Cada apresentação no teatro tem, para usarmos – ainda que imprecisamente - expressão de Walter Benjamin, o seu hic et nunc, de modo que a percepção do espectador pode variar de noite para noite. No seu A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução, o pensador alemão lembra que no teatro o ator apresenta sem a intermediação técnica que forçosamente existe no caso do cinema, por exemplo. Neste sentido, a apresentação teatral tem aquela coisa única da obra de arte que o autor denomina “aura”. Daí não ser nada de mais o amigo leitor rever, mesmo que seja pela terceira ou quarta vez, a ótima peça dirigida por René Piazentin.
Mas a comparação com o cinema talvez não se sustente no caso de Quixote, antes merecendo aproximação a uma categoria menos nobre: o videoclipe. Por ser a música um elemento fundamental da performance dos Imaginários, talvez não seja das maiores forçadas de barra dizer que há, de fato, correlação com os clipes musicais. Nalguns momentos, a expressão corporal dos atores dá até mesmo a idéia de que tudo não passa de uma grande coreografia. Em todo caso, vale lembrar, aqui é mera opinião de leigo!
Nesses tempos de interatividade, chega a ser irresistível fazer uma intervenção imaginária (ops!) na peça: Quixote poderia receber músicas diferentes. Talvez a trilha pudesse ser feita a partir de sugestões esparsas recebidas de intrometidos. Este escriba acha que ficariam bem na fita, entre outras:
- Grachan Moncur III – “The Twins”
- Cecil Taylor – “Jitney”
- Dom Salvador & Abolição – “Number One”
- Can – “Moonshake”
- Jean-Jacques Perrey – “The Elephant Never Forgets”
- Gil-Scott Heron – “The Revolution Will Not Be Televised”
- Eumir Deodato – “Barcarole”
- The Left Banke – “Let Go of You, Girl”
- The Marvelettes – “The Hunter Gets Captured by the Game”
- Lalo Schifrin – “Mission Blues”
- Chocolate Watchband – “Gossamer Wings”
- The Stooges – “We Will Fall”
- Walter Wanderley – “Volto Já”
- Big Star – “Holocaust”
- Graham Parker & the Rumour – “Watch the Moon Come Down”
- Funkadelic – “Super Stupid”
E, além do que ouvimos, o que vemos também é muito forte: a crítica social e comportamental salta aos olhos numa perfeita utilização do eterno clássico de Cervantes. Já tivemos a oportunidade de falar noutra ocasião do turbilhão pós-moderno que é explorado nesta montagem. Numa segunda leitura, a peça parece, por assim dizer, mais lírica. Como diz outro alemão, Hans-Georg Gadamer, “o espetáculo” – e acrescentamos que por óbvio – “só acontece onde está sendo representado”, e o representar do espetáculo não quer ser entendido, diz ele, como necessidade lúdica, “mas como um entrar da própria poesia na existência”. Dessa forma, faria bem aproveitar mais a magnífica arte abraçada por Kedma Franza, Aline Baba, Caio Marinho e toda Cia. dos Imaginários.
Leia também: Vá ao teatro! Ver Quixote, originalmente publicado no blog Veritas
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