sábado, 31 de maio de 2008

Para não dizer que não falamos de contrastes

Nas últimas semanas tem-se visto uma firme atuação de funcionários de um programa da prefeitura de São Paulo chamado “São Paulo Protege”. Eles têm trabalhado com os moradores de rua da região central da maior e mais rica cidade brasileira. Este blog ainda não conseguiu apurar qual é exatamente o objetivo do programa, mas se sabe que já de longa data as secretarias municipais responsáveis por áreas de desenvolvimento e promoção social agem junto ao contingente de excluídos do município, fazendo levantamentos, oferecendo vagas em abrigos, tentando convencê-los a ir para albergues etc.

É sempre importante falar da desigualdade brutal verificada na maior metrópole do país, embora o tema soe no mais das vezes repetitivo, estéril, maçante. Em poucos minutos de caminhada por ruas importantes da megalópole, vêem-se pessoas apressadas literalmente pulando corpos deitados na calçada, ou crianças e adolescentes pedindo dinheiro, não raro de forma intimidatória.

Entristece ver tal situação num país que, nesta semana, recebeu mais um “grau de investimento” de notável agência de riscos. Não se trata de ser amargo e mal-humorado como um Clóvis Rossi, ou de ser derrotista como a maior parte da classe média brasileira, incapaz de ver quão melhor está o país nos últimos anos. Como bem gostam de lembrar o chanceler Celso Amorim e o presidente Lula, o resto do mundo tem avaliado o Brasil de tal maneira que, se alguém lê sobre o país na imprensa brasileira e estrangeira concomitantemente, pensa que se está falando de países absolutamente diferentes. De qualquer forma, é absolutamente imprescindível vencer as desigualdades: não podemos continuar eternamente aceitando a condição de país de contrastes.

Vejam só: assistindo à programação do canal BandNews na noite de sexta dia 30, fiquei estupefato com a notícia de um posto de gasolina em Diadema assaltado dezenas de vezes por uma quadrilha que contemplava um garoto de 12 anos e também pela divulgação, por parte do IBGE e do IPEA, de que mais de 30 milhões de brasileiros não são atendidos por serviço de esgoto. Entre uma e outra, o noticioso do Grupo Bandeirantes apresentou uma reportagem acerca da espera que pretendentes de caminhões zero quilômetro estão tendo que amargar, pois a indústria nacional não está conseguindo atender à crescente demanda!

No dia anterior, quinta-feira 29, havia várias viaturas do já citado “São Paulo Protege” estacionadas na Praça Pedro Lessa, na região do Anhangabaú. Há, no local, diversas pessoas em “condição de rua”, como “eufemisticamente” se vem falando desses grupos de excluídos, certamente sendo atendidas pelo programa paulistano. Subindo a pé para a XV de Novembro via-se outro grupo de pessoas reunido. Este formava uma fila em frente à BOVESPA. Era de gente que aguardava a chamada para assistir a apresentação de como funciona a Bolsa. É o contingente de “incluídos” querendo também “incluir-se” no rol dos que participam da festa do mercado de ações brasileiro, o qual gira bilhões de reais todos os dias e que bate sucessivos recordes a toda hora.

À noite, a poucos metros de uma das maiores universidades da zona leste da capital paulista, vê-se um homem que dorme na calçada, sob o toldo de um comércio. À sua “cabeceira” tem-se uma mochila, o que parece indicar que este morador de rua talvez leve uma “vida normal” durante o dia. Recostado no canto, ele atrapalha muito pouco os jovens estudantes que se dirigem para os estacionamentos que ficam naquela mesma rua.

Em uma visita a São Paulo alguns anos atrás, o filósofo alemão Jürgen Habermas, ao ver a cidade cheia de indústrias ao lado de favelas, perguntou como era possível se viver e pensar num país desses. Tal inquietação não é privilégio de intelectuais: há um ano, minha esposa recebeu duas turistas peruanas. As moças ficaram incomodadas com a quantidade de pessoas morando nas ruas. A indignação delas, no entanto, não foi por vê-los nos trechos mais decadentes da região central, mas ao constatar que também os havia nas modernas imediações da Paulista.

Não há negar que o capitalismo, sobretudo o tardio, é produtor de tais desigualdades e que muitos de seus problemas estruturais provocam esse estado de coisas – já tivemos oportunidade de falar disto noutras oportunidades e talvez não caiba repisá-lo aqui. Mas é possível, mesmo dentro da lógica do sistema, diminuir as diferenças ao nível da decência. Para tanto, muitas coisas são necessárias, vontade política dentre elas. Mas e quanto a nós, será que nossa capacidade de indignação não anda um pouco atrofiada? Por acaso não temos achado um pouco normal demais andar pelas ruas pulando corpos?

Talvez estejamos tão ocupados prestando atenção na Bolsa ou encomendando caminhões, que não sobra tempo para nos preocuparmos com a população “em condição” de rua.

Um comentário:

Anônimo disse...

Concordo com tudo o que você disse. O egoísmo já começa quando saímos de carro sozinhos numa cidade que já não suporta mais automóveis.Nas ruas, riqueza e miséria lado a lado. O Brasil é um dos maiores paradoxos do mundo ! Parabéns pelo blog.

Luciano Scarpa

http://acorda.paulistano.zip.net/