Recentemente, um colega aluno da gloriosa Escola de Sociologia e Política de São Paulo declarou-me quão interessante considerava o fato de as idéias políticas do inglês John Locke (1632-1704), sobretudo as expressas no Segundo tratado sobre o governo, lhe soarem mais atuais, mais “digeríveis” do que as presentes no pensamento do genebrino Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), especialmente as desenvolvidas no seu Contrato social. Como se vê, este é posterior àquele, e, pensando de forma absolutamente linear, talvez fosse mesmo de se esperar que Rousseau trouxesse elementos que nos explicassem melhor o mundo num grau mais refinado do que os trazidos à luz por Locke.
Fazemos nosso julgamento não apenas conforme nossas próprias idéias – ou as idéias dominantes de nosso tempo -, mas também de olho na realidade que nos cerca. Por isso, conceitos como “vontade geral” e “liberdade como dever”, por exemplo, parecem-nos mais difíceis de entender do que a idéia de que a sociedade política foi formada a partir da associação de homens livres que o fizeram para melhor garantir seus direitos, sua vida e sua propriedade, o que é, grosseiramente falando, uma carta de intenções de características liberais. Daí a melhor compreensão e conseqüente aceitação de Locke.
Mas ater-se à linha do tempo para cobrar a atualidade do pensamento dos filósofos talvez não seja o melhor expediente. Como já dissemos, tal leitura vai depender da forma como enxergamos o mundo e da realidade concreta que nos circunda. Se a memória não me prega uma peça, no final dos anos 1980 ou início dos 90, a revista Exame fez uma matéria na qual dizia que Karl Marx, um pensador do século XIX, tinha virado algo como um calhambeque, ao passo que Adam Smith (século XVIII) parecia uma espécie de carro possante de última geração. A metáfora era bastante clara: naquele momento de esfacelamento do chamado “socialismo real” e da aparente universalidade da solução neoliberal, as idéias de mais de duzentos anos do inglês pareciam dar melhores respostas ao mundo do que os princípios enunciados pelo grande pensador alemão somente um pouco mais de século antes. Todavia, passados quase vinte anos da publicação daquela revista, uma busca de atualidade para o pensamento de Adam Smith seria colocada em xeque caso nos ativéssemos à crise subprime americana, afinal, o “mercado” não vem se auto-regulando para resolver tal problema, e, em vez da “mão invisível”, o que se tem é a “mãozinha” dos bancos centrais mundo afora; e o mais interessante é que ninguém parece estar reclamando de tanto intervencionismo oficial!
Outra questão do mundo atual, o problema dos alimentos, parece estar provocando a redescoberta de Thomas Robert Malthus. O ex-presidente José Sarney lembrou-se dele em artigo sobre o tema para a Folha de São Paulo. Não há muito se dizia uma perda de tempo considerar as assertivas do sacerdote economista. Muitos asseveravam que, dentre outras coisas, a tecnologia não permitiria jamais que o sombrio prognóstico malthusiano se verificasse na prática. Muitos críticos sequer consideravam o fato de que o próprio Malthus entrevia que sua visão pessimista, ou seja, o aumento da população a níveis acima da capacidade da natureza de lhe oferecer subsistência, sofreria alguns “freios positivos”, a saber, miséria, fome, morte, epidemias, lutas etc. que, em última análise, seriam moderadores naturais exatamente do risco de aumento da população a cifras catastróficas. Mas, de todo modo, atualmente não parece estar havendo problemas em citar o velho Malthus em discussões intelectuais, pois se trata de uma época em que se encontra dificuldade de produzir alimentos suficientes para se “vender” a todos habitantes do mundo, o que, guardadas as devidas proporções, traz alguma atualidade ao clássico Ensaio sobre a população, de 1798.
Os pensamentos vão e vêm; são representativos para uns, renegáveis para outros; o que serve num dado momento histórico é repudiado no outro. E a linha histórica no tempo nem sempre é bom juiz...
Não é sobre liberdade (e eles sabem disso)
Há 5 semanas
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