Em belíssimo texto para a Village Voice, em 29 de agosto de 1977, o crítico Lester Bangs perguntava: onde você estava quando Elvis morreu? O que você estava fazendo? A idéia dele era estabelecer uma comparação com eventos como o ataque a Pearl Harbour e o assassinato de Kennedy. Com efeito, as pessoas tendem a tomar um choque com notícias de maior grandiloqüência a ponto de ficar na memória a situação em que a receberam. Lembro-me, por exemplo, de como fui informado dos ataques de 11 de setembro de 2001. A exemplo do maior atentado terrorista da História, a morte de Michael Jackson também foi evento que ganhou o mundo de forma up-to-date, estando o planeta varrido pela triste notícia em pouquíssimos minutos. E a forma como a recebi parece-me simbólica de nossa era – Lester Bangs talvez gostaria de saber!
Como já deve ter dado para perceber, soube da morte do artista pela internet. Estava navegando pelo site RateYourMusic e resolvi dar uma passada pela sua comunidade em português, quando tomei um susto ao ver um tópico de discussões intitulado “RIP Michael Jackson”. Não estava sabendo de nada e entrei no tópico, que não contava, ainda, com nenhuma mensagem. Na hora me passou pela cabeça que pudesse ser uma brincadeira; por não haver nenhuma notícia ou comentário ilustrando a chamada, cogitei também que poderia ser um engano. Acessei algum sítio noticioso, e lá estava, em letras garrafais, gritando, que Michael Joseph Jackson morre aos 50 anos em Los Angeles.
Michael nasceu em 1958, portanto depois do estouro do nosso já citado Elvis, depois de a TV já se encontrar na maioria dos lares norte-americanos, depois de as gravadoras já saberem que a imagem poderia ajudar a vender música e exatamente numa época em que se começava a sacar a possibilidade de empurrar sucessos goela abaixo dos ouvintes. Como disse Adorno, “em vez do valor da própria coisa, o critério de julgamento é o fato de a canção de sucesso ser reconhecida de todos; gostar de um disco de sucesso é quase exatamente o mesmo que reconhecê-lo.” (O fetichismo na música e a regressão da audição, coleção Os Pensadores, São Paulo: Abril Cultural, 1975). E olha que o filósofo alemão, "pop star" (heresiazinha!) da Escola de Frankfurt, dizia isso do jazz! O que não falar da música verdadeiramente pop, qual seja, aquela bem banal, pegajosa e "sem caráter" cometida a partir da segunda metade do século XX?
Nossos leitores mais fiéis (se é que eles existem!) sabem que, sempre que falece alguém importante do mundo cultural neste primeiro decênio do terceiro milênio, logo digo que é um pouco de século XX que está morrendo. Nunca tal ilustração foi tão verdadeira. Michael Jackson era, de fato, um cara dos “novecentos”. Ele era um artista para quem a divulgação representava muito, a imagem era tudo, esquisitices e escândalos eram importantes... Ah, sim, um pouco de música poderia, eventualmente, cair bem! O Jackson Five e os Jacksons eram musicalmente legais; o álbum Off the Wall, de 1979, é respeitabilíssimo. Já o megaplatinado Thriller, de 1982, tem grande importância histórica, mas não o considero bacana de ouvir. Isso mesmo, Thriller, em minha humílima opinião, não tem lá tão boa música. Mas isso não importa tanto, como veremos.
Lembram-se de termos falado que Michael é um sujeito da era da imagem, da autopromoção, do “choque”? Pois bem, Thriller foi o disco certo na hora certa. A produção de Quincy Jones apostou na facilidade sonora, num álbum bem mais pasteurizado do que o anterior, o supracitado Off the Wall, o que não impediu, todavia, a presença de canções respeitáveis como “Billie Jean” e “Wanna Be Startin’ Somethin’”. Mas o que fez a diferença foram as imagens. Se o autor destas maldigitadas não se engana, ao menos no Brasil, a canção “Beat It” e, principalmente, a faixa-título estouraram primeiramente como videoclipes para depois ganhar as ondas do rádio. É paradoxal que o “disco sonoro” mais vendido da história tenha dependido tanto daquilo que se gostava de “ver” à época. Isso é de importância histórica inequívoca. Acabou virando moda: depois disso, a MTV passaria a ditar uma boa dose dos sucessos, que ganhariam reconhecimento somente após serem vistos na tela. Bem, se a alguém interessa saber, este blogueiro considera os clipes extraídos de Thriller tremendas bobagens; preferimos “ouvir” canções como “I Can't Help It”, do álbum de 1979, que sobrevive somente de sua beleza musical, sem necessidade de imagens.
Depois de todo o estouro, não valia mais a pena se interessar pelo trabalho de Michael, tampouco por sua vida pessoal, seus dramas, bizarrices e tudo mais.
O pop, em toda a sua banalidade e “descartabilidade”, perdeu o seu, por assim dizer, resumo. O pop nem sempre é bom; o pop nem sempre nos enche de orgulho se nos entusiasmamos por ele; o pop, em verdade, chega às vezes a nos corar de vergonha ao admitir que dele gostamos. O pop era Michael Jackson mesmo.
Abaixo, The Jacksons (e não Jackson Five, como erroneamente aparece), com "Blame It On the Boogie", de 1978, um trabalho de transição do Michael Jackson criança para o artista... "um pouco menos criança" que se tornaria.
Não é sobre liberdade (e eles sabem disso)
Há 5 semanas
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