Dia 22 de setembro é o Dia Mundial sem Carro.
Em São Paulo, até mesmo o mais empedernido manifestante anticarro deve torcer para que os paulistanos não dêem muita pelota para a data. Isto porque o transporte coletivo, ruim todos os dias, costuma ser especialmente crítico às segundas-feiras, e alguns milhões de usuários a mais no primeiro dia útil da semana fariam do sistema um inferno pior do que ele já é. (Dizemos tudo isso, é claro, imaginando que em virtude do péssimo planejamento da cidade, muitos poucos poderiam se dar ao luxo de ir a seus compromissos a pé ou aventurar-se a eles ir de bicicleta).
Essa, aliás, é a grande desculpa que a maioria dos usuários do transporte individual usa para justificar a sua repulsa ao transporte coletivo: a sua notória precariedade. Mas, como já tivemos ocasião de dizer, em realidade, na cidade de São Paulo, a preferência pelos carros não decorre da má qualidade do sistema coletivo. Antes o transporte público é ruim por conta da predileção pela solução particular oferecida pelos automóveis.
Como reforço do que dizemos, noutras oportunidades lembramos que as pessoas usam o veículo particular nas situações em que até mesmo o transporte coletivo seria dispensável. Observa-se também que há, entre os usuários contumazes dos carros, moradores de regiões que não estão entre as mais mal servidas pelo sistema público de transporte, e que, portanto, não comportariam tal justificativa.
Desnecessário dizer que o automóvel particular está longe de constituir uma solução. Ele não é sucedâneo para o transporte coletivo, haja vista o tempo que se perde todos os dias no trânsito. Seus apologetas diriam, porém, que, se é para passar algum estresse, então que seja dentro da “bolha de lata”! (Com tal pensamento, o sistema público de transportes nunca será prioridade e um redesenho urbano que permitiria deslocamentos a pé ou por meio de bicicletas é algo impensável.) Acerca desse egoísmo dos motoristas, o filósofo André Gorz diz tratar-se de “um comportamento universal burguês”, decorrente da massificação do automóvel.
No mesmo texto, “A ideologia social do automóvel” (1973), publicado no Brasil pela Editora Conrad na coletânea “Apocalipse Motorizado”, Gorz cita um seu amigo da então Alemanha oriental que, ao contemplar o tráfego parisiense, disse desoladamente: “nunca se construirá o socialismo com esse tipo de gente”. Ninguém aqui, é claro, pensa em socialismo. Mas a mudança para um trânsito mais humano e com prioridade para o coletivo teria que nascer da mudança de comportamento das pessoas em relação ao transporte individual. Quando a solução para o caos em que nos encontramos for verdadeiramente enxergada como inserida na melhoria do sistema coletivo ou no uso de modelos alternativos, a pressão social obrigará o poder público a fazer a sua parte, seja com investimentos no sistema, seja com replanejamentos, seja com construções de ciclovias, e os operosos concessionários donos de empresas de ônibus não hesitarão em investir em melhorias. Estou sendo ingênuo? Bem... Alguém tem que acreditar no capitalismo neste país!
Minha proposta é que, em vez do Dia Mundial sem Carro, que se comece na terça-feira dia 23 uma campanha mundial pelo uso racional do carro, campanha esta que seja construída aos poucos. Em São Paulo, com um movimento desse tipo, o novo prefeito poderia sentir que as pessoas estão mudando sua atitude em relação ao transporte, e desse modo trabalharia a questão de forma diferente. Caso contrário, como político não é bobo, ele continuará preferindo a demagogia de fomentar o egoísmo dos irritados com o transporte coletivo. Em vez do “comam brioches”, ele continuará dizendo “que comprem carros”. Mas aqui nenhuma revolução será feita. Já a venda de automóveis corre o risco de continuar batendo recordes!
Não é sobre liberdade (e eles sabem disso)
Há 5 semanas
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