domingo, 25 de janeiro de 2009

'Espectro' industrial de reserva

As idéias de Marx continuam aparecendo com força. Alguns dirão que elas estiveram sempre em voga, e que a diferença agora é que a chamada crise financeira internacional as está colocando em maior evidência.

No caso do Brasil, por conta da propalada - não muito bem esclarecida – “onda de desemprego”, está-se vendo a entrada em cena do velho conceito marxista do exército industrial de reserva. Como o próprio nome já deixa subentender, trata-se de um grupo que está fora do mercado, mas que pode vir a ser por ele utilizado a qualquer momento, ou, melhor do que isso, pode muito bem ser utilizado mesmo quando – ou principalmente porque – está na reserva.

Há duas situações básicas que provêm da existência de um exército de reserva. A primeira delas é a menor pressão sobre os salários, pois não há porque pagar mais aos trabalhadores se há um bom contingente de desempregados disposto a entrar no mercado para receber valores menores. A outra é o desdobramento do desempenho daqueles que estão empregados, pressionados psicologicamente pelo exército que se agiganta do lado de fora do mercado.

Por enquanto, passaremos ao largo das implicações políticas envolvidas na questão, como a choradeira empresarial e as pressões pela flexibilização de legislação trabalhista. Tendemos a elas voltar noutro momento.

Continuando com o assunto desemprego e a pressão do exército industrial de reserva, merecem atenção o comportamento que já se observa nas pessoas no dia-a-dia, decerto influenciadas pelo catastrofismo veiculado na mídia, e o viés de notícias apresentadas em alguns telejornais.

O BandNews, por exemplo, mostrou reportagem “sugerindo” que os trabalhadores devem, nesse momento de crise, mostrar mais serviço e, principalmente, não ficar reclamando muito. A matéria apresentou um escriturário que está até levando trabalho para casa como forma de se diferenciar no escritório e, assim, não ser pego pela crise. Noutro caso, um entregador que fazia doze entregas por dia, agora vem fazendo dezesseis, preocupado que está com o fantasma do desemprego.

Que raio de crise é essa que um cidadão até leva trabalho para casa, numa clara demonstração de que as suas horas normais não são suficientes para realizar a quantidade que tem de tarefas? Como pode uma reportagem sobre o risco de desemprego mostrar um trabalhador que está fazendo um terço a mais de seu trabalho normal, e nem sequer questionar qual é, afinal de contas, a verdadeira dimensão dessa crise? Aparentemente caberia a pergunta de até que ponto não há especulação, o que é fato e o que é mito, enfim, o que há de realmente verdadeiro nessa história toda.

E o exército industrial de reserva, onde entra? Bem, certamente o velho Marx, ainda que fosse de algum modo um homem de imprensa, não seria capaz de imaginar o poder que a mídia viria a ter. Mas a verdade é que só foi aparecer o resultado do CAGED, com algumas divulgações não muito bem contextualizadas, além dos casos de algumas grandes empresas demitindo, em situações também não muito bem explicadas, e as pessoas já começaram a se sentir incomodadas com o espectro dos que estão de fora. E a mídia, pelo que tudo indica, apenas cumpre o seu papel, que é o de amedrontar os trabalhadores: os que estão empregados, intimidados que ficam, já começam a trabalhar mais do que seria o normal; e a ironia tragicômica disso é que alguns trabalhadores poderão mesmo perder seus empregos, pois os empregadores sabem que os remanescentes, devidamente assustados, trabalharão em dobro para suprir a ausência do demitido. Nos casos relatados acima, por exemplo, a cada três dias o simpático entregador faz o trabalho de uma outra pessoa; se outros eventuais funcionários daquela empresa agirem da mesma forma, pelo menos mais um poderá ser cortado rapidinho. Já o escriturário, por sua vez, deixa em dificílima situação o colega que não queira, ou não possa, levar trabalho para casa; e se todos entrarem no jogo, certamente não haverá trabalho para todo mundo.

Seria o caso de falar em alienação? Ih, olha o alemão barbudo aí de novo! Fica para um próximo post.

3 comentários:

Anônimo disse...

"No caso do Brasil, por conta da propalada - não muito bem esclarecida – “onda de desemprego”": ah, mas ta bem esclarecida sim.

Esclarecidissima.

O bc e a media o fizeram.

iendiS disse...

É verdade! Foi a profecia auto-realizável: a mídia tanto falou, que veio; e o BC, é claro, deu mesmo sua mãozinha.

Anônimo disse...

"Como pode uma reportagem sobre o risco de desemprego mostrar um trabalhador que está fazendo um terço a mais de seu trabalho normal, e nem sequer questionar qual é, afinal de contas, a verdadeira dimensão dessa crise?

Pois é. O superdimensionamento da crise através de comentários e reportagens apocalípticas. E é assim: enquanto os trabalhadores se preocupam e trabalham bem mais do que deveriam, por outro lado para muitos governantes os reajustes salariais serão pífios "por conta da crise" - a crise justifica tudo.