domingo, 15 de agosto de 2010

Ação e reação

A presença firme de Dilma Rousseff no Jornal Nacional de 9 de agosto de 2010, respondendo de forma segura aos ataques desferidos pelo casal apresentador do programa, pegou de calças curtas não somente os políticos da oposição, como também aqueles que fazem a "verdadeira oposição" no Brasil, a saber, os dedicados escribas da mídia.

Durante todo o tempo, representantes da oposição (política e midiática) vinham apostando em tropeços da candidata do PT quando tivesse, na TV, que se deparar com o contraditório. O desempenho apenas razoável que ela teve no debate da Band, muitíssimo longe de ser o desastre com que muitos sonharam, não deixou de dar algumas esperanças às hostes oposicionistas. Daí talvez a rápida reação contra a boa participação da petista no principal telejornal do País.

Dora Kramer e as "mentiras" sobre a inflação de 2002
Em coluna de O Estado de São Paulo de 11 de agosto de 2010, a jornalista Dora Kramer afirma que Dilma "mentiu ao se referir a inexistente descontrole inflacionário em 2003", no JN. Em verdade, a colunista quis dizer 2002, o último ano do presidente Fernando Henrique Cardoso.

Pois é. Dilma não mentiu, Dora. Pelo menos não "necessariamente". Em 2002, para uma meta de 3,5% ao ano, a inflação efetiva, pelo IPCA, foi de 12,53% ao ano, ou seja, já passada a sempre temível casa dos dois dígitos. Disse eu que Dilma não "necessariamente" mentiu, porque é, com efeito, uma questão subjetiva considerar 12,53% ao ano como uma inflação descontrolada. Quero com isso dizer que não estranharia ouvir alguém que não considerasse pouco mais de 12% de inflação como exemplo de descontrole de preços. Lembro, no entanto, que não foram raros nos últimos anos o terror perpetrado pela mesma imprensa de Dora Kramer sempre que os índices de inflação anualizados ultrapassavam em décimos de ponto percentual o centro da meta estipulada pelo Banco Central - eu disse o "centro" da meta e não a meta em si. Imagino que uma boa parcela dos leitores hoje teria ataque cardíaco com uma inflação de 12,53%!

Quem quiser conferir os números da inflação de 2002 e compará-la com os de outros anos, ainda nos anos FHC e já na era Lula, favor clicar aqui: http://www.bcb.gov.br/Pec/metas/TabelaMetaseResultados.pdf

Por falar em entrevistas no Jornal Nacional, guardo bem na memória a vez do então candidato Lula em 2002. Uma das perguntas feitas por telespectadores versava justamente sobre a inflação, que já assustava no período de campanha. No debate final com José Serra, também na Globo, uma das convidadas também perguntou aos postulantes sobre a inflação daquela época, acrescentando que "estava muito preocupada". Pelo jeito, o dragão só não fazia parte dos medos de Dora!

E perguntar não ofende: se é verdade que, em 2002, com mais de 12,5% de inflação, a coisa não estava descontrolada, será que, quando se faz um carnaval acerca de qualquer singelo aumento de preços, a imprensa no fundo não quer apenas forçar a elevação dos juros? Com a palavra, a jornalista Dora Kramer.

Miriam Leitão procurando culpados
O Blog Cidadania, de Eduardo Guimarães, comentou e reproduziu texto de Miriam Leitão, publicado no jornal O Globo também em 11 de agosto de 2010, igualmente sobre a participação de Dilma Rousseff no telejornal campeão de audiências e seguindo a mesma trilha de Dora Kramer. Veja o post do Eduardo aqui: http://www.blogcidadania.com.br/2010/08/historias-do-pig-para-boi-dormir/

Miriam esperneia, mas, de certo modo, admite que a inflação na casa dos 12% de 2002 era algo, por assim dizer, "fora do script", para não dizermos fora do controle, haja vista que ela também rechaça essa tese - justo ela, que é das que mais veem inflação em qualquer solucinho de preços! Todavia, a culpa do aumento de preços não era do governo do presidente FHC, afirma a jornalista, mas sim do candidato e presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, que, amedrontando o mercado, provocou a disparada nos preços.

Eis uma tese risível e que expõe o amadorismo dos jornalistas brasileiros. A coisa ficaria mais fácil se eles admitissem seu partidarismo. O problema é que tentam posar de imparciais. Estranho é não se atentarem às suas contradições e, pior ainda, é acharem que o leitor é estúpido o suficiente para não perceber.

Veja bem, caro leitor: quantas vezes já não vimos reverberar a tese de que todo o sucesso do governo Lula é, no fundo, mérito de FHC? Pois bem. A mim me parece um tanto paradoxal: o que é bom no governo Lula deve ser creditado a Fernando Henrique Cardoso, mas o que foi desastroso no ocaso do governo FHC foi culpa do Lula?!

Respondam-me: como levar uma colunista dessas a sério?

Josias de Souza não pode
O experiente repórter e blogueiro da Folha de São Paulo Josias de Souza foi escalado para analisar o desempenho dos presidenciáveis na série de entrevistas a William Bonner e Fátima Bernardes. Já no dia 10 de agosto de 2010, o jornalista acusou a preferida de Lula de tergiversar sobre assuntos importantes, especialmente acerca de alianças estranhas do PT, notadamente com gente como o presidente do Senado Federal, José Sarney.

Acho extremamente divertido quando vejo alguém dos quadros da Folha pegando no pé de Sarney. É que o bigodudo conta com uma coluna cativa na nobilíssima página de opinião do jornal há mais de década. É de estranhar que o mesmo periódico que abriga gente tão impoluta e desinteressada como um Josias de Souza abra espaço tão nobre para figura tão desprezível quanto o ex-presidente da República José Sarney.

Em verdade, o imortal Sarney, mais do que aliado de Lula e Dilma, é, em verdade, um quase colega não somente de Josias, mas de Clóvis Rossi, Eliane Cantanhêde, Fernando Barros e Silva etc. A diferença do Sarney para o Josias, na corporação Folha da Manhã S.A., é que o maranhense conta com muito mais liberdade para escrever, podendo até, como no seu artigo da sexta-feira 13 de agosto de 2010, falar de um certo "populismo midiático". Já o Josias, tem que medir um pouco mais as palavras, sempre pensando em não desagradar o patrão.

Enfim, sem tergiversações: deixa a Dilma se aliar também ao seu colega Sarney, meu caro Josias!

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Imprensa comum

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