Os leitores um pouco mais velhos, mas ainda possuidores de razoável memória, talvez se lembrem de uma antiga campanha publicitária do jornal Folha de São Paulo que dizia: “Atenção: este país tem um alarme”. O “alarme”, por óbvio, era o diário paulistano, que naqueles tempos destacava-se por um jornalismo investigativo e perscrutador.
Lembrei-me disso porque, para o Presidente Luiz Inácio da Silva, está-se fazendo muito “alarde” na questão dos mais recentes dados sobre o desmatamento (o desmate, como diz a Folha) na Amazônia. O alarde é do INPE, das ONGs e até mesmo do Ministério do Meio Ambiente, mas está sendo sobejamente difundido pela nossa dedicadíssima imprensa. O presidente, sabedor da opção preferencial da mídia pela má notícia, talvez tivesse vontade de dizer: “Atenção: este país tem um ‘alarde’”.
Sei bem quão infame é o trocadilho e não nego que possa ser algo despropositada a brincadeira. Mas fiquei com isso na cabeça ao acompanhar a força crítica que a triste notícia vem ganhando nos órgãos midiáticos tupiniquins.
O primeiro ponto a se levantar é o de que o Brasil apresentou nos últimos três anos dados que apontavam para um ritmo consideravelmente menor de desmatamento. Propagados na imprensa estrangeira, os números, dignos de rasgados elogios nos mais importantes órgãos informativos mundo afora, não mereceram muito “alarde” por parte da mídia nativa.
O segundo aspecto a ser destacado é a má vontade apresentada por certos setores, inclusive a imprensa, para com o Ministério comandado por Marina Silva, acusado de ser linha-dura o suficiente a ponto de impedir o crescimento do PIB brasileiro acima de outros países que não o açoitado Haiti, especialmente no ano eleitoral de 2006. O jornal O Estado de São Paulo chegou a publicar editorial responsabilizando uma suposta pequenez de visão dos ecologistas pelos números então raquíticos do crescimento brasileiro. E os ecologistas e toda a turma do Ministério do Meio Ambiente que se preparem: se faltar, por exemplo, energia no Brasil, os jornais vão soltar o verbo, acusando a trupe de Marina, as ONGs e os demais simpatizantes da causa verde pelas dificuldades de concessão de licenças ambientais e pelo atraso de licitações para obras de interesse da matéria.
Um terceiro e bastante representativo viés sobre o assunto são os rumores de que o desmate se deu por conta do aumento de produção de gêneros ligados à pecuária e ao setor de agronegócios. Não por acaso os dois segmentos são responsáveis, em grande medida, pela relativa melhoria nos indicadores econômicos brasileiros, o que comprova a evidente hipocrisia dos meios de comunicação, que, agora – e somente agora –, fingem estar preocupados com a dizimação de nossas florestas. É fácil falar do que se vê; difícil é imaginar o “como seria”. Mas não duvido que se o setor agrário estivesse caindo pelas tabelas, porém com uma Amazônia preservada, a mídia também estaria descendo o pau no governo brasileiro, com direito a alguns estilhaços aos ecologistas “retrógrados”.
Muitos sempre torcem o nariz quando o assunto escorrega para um terreno ideologicamente pantanoso, mas a grande verdade é que o drama ecológico, em todas as suas formas, está ligado ao que se poderia chamar de ordem capitalista internacional. Não há o que dizer: a discussão sobre o tema se resume a uma situação de crise estrutural do sistema. Em verdade, a própria agenda ecológica somente ganhou espaço nas últimas décadas porque o capital passou a se reproduzir num ritmo mais rápido do que a natureza. Com efeito, é assombroso pensar que boa parte do que se consome diariamente no mundo é puro desperdício ou é mau uso de recursos naturais. Mais apavorante ainda é pensar que, se amanhã acordássemos todos conscientes e passássemos a apenas consumir o que de fato necessitamos e – mais ainda - fôssemos tomados do mais cerimonioso respeito pela natureza, o mundo, sem sombra de dúvidas, iria à bancarrota.
Bobagem? Os problemas ambientais nada têm a ver com o modelo de produção econômica? Ótimo! Então que se avise aos Estados Unidos, para que ratifiquem logo o Protocolo de Kyoto! E as florestas de países mais desenvolvidos, onde é que estão?
Não é sobre liberdade (e eles sabem disso)
Há 5 semanas
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