Somos todos corruptos; a corrupção está no nosso DNA; a corrupção no Brasil é uma coisa cultural: são alguns chavões de que o leitor já deve estar cansado.
Vez ou outra, no entanto, vêem-se alguns acontecimentos que parecem confirmar todo tipo de lugar-comum sobre o assunto.
Recentemente, por conta do clima natalino, a transnacional espanhola Telefônica ofereceu um encontro para os funcionários do PROCON de São Paulo. No encerramento da festa, foram sorteados alguns prêmios para os felizes funcionários do famoso órgão de defesa do consumidor. Dentre os mimos encontravam-se tocadores de MP3 e aparelhos de DVD. Segundo a companhia telefônica, a intenção era melhorar o relacionamento com o respeitado órgão paulista. Ah! Um pequeno detalhe: a Telefônica é a campeã de reclamações no PROCON.
O PROCON da capital paulista, segundo a imprensa, devolveu os prêmios mediante ofício.
É risível a alegação da corporação espanhola, a de que não tinha o menor interesse de “comprar” ninguém e, mais do que isso, estava imbuída apenas da excelente intenção de oferecer um aceno de simpatia a pessoas com quem tem lidado diariamente por conta dos “naturais” problemas a que uma empresa de gigantesco porte está sujeita. Bem, é difícil encontrar um corruptor, quando é o caso, que admita que realmente está dando presentes esperando algo em troca!
Não vi as manifestações dos funcionários do PROCON agraciados com a generosidade da companhia espanhola, mas ouso dizer que não tenho dúvidas que cada um deles garantiria não haver nada demais em receber um "presentinho", ainda mais nessa época de final de ano, sob o já citado clima de festas, até porque não haveria nenhuma relação de causa e efeito nessa história toda que corroborasse um caso clássico, indiscutível, de corrupção. Aliás, há muita gente, inclusive especialistas, que defendem a razoabilidade de tal ponto de vista.
Há dificuldades nesse tipo de assertiva, referentes sobretudo à definição de “presente de pequeno valor”. Em primeiro lugar, para uma empresa como a Telefônica é bem provável que, por exemplo, um carro zero quilômetro poderia ser considerado um “presentinho” de pequeno valor. Em segundo, há o risco de se aplicar aquele exercício lógico chamado de “sorites”: se um bem de, por exemplo, R$30,00 é presente de pequeno valor, um de R$31,00 também o é; se o de R$31,00 é, um de R$32,00 também o será. Daqui a pouco, chegar-se-á à conclusão de que um bem de, digamos, R$100,00 é de pequeno valor e assim por diante.
Um caso desses somente se resolveria se houvesse algo frio e objetivo, no caso uma lei, que determinasse que um “presente” até X reais é de pequeno valor, e um funcionário público recebê-lo não constitui problema nenhum. Em não havendo isso, a definição de pequeno valor será de ordem subjetiva e também será, principalmente, relativa.
Quanto aos funcionários do PROCON, é só de lamentar que tenham achado normal participar dessa patacoada toda. Alguém aí falou no elemento cultural da corrupção?
Mas era só o que faltava, chamar o PROCON para reclamar do... PROCON!
Não é sobre liberdade (e eles sabem disso)
Há 5 semanas
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