E o mundo vive uma crise de alimentos. Tem-se a reboque o risco de inflação mundial. Os mais pobres, evidentemente, pagarão as contas mais pesadas de tal desequilíbrio. E dentre os vilões apontados estão os biocombustíveis. Trata-se de assunto que traz à tona questionamentos sobre como se assimila um discurso, não apenas no Brasil, mas em nível internacional.
O problema referente à fome no mundo não é novo. Já de há muito que diversos críticos apontam as contradições e desigualdades inerentes ao capitalismo, sempre lembrando que um contingente importante dos habitantes do planeta não tem acesso ao mínimo para a sobrevivência. Enquanto tal discurso ficava restrito aos esquerdistas, aos retrógrados, às “viúvas” do socialismo ou, como diria o ex-presidente FHC, aos “neobobos”, parece que ninguém dava muita atenção a ele. Agora, quando ele finalmente está nos gabinetes da União Européia ou na boca de economistas do FMI, a mídia aparentemente não vê nenhum problema em reproduzi-lo, e o faz de forma que chega a ser assustadora.
E uma péssima notícia para o Brasil é que a produção de biocombustíveis vem sendo apontada, quase sem-cerimônia, como uma das possíveis responsáveis pela crise global dos alimentos. Ninguém parece estar rindo de tal assertiva, repetida pelo secretário-geral da ONU e por gente graúda de instituições como o Banco Mundial e a OMC. Deu-se, porém, de forma diferente quando Fidel Castro e Hugo Chávez, há pouco mais de um ano, disseram exatamente a mesma coisa a respeito dos biocombustíveis: observou-se daquela feita um certo desdém e algum deboche por parte da mídia e de boa parte da opinião pública internacional.
Depreende-se de tudo isso que as falas e as opiniões, isoladamente, não são o que há de mais importante; o peso está também – e em alguns casos, principalmente – em quem as emite: daí os chamados “argumentos de autoridade”. Quantas vezes não se vê e ouve por aí alguém querendo encerrar um assunto simplesmente dizendo que o que está a afirmar foi lido num jornal, ou visto num programa de TV, ou ouvido da boca de um professor, ou “puxado” na Internet, ou checado num livro? Nada disso, por óbvio, é garantia da verdade ou sequer da probabilidade de uma afirmação. Não se pode, portanto, tomar por verdadeiro algo apenas porque foi proferido por Fidel, assim como não se deve considerar relevante a mesma tese somente por ter sido repetida por um, digamos, Gordon Brown.
Têm sido boas as intervenções sobre o tema por parte do presidente brasileiro (ele também uma “autoridade” a ser considerada). Luiz Inácio Lula da Silva lembrou, num primeiro momento, que os aumentos de preço dos alimentos em nível mundial podem estar associados ao crescimento da demanda, haja vista que as mudanças de paradigmas de desenvolvimento trouxeram ao mercado grupos que vinham historicamente sendo mantidos em estado de exclusão, ou conforme mais ou menos dito pelo presidente: “os indianos estão comendo mais, os brasileiros estão comendo mais, os chineses e venezuelanos também”. Sobre o etanol, Lula tem contra-atacado lembrando dos efeitos perversos dos sucessivos recordes de preços do petróleo sobre os custos dos alimentos, os quais, segundo o presidente do Brasil, são muito mais importantes para explicar o fenômeno da famigerada crise do que a possível diminuição de terras para o plantio de comestíveis em favor do cultivo de matérias-primas para os biocombustíveis.
Como se vê, o presidente Lula também tem o seu discurso... O pior de tudo é que talvez todos que opinem sobre o assunto tenham o seu quinhão de razão. Mas os mais certos de todos provavelmente são aqueles que vêem nesse tópico mais um desdobramento da “crise estrutural do capitalismo”. O problema é que ao usar tal expressão não se está argumentando, expondo idéias ou fazendo críticas, está-se cometendo heresias! Até que um dia a heresia se transforme em discurso...
Não é sobre liberdade (e eles sabem disso)
Há 5 semanas
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