quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Vagabundos de todo o mundo, relaxemo-nos!


O que seria deste humílimo blog não fossem os criativos e-mails que nos mandam vez ou outra?!

Há poucos dias, recebi de um amigo mensagem intitulada "A resposta do ano!!!", com a imagem que ilustra o presente (veja ao lado), devidamente anexada. Como o leitor pode ler, trata-se de uma foto com uma faixa destacando a seguinte frase: "Tá perdendo Marta? Relaxa e goza!" (sic)

Não sei se realmente houve alguém que se deu ao trabalho de mandar produzir e depois, ao arrepio das leis municipais, pendurar nas vias públicas semelhante faixa. Talvez seja apenas uma montagem bem realizada... Mas, seja como for, o autor daquela bobagem não é muito devotado às regras gramaticais, haja vista que se esqueceu de separar o vocativo por vírgula (o certo seria " perdendo, Marta?). Mas, bem, deixa para lá, afinal o autor destas maldigitadas não tem tanto direito assim de ficar falando dos erros de português dos outros!

Mas, de qualquer forma, ouviu-se muito durante a campanha pela prefeitura de São Paulo a menção à infeliz frase de Marta Suplicy, proferida quando do lançamento do Plano Nacional de Turismo, em 2007, exatamente no auge da assim chamada crise aérea. A frase com certeza foi infeliz, como já dissemos. Porém, apresentada de forma recortada, ela fica descontextualizada. Em verdade, a então ministra do Turismo disse: "Relaxa e goza porque você esquece todos os transtornos depois [ao chegar ao destino]", mais adiante, arrematou: "Isso é igual a parto. Depois esquece tudo". Pois bem, amigo leitor, honestamente, você pensa de forma muito diferente? Se o paciente leitor não se importa, contarei um relato pessoal. Há exatamente três anos, minha esposa viajou para a Europa. Saiu de São Paulo animadíssima rumo a Berlim, porém com conexão em Madri. Mas, na manhãzinha do dia seguinte, eis que atendo um telefonema. Era ela chorando, xingando, reclamando: as autoridades espanholas inexplicavelmente a detiveram. Só o que ela dizia é que queria voltar, queria voltar, porque queria voltar, a viagem já era, estava tudo estragado, o sofrimento era infindável, que ela não tinha sorte, que as coisas só aconteciam com ela etc. etc. etc. E eu, de meu lado, simplesmente lhe disse: "calma, neném, vai dar tudo certo. Assim que você chegar à Alemanha e começar a fazer os passeios, a realizar as suas atividades, a curtir tudo o que planejou, você vai esquecer os dissabores. Fique tranqüila...". Olha, faltou pouco para eu dizer "relaxa e goza"! Ah, antes que eu me esqueça, só para variar eu estava coberto de razão: rapidinho ela esqueceu as sacanagens cometidas em solo espanhol.

Sei que muita gente ficou chocada com a expressão um tanto chula (relaxa e goza), talvez até mais do que com os possíveis contextos da frase da petista. Mas, cá entre nós, é um pouco de moralismo demais numa era em que as crianças falam coisas muito piores sentadas à mesa de jantar. Isso quando se sentam à mesa para jantar...

Os políticos em geral medem muito as palavras. Ao mesmo tempo, e paradoxalmente, costumam deixar ser engolidos pela incontinência verbal. O povo e a mídia, entretanto, adoram isolar as besteiras por eles proferidas de seus contextos originais. A ex-ministra, portanto, não foi a primeira vítima de tal golpe baixo. Por exemplo, o "estupra mas não mata", de Paulo Maluf, também soa pior quando isolado do verdadeiro objetivo do folclórico político ao dizê-lo: em realidade, Maluf quis mostrar-se indignado com o fato de uma pessoa cometer um ato que já seria execrável por si só e ainda incrementá-lo com o "evento" morte; noutras palavras, ele, em momento de absoluta infelicidade, quis valer-se de expressão semelhante a muitas não raro repetidas por aí, do tipo "pô, já roubou, precisa bater, ou precisa matar?"... Outro que se estrepou por usar adjetivo errado no momento errado foi FHC, ao chamar certo tipo de aposentado de "vagabundo". O ex-presidente estava se referindo a um seleto grupo beneficiário de aposentadorias especiais, mas o que se viu na época foi um verdadeiro exército de velhinhos que não se enquadravam na descrição daquele "séqüito" transbordando indignação pela agressão que, a bem da verdade, repita-se, em absoluto não se dirigia a eles. Tudo bem que os tais beneficiários de aposentadorias especiais não cometeram nenhum crime, afinal estavam aposentados por força de lei da época. De todo modo, fora de contexto, a frase de Fernando Henrique soa pior do que o que ela realmente significava.

Mas, além da incontinência, há o destempero verbal. Neste quesito é difícil imaginar alguém que supere o prefeito reeleito de São Paulo, Gilberto Kassab, que, também em 2007, durante a inauguração de um posto de saúde em Pirituba, agrediu um munícipe: "sai daqui, vagabundo!", fato que o simpático leitor certamente se lembra. Com efeito, é bem a cara da elitista São Paulo: choca-se com o "conselho" de Marta Suplicy aos (em sua maioria) privilegiados usuários do transporte aéreo, punindo-a com altos índices de rejeição, mas aprova o homem público que humilha um manifestante pobre, premiando-o com respeitável votação (com perdão do eco!).

É claro que, no andar da carruagem, houve boa dose de pragmatismo e alguma memória seletiva por parte do eleitor. Mas, na época, quando do "arroubo kassabiano", houve, de fato, o ensaio de certo repúdio, aqui e acolá, tanto por parte da mídia quanto da gente comum. Mas as pessoas apenas se mostravam indignadas com a situação pelo fato de o Sr. Kaiser, o cidadão vilipendiado pelo prefeito, ser comprovadamente um homem honesto e trabalhador. Ora, mesmo que ele fosse realmente um vagabundo, não caberia ao prefeito ter agido daquela maneira tresloucada nem ter se dirigido de forma a diminuir a dignidade daquele ser humano. Noutras palavras, não é função de prefeito enxovalhar "vagabundos", mesmo quando for o caso.

Como já disse, não dá para ter certeza se existiu mesmo a tal faixa e se ela de fato foi colocada em local público. Caso tenha sido verdade, não deixa de ser irônico que um - pelo que tudo indica - eleitor do prefeito da lei "cidade limpa" não tenha tido pudores de emporcalhar a cidade, infringindo as leis de posturas municipais. Cá entre nós, é coisa típica da classe média paulistana! Pobre São Paulo!!!


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