domingo, 24 de fevereiro de 2008

Lute pelos seus direitos! Mas nunca processe a "Folha", tá?!

O jornal Folha de São Paulo causou espécie com o seu editorial de primeira página do dia 19 intitulado “Intimidação e má-fé”, no qual repudia ações judiciais promovidas em todo o Brasil por seguidores da Igreja Universal do Reino de Deus que teriam se ofendido com reportagem da jornalista Elvira Lobato sobre atividades da organização. O jornal aproveita para denunciar a possibilidade de cerceamento da liberdade de expressão e reafirma seu compromisso com o direito dos cidadãos à informação.

Difícil não receber tal iniciativa com alguma desconfiança.

Se os cidadãos têm o sagrado direito à informação, têm-no também de buscar socorro no Judiciário quando achar que convém. Como bem disse Wilson Bolognesi, no “Painel do Leitor” de 20-02-2008, “se o sistema permite as ações, a Folha que se defenda com as regras da lei”. Há, porém, situações em que as pessoas podem abusar do direito de demandar. E, com efeito, já há alguns fiéis da Universal que vêm sendo condenados por litigância de má-fé nesse episódio. Isso deveria ser um motivo a mais para o jornal despreocupar-se das ações que lhe vêm sendo apresentadas em todo o país, haja vista o reconhecimento, por parte do “sistema”, da impertinência de algumas delas.

Não se pode também valer-se da liberdade de expressão como um escudo. Diga-se, aliás, que sempre que aparece alguém tentando propor algum tipo de regra ao setor de comunicações, usando para isso os notórios exemplos de abuso da mídia, sempre surge um outro que diz bastar aos que se sintam ofendidos ou injustiçados que procurem reparação judicial nos moldes em que reza a Constituição. Perfeito! Como disse um velho conhecido meu (conhecidíssimo, aliás!), que também teve a honra de ver sua mensagem publicada no “Painel do Leitor”, “o jornal deve estar preparado para as reações que suas reportagens suscitam”. Ou como disse de forma bem mais didática o presidente Lula, em fala reproduzida na mesma edição de 20 de fevereiro, “quem fala o que quer, ouve o que não quer”. É isso mesmo: é esse o Estado de Direito de que tanto gostamos! A liberdade de imprensa pressupõe responsabilidade; logo, ela não é um fim em si mesmo, antes podendo provocar respostas dos mais diversos matizes e nas mais variadas instâncias.

O jornal - e parece que de certo modo alguns juízes também - vê no “milagre da multiplicação de ações” de fiéis em todos os rincões do Brasil uma tentativa de impor dificuldades à defesa, obrigando a jornalista responsável pelas matérias a deslocar-se para os mais diversos pontos do país para prestar esclarecimentos e coisas do gênero. Ora, mas a Folha de há muito que não é "de São Paulo", mas de todo o Brasil! O jornal, aliás, não raro se mostra bastante orgulhoso da influência que exerce em todo o país. Se amanhã o governador do Amazonas, por exemplo, der uma entrevista em que cite a Folha para confirmar ou negar algo, o jornal soberbamente reproduzirá suas palavras. Mas quando leitores do interior do Acre, valendo-se de prerrogativas que a lei lhes permite, recorrem à Justiça contra a mesma Folha é porque estão sendo instados por seus pastores ou porque estão participando de um ardil orquestrado? É simples, Folha de São Paulo: limite a sua circulação à cidade onde fica a Alameda Barão de Limeira, e certamente as petições em nível nacional tenderão a rarear!

O editorial fala em intimidação. Mas não seria o caso de perguntar se ele próprio, o editorial, não tem a tentativa de intimidar, não os juízes, figuras independentes por definição, mas possíveis futuros litigantes dentre a gente comum? É bom lembrar que houve alguns exageros na imprensa sobre a questão da febre amarela, por exemplo. Houve quem morresse por reações à vacinação; houve quem corresse risco de morte por dupla vacinação; houve quem se expusesse a riscos em regiões endêmicas por não conseguir vacinas em certos locais, por culpa da aplicação desnecessária em pessoas alarmadas pela mídia. Algumas organizações já manifestaram a intenção de acionar judicialmente órgãos de imprensa e alguns jornalistas pela conduta irresponsável no episódio. Será que a Folha está se antecipando ao fato e, desse modo, pretendendo “intimidar” os que vierem a processá-la por este ou qualquer outro motivo?

Disso tudo se depreende que a tal imprensa burguesa não serve nem para ser liberal. Senão vejamos: uma jornalista séria e competente pesquisa, investiga e produz uma boa matéria; um jornal supostamente sério a publica, expondo-se às reações que sua iniciativa pode provocar; pessoas que se sentem ofendidas buscam reparação na Justiça, dispondo-se também a responder por seus atos; juízes em todos os grotões do país vêm decidindo ou tomando as medidas cabíveis. Em suma, o sistema funciona perfeitamente de acordo com o que se chama Estado de Direito. Tudo muito simples: não merecia, jamais, um pomposo editorial de primeira página! A não ser que a intenção tenha sido realmente outra...

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