sábado, 28 de junho de 2008

Nina Simone*


Antes de qualquer coisa, uma confissão: nunca fui um grande entusiasta da cantora e pianista Nina Simone (1933-2003). Sempre senti algo de arrogante, de empolado, de um tanto forçado na sua voz. Fazia dela a imagem de cantora um tanto blasé, do tipo que tem muito pouca boa vontade para com o público. Nunca fiz muita questão de comprar seus discos, nem mesmo como item indispensável pela inegável importância histórica.
Mas tudo mudou quando vi na televisão a exibição do vídeo Live at Montreux - 1976. A má vontade e a arrogância em verdade eram minhas. Mais: era preconceito, prejulgamento. O vídeo traz uma artista carismática, desinibida, simpática com o público (se bem que em um dado momento ela dá uma bronca num espectador que aparentemente insistia em ficar de pé, atrapalhando os demais). Nina não apenas canta e toca magnificamente seu piano, mas também dança, conversa com a platéia e permite-se fazer comentários no meio das canções (faz isso inclusive durante a execução do plágio de nosso Morris Albert, a famigerada “Feelings”).
Gostei tanto que corri para reparar um erro: dirigi-me a um dos sebos de São Paulo para suprir essa pequena lacuna de minha discoteca. Por um bom preço, encontrei uma bela coletânea da tradicional série “A Arte de...”. São 24 canções com grandes momentos de jazz e pitadas de blues, soul e rhythm’n’blues. Nina dá um show interpretando diversas pérolas do cancioneiro estadunidense. E por cancioneiro dos Estados Unidos, por favor, entenda-se tanto a obra de Cole Porter, Duke Ellington e da dupla Hart-Rodgers quanto a de Chuck Berry ou a de Screamin' Jay Hawkins: há de fato, no álbum, standards como “The Laziest Gal in Town”, “Mood Indigo” e “Little Girl Blue”, como há também clássicos modernos do quilate de “Brown Eyed Handsome Man” e “I Put a Spell On You”.
Interessante como ocorrem as coisas. Por que foi necessário ver uma imagem para dissipar a má impressão de uma grande cantora? Trata-se de prova de que nem sempre somos honestos conosco mesmos no ato de fruição do trabalho de um artista. Por que agora encosto a agulha nos sulcos da faixa “Love Me or Leave Me” e gosto da voz e do piano de Nina Simone, se até pouco tempo atrás a ouvia no rádio sem grande entusiasmo? Deveria sempre ter gostado da música e da interpretação de Nina por si sós, não? Sei lá, talvez tenha admirado a sinceridade dela (seja lá o que isso queira dizer na música). A este propósito, vale o que disse o trompetista Rex Stewart, em frase reproduzida por Eric Hobsbawm no seu História social do jazz (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990): “E aquele papo sobre não sermos sinceros! Ouçam, quando uma banda entra em estúdio para uma sessão de gravação, os caras não sentam para ser sinceros. Eles tocam apenas. Só isso”. Pois é! O que vale – ou deveria valer - é a qualidade da música e do artista.

*Originalmente publicado no RateYourMusic

Um comentário:

souzzza disse...

Belo post e o comentário..haha..quem nunca pré julgou um artista, e se arrependeu depois. Depois de um tempo nos perguntamos porquê eu não escutei isso antes???!!!Eu tenho uma lista imensa de artistas descartados na minha adolescência, e justo nessa epoca da minha vida li uma entrevista do grande Jimi Hendrix dizendo que estava escutando Nina Simone daí fui correndo comprar um Lp, que não me impressionou muito, mas hoje escuto versões dela que são de arrepiar!! VA-LEU!
Souza-Poa-RS