marcha, a sociedade, mesmo que não o saiba, é contra a corrupção. Assim como é contra o estelionato, o furto, a tortura etc.

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