O conflito diplomático instalado na América do Sul desde o último fim de semana traz no seu bojo diversas questões importantes, ainda que algumas delas, em última análise, sejam meramente especulativas.
A primeira diz respeito aos reais interesses do presidente colombiano, Alvaro Uribe, que bem poderia estar buscando um enfrentamento mais agudo com as Farc, com o intuito de sabotar possíveis entendimentos, que tenderiam a culminar com a liberação de mais reféns que estão em poder do grupo. Isso porque para as ambições políticas do presidente, que, segundo algumas suspeitas, pretende um terceiro mandato, a luta com a guerrilha é plataforma indispensável: sem o inimigo em posição de combate, Uribe ficaria impossibilitado de sustentar a postura linha-dura que lhe tem dado respeitável popularidade.
A segunda questão diz respeito ao real estatuto das Farc: guerrilha, grupo revolucionário, grupo terrorista etc. Além disso, abre-se – ou amplia-se – a discussão de que se deveria haver limites na guerra contra o “terror”, ou na busca da segurança interna, de qual seria o papel dos órgãos internacionais na conceituação de um grupo insurgente etc. Tal tema está, sem dúvida, envolto em redomas de relativismo, afinal há quem considere, por exemplo, a invasão americana no Iraque como um ato de “terror” (não abençoada pelo ONU e baseada em mentiras, foi mero uso da força para se conseguir vantagens políticas e econômicas, e ademais utilizada com o objetivo de derrubar o governo então existente, o que é, no mínimo, “semelhante” ao terrorismo: seria essa uma leitura possível e que daria munição a quem pretendesse sustentar a tal afirmação).
Fora do terreno das conjeturas, o que sobra é o real aspecto violador das fronteiras e acintoso com a República do Equador por parte do Estado colombiano, fato concreto que foi rechaçado pela maioria dos países que se dispôs a comentar o caso. Com efeito, foi a própria noção de soberania que saiu arranhada no episódio.
Um terceiro ponto que vem se juntar aos anteriores é acerca da demora do Brasil em falar do caso. Houve em verdade comentários esparsos do presidente Lula condenando o ato, mas faltou ao Itamaraty agir mais rapidamente de forma “oficial”. Como um país pleiteante a assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, o Brasil tinha que ter se imposto no caso como mediador “natural” do conflito. O Estado brasileiro foi rápido e transparente na condenação da guerra do Iraque, assim como repudiou com grande sobriedade a execução de Saddam Hussein. São dois exemplos de atitudes firmes e autônomas da política externa brasileira. Mas justamente quando se tem um conflito na porta, o Brasil mostra-se tão titubeante?
E o Brasil é a grande “fronteira” da América do Sul. Mesmo que o Ministério das Relações Exteriores, sob a orientação do Presidente da República, tenha buscado ser “diplomático” e ponderado ao extremo, preferindo expor-se às críticas a ser precipitado em questão tão delicada, não deve em absoluto deixar de considerar o fato de o ataque colombiano ter sido justamente um desrespeito ao sagrado princípio de observância dos limites territoriais. É uma daquelas coisas que o Brasil, por suas dimensões continentais, não deveria de modo algum negligenciar.
Como quarto ponto destaca-se a postura preventiva da Venezuela, que encaminhou suas tropas para a fronteira com a Colômbia nas primeiras horas após o ataque às posições das Farc no Equador. A imprensa brasileira apressou-se em querer transformar essa medida como um ato beligerante de Hugo Chávez. Esquece-se a nossa imprensa, entretanto, que há pouco tempo apregoou aos quatro cantos que o Brasil estaria muito vulnerável nas suas fronteiras, ao passo que o venezuelano armava-se até os dentes. Ora, Chávez, tendo em vista o papel central que seu país vinha desempenhando nas negociações com as Farc, principalmente com o objetivo de libertação de reféns, antecipou-se ao fato e colocou-se na defensiva. Noutras palavras, o Estado venezuelano achou que não seria bom negócio brincar com um vizinho que se apresentou capaz de desrespeitar regras básicas do direito internacional sem muita cerimônia. Ironicamente, o venezuelano decidiu – ele – tomar um cuidado que os luminares da imprensa brasileira achavam que os outros – inclusive o Brasil - deveriam tomar em relação a ele!
Os analistas não acreditam na radicalização do conflito. De todo modo, do ponto de vista da política pura, as farpas entre as três nações, com a guerrilha no meio, certamente continuarão. A OEA já entrou em campo; O Tribunal Internacional de Haia parece que também vai ter que dar um tempo na sua pasmaceira...! Vamos esperar.
Não é sobre liberdade (e eles sabem disso)
Há 5 semanas
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