Neste clima dos 50 anos da Bossa Nova, o meu amigo Eduardo “sallamanka” criou uma lista no site RateYourMusic com uma espécie de ranking do gênero, a partir da escolha de alguns usuários do excelente sítio musical. Exortado por nosso outro amigo Gustavo “jared_lethal”, o “sallamanka” pediu-me que eu também indicasse meus três discos preferidos do gênero.
A escolha, feita meio que às pressas, pode a qualquer momento ser revista. E, convenhamos, de fato não é nada fácil. Tive duas preocupações. A primeira foi a delimitação do gênero: tenho especial predileção pelo chamado Samba-Jazz, que é um desdobramento da Bossa Nova, mas dotado de características muito peculiares, que lhe justificam outro tipo de categorização, o que me fez tentar evitar incluir discos mais afeitos a esta categoria. A segunda foi a vontade de fugir do óbvio, mas com a certeza de que isso seria impossível: João Gilberto ou Tom Jobim teria que, indefectivelmente, ser uma das escolhas, restando saber qual trabalho deles seria a um só tempo ilustrativo e diferente no contexto que pretendemos enfocar.
As escolhas foram: Tom Jobim, The Composer of Desafinado, Plays, ou, conforme o lançamento brasileiro da Elenco, apenas Antônio Carlos Jobim; os outros dois, para evitar, repitamos, a obviedade (pero no mucho!), foram o Eu e a Brisa, de Johnny Alf, e O Compositor e o Cantor, de Marcos Valle.
Tom
A opção pelo disco de Tom, em vez de algum trabalho de João Gilberto, se deu como forma de homenagear a bossa instrumental, ainda mais que é o “pai das crianças” in person que as está acalentando no sensacional disco de 1963. Gravado em Nova York, o álbum conta com músicos brasileiros e americanos. O brasileiro identificado é o espetacular baterista Edison Machado. E ele contribui massivamente para percebermos alguma diferença entre a Bossa Nova e o Samba-Jazz: no álbum de Tom sua bateria é leve, simples, de balanço suave; mas se ouvirmos Edison no seu disco solo do mesmo ano, ou no Bossa Rio de Sérgio Mendes, ou no Rio 65 Trio teremos um batera pesado, com forte marcação, tonitruante, de verve jazzística na linha de um Max Roach ou de um Elvin Jones. Em suma, The Composer of Desafinado, Plays, ou Antônio Carlos Jobim é um grande disco para quem quer entender o que é realmente Bossa Nova.
Alf
Eu e a Brisa foi um título dado a posteriori. Em verdade, o disco de Johnny Alf foi inicialmente conhecido como o álbum “com arranjos de José Briamonte”. A escolha deste trabalho talvez tenha sido uma forma indireta – ou inconsciente – que encontrei para homenagear João Gilberto, afinal Alf também está naquela linhagem dos cantores de voz relativamente frágil, do tipo que tem de agradecer ao João pelo caminho que o baiano, provavelmente inspirado em Chet Baker, ajudou a abrir para os brasileiros anti-Francisco Alves, tendência aliás que viria para ficar. Há, entretanto, quem diga que Johnny Alf gravara, alguns anos antes de Chega de Saudade, um 78 rotações que já apresentava algumas características “bossanovísticas”, suportadas pelo seu estilo ultracool de cantar, o que o teria feito a antecipar-se, desse modo, ao mito João Gilberto. As belas canções deste disco, na voz intimista de Alf, formam um belo retrato da revolução que a Bossa Nova representou no jeito de cantar. E tal levante, Eu e a Brisa comprova, não foi capitaneado somente pelo João.
Marcos
O Compositor e o Cantor, de Marcos Valle, é outro daqueles discos representativos da universalidade da Bossa Nova, haja vista a presença de valsa, baladas e um pouco de jazz temperando a levada tão claramente brasileira do álbum. A sucessão de clássicos desta obra inclui “Preciso Aprender a Ser Só”, “Samba de Verão” (a rival de “Garota de Ipanema” em nível internacional) e “A Resposta”. E a linguagem deste clássico de 1965 é jovem, quase pop, ainda mais que tem a orquestração de ninguém menos do que Eumir Deodato. A identificação musical de Marcos e Eumir já é abençoada por Paulo Sérgio Valle, nas notas de contracapa de O Compositor e o Cantor. Os dois músicos cariocas viriam a se afastar gradativamente da Bossa, rumo a uma modernidade mais desabrida: Marcos num contexto mais próprio da MPB misturada ao Rock, Soul e pop; Eumir numa linha mais fusion, Jazz-Rock etc. Além do compositor e cantor, havia neste disco o “arranjador” e o “irmão parceiro”. Por isso, ele é grande!
Eis a explicação para minhas três escolhas. Como se pode ver, trata-se de idiossincrasia pura. Vale a pena uma conferida na lista para saber o que o pessoal por lá mais gosta em termos de Bossa Nova e, quem sabe, usá-la como um roteiro para futuras aquisições.
Não é sobre liberdade (e eles sabem disso)
Há 5 semanas
Nenhum comentário:
Postar um comentário