sábado, 3 de maio de 2008

Terceiras intenções

É comum desejarmos o que não possuímos. Mas é difícil querermos algo que não sabemos ou de que nunca ouvimos falar. E é reservado aos visionários querer algo que ainda não foi inventado ou enunciado. Com efeito, seria praticamente impensável que nos anos 1950 um cidadão médio pensasse em – e desejasse – algo como a Internet, por exemplo.

O exemplo acima é um tanto radical; fiquemos com algo bem mais recente: a idéia do terceiro mandato para o presidente Lula. Segundo pesquisa CNT/Sensus divulgada esta semana, mais de 50% dos eleitores consultados são favoráveis a outra reeleição consecutiva ao presidente. Parece que já houve uma famosa colunista política que reprovou a sondagem do instituto, sob a alegação de que não se deveria perguntar aos eleitores sobre algo que não existe.

De fato, o mais normal seria que as pessoas simplesmente ignorassem tal questionamento, pois ele trata de algo que formalmente não poderia ocorrer, pois, até o momento, é vedado pela Constituição. O assunto, porém, existe. E existe por culpa da imprensa à qual nossa colunista pertence, além, é claro, por obra da oposição sem projeto. O leitor há de se lembrar que às vésperas das eleições de 2006, quando se acreditava que Lula seria reeleito presidente ainda no primeiro turno, nomes da oposição tentavam incutir na opinião pública o temor de que isso provocaria no presidente a tentação de mais um mandato consecutivo; com o segundo turno, mas com uma vitória esmagadora, analistas de dentro e de fora da mídia continuaram insistindo que a boa maré do presidente o levaria a desejar mais quatro anos; a inabalável popularidade de Lula e os bons números da economia não deixaram, desde 2006, que o fator “inexistente”, a possibilidade de terceiro mandato, saísse da pauta da imprensa. E é claro que já houve, por conseqüência disso tudo, deputado que apresentou projeto de mudança na Constituição com esse fim.

A Internet, outrora inexistente, passou a existir e popularizou-se. Hoje, muitos não sabem como viviam sem ela. Os muito novos não conseguem nem imaginar viver num mundo em que a famigerada rede não exista. De modo análogo, a possibilidade do terceiro mandato era incogitável há alguns anos. Aliás, mesmo uma única reeleição não era pensável no Brasil até a virada de mesa de FHC em 1997. A tese de terceiro mandato só passou a ganhar corpo, ora bolas, porque imprensa e oposição (que atualmente no Brasil formam uma coisa só) insistiram de forma nauseante no tema, sem perceber que isso se tratava de um elogio ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (insisto que se Lula realmente quisesse um terceiro mandato, mas fosse um presidente impopular, ninguém estaria dando muita bola ao assunto, ao contrário, muitos adorariam vê-lo sendo fragorosamente derrotado nas urnas). Enfim, a imprensa e a oposição criaram o tema “terceiro mandato”, e as pessoas, por seu turno, passaram a pensar nisso e, pelo jeito, começaram a gostar de uma idéia que, inegavelmente, existe.

Houve quem lembrasse a nossa colunista que a pergunta sobre o terceiro mandato do presidente já havia sido feita anteriormente por outro instituto: em pesquisa publicada em dezembro de 2007, o DataFolha apurara que 65% dos eleitores rechaçavam um outro mandato consecutivo para o atual ocupante do Planalto. O resultado foi manchete principal de uma edição dominical da Folha, mas, estranhamente, daquela feita ninguém reclamou do fato de o instituto fazer a pergunta sobre “algo inexistente”, tampouco alguém chiou com a iniciativa de o jornal estampar a sua primeira página com a “mula-sem-cabeça”. É muito provável, pois, que a nossa colunista não goste mesmo é do fato de que o povo simpatize com a possibilidade de mais um mandato para o presidente.

Assim não dá! O povo brasileiro precisa parar com essa mania de querer contrariar os nossos colunistas da mídia!

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