Nesta semana, o presidente Lula saiu em defesa do enrascado José Sarney. Falou da história do presidente do Senado, sugerindo que ele mereceria mais respeito por não ser uma “pessoa comum”.
A imprensa, de maneira geral, não gosta das coisas que Lula fala. Imagine, então, quando seu discurso alfineta o liberalismo de mentirinha de que a mídia é a porta-voz.
A grita foi geral: “como assim não é pessoa comum?”; “todos são iguais perante a lei”; “Para Lula, alguns são mais comuns do que outros”. O jornalista Clóvis Rossi asseverou que a fala do presidente brasileiro era uma versão do “você sabe com quem está falando?”.
Ora, Sarney não deve ser mesmo uma pessoa comum. Tanto que ocupa, às sextas-feiras, bem ao lado do simpático Clóvis Rossi, uma nobre coluna na página 2 da Folha de São Paulo. O jornalão paulistano não costuma ceder tal espaço para gente muito ordinária: ocupam-no ou já o ocuparam pessoas como Delfim Netto, Emílio Odebrecht, José Serra, Florestan Fernandes, Marcos Nobre, Marina Silva, Kenneth Maxwell e outras menos comuns do que aquelas que têm suas missivas devidamente editadas na página seguinte, numa menos nobre sessão conhecida como “Painel do leitor”!
Por falar em Folha, e de resto toda a imprensa, seria interessante que se colocasse em prática esse reconhecimento da igualdade entre os cidadãos. Um bom começo seria aceitar numa boa que possíveis prejudicados buscassem socorro no Judiciário, sem serem acusados de estar atacando a liberdade de imprensa ou - sacrilégio! - a liberdade de expressão. Noutras palavras, se, por exemplo, seguidores da Igreja Universal se sentissem ofendidos por matérias de jornais, poderiam, sem ser agredidos com editoriais de primeira página, recorrer à Justiça. Afinal, donos de jornais também são pessoas comuns, e, por conseqüência, as empresas que lhes dão lucros não merecem qualquer status especial,o que quer dizer que podem ser processados como "qualquer um". Ou será que Lula tem razão, e na verdade esse papo de igualdade é conversa mole para boi dormir?
Lula não defendeu apenas Sarney. Em verdade, o presidente brasileiro intercedeu em favor do Senado Federal e, em última análise, do Congresso Nacional. O fato, negligenciado pela imprensa, mereceria melhor análise.
Passou pela cabeça de alguém a idéia de que o presidente poderia, em realidade, faturar com um Congresso combalido? Pensemos bem: sem dúvida que diversos governantes em todo o mundo sonhariam ter a popularidade extraordinária de Lula com um parlamento desacreditado. Seria difícil para muitos resistir à tentação de botar em prática a mão de ferro. Imaginemos um FHC, com a aceitação popular que tem o atual presidente, governando com um Congresso Nacional tão impopular: que sonhos estariam passando pela cabeça dele? E quais os conselhos que lhe estariam dando os donos de jornais?
Observe-se, também, que Lula, mais do que na Câmara, costuma passar por maus bocados nas votações do Senado. Ou seja, ele teria milhões de motivos para deixar a Câmara Alta chafurdar sem precisar arranhar o seu prestígio fazendo-lhe uma defesa que, a bem da verdade, não deixa de ser inútil. Pensando bem, Lula atuou como estadista: agiu em favor da harmonia dos poderes. Não é todo dia que o chefe do Executivo sai em defesa de outro Poder, ainda mais quando não se tem tanta certeza de que ele lhe é tão favoravelmente complementar.
E quem parece que melhor matou a charada mesmo foi o jornalista Paulo Henrique Amorim. Disse ele que a perseguição capitaneada pela mídia contra Sarney somente agora, depois de “quinhentos anos” de abusos e "ligações perigosas" do ex-presidente, deve ser em virtude de ele não dar moleza para José Serra, por conta da sabotagem cometida contra a pré-candidatura da filha para o pleito de 2002, e também pelo fato de cometer o supremo pecado de apoiar o governo de Luiz Inácio Lula da Silva. De fato, é muito para o PiG!
Leia o divertidíssimo texto de PHA clicando aqui.
Não é sobre liberdade (e eles sabem disso)
Há 5 semanas
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