sábado, 6 de dezembro de 2008

Deixa o homem voar!

Causou um pouco de mal-estar o uso de jatinhos particulares por parte de executivos de montadoras que se dirigiam ao Congresso americano em busca de ajuda para as grandes corporações do setor. A utilização de tão refinado meio de transporte, exatamente para pedir auxílio num momento de crise, causou indignação por parte dos congressistas e de nomes da imprensa do país.

Pura hipocrisia.

Há pouco tempo atrás, o modus vivendi dos mesmos executivos era motivo de bajulação e era tido como exemplo a ser seguido ou, melhor dizendo, como uma espécie de conquista a ser por todos almejada. Só para registrar, a rede CNN, de onde obtive a notícia, conta na sua grade com programas especializados em exaltar o opulento e exibicionista modo de vida de altos funcionários de megacorporações, tais quais o Agenda Ejecutiva (na CNN en Español) e os apresentados por Richard Quest, na International. E o Congresso dos Estados Unidos, por sua vez, nunca se importou em ser um antro de lobistas dos mais diversos interesses corporativos do país: como será que eles acham que aqueles distintos senhores sempre chegaram lá?

Mas os tempos são outros, podem alegar os congressistas e jornalistas, novos críticos do comportamento dos representantes das montadoras. Tudo bem, mas ninguém nega que, mesmo quando a bolha não dava sinais de que iria estourar e a onda de crescimento generalizado parecia não ter fim, a farra de executivos era desproporcional ao modo de vida mais, digamos, frugal da maioria dos trabalhadores de suas indústrias. Mas antes da tal crise, seria difícil imaginar um congressista ou um jornalista de qualquer lugar do mundo chocando-se com o grande empresário ou com o alto funcionário que chegasse de helicóptero à planta que administra enquanto o funcionário da linha de montagem tivesse que pegar dois ônibus, enfrentar o estresse do trânsito e ter algo do salário descontado por atrasos pelos quais não teve culpa.

Mas o clima do momento, talvez, seja o de salvar o próprio capitalismo. Se se resgatam as idéias de Keynes e de Marx, é porque se está realmente acreditando que o sistema permitiu abusos que lhe tiram a credibilidade. Daí a necessidade do apelo à simbologia que poderia vir contida numa forma mais humilde, mais franciscana de se pedir ajuda, o que não teria sido observado pelos altos executivos das montadoras em crise.

Jornalistas e congressistas americanos talvez queiram resgatar a essência que muitos acreditam estar na origem do sistema, tais como a industriosidade e poupança de que falava Max Weber, ou no bem comum a que se pode chegar na busca honesta pelo próprio interesse, como diria Adam Smith. Mas a grande verdade é que o capitalismo chegou a um ponto em que, para sua sobrevivência, ele precisa também do exagero, da opulência, das aparências, do desperdício. Os jatinhos particulares, os helicópteros, as limusines etc. são partes da engrenagem. A roda tem que girar.

Capitalismo de sandálias nesta altura do campeonato, senhores? Agora não!

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